Após a Páscoa e Pentecostes, a Igreja celebrará o mistério da Santíssima Trindade. Glorificamos a Deus Uno e Trino pelas suas maravilhas dadas ao ser humano. O Mistério Trinitário é envolvente em si mesmo, ultrapassando todo o ser vivo, e também nos é dado para a nossa salvação. Tudo provém do Pai, passa pelo Filho e se completa no Espírito Santo. Não se trata de três deuses, mas é um único Deus em três pessoas. Não há duvidas que desde o início, os cristãos se distinguiram dos judeus e pagãos pela fé na Santíssima Trindade, pois aqueles eram batizados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo (cfr. Mt 28,19). Esta fé batismal teve as suas raízes na experiência pascal das comunidades primitivas na pessoa de Jesus de Nazaré, que unido ao Pai e ao Espírito Santo, falava em nome de seu Pai, fez a sua vontade e morreu para a salvação da humanidade[1]. A seguir, apresentamos uma visão do mistério da Trindade Santa a partir dos primeiros escritores cristãos, os padres da Igreja, do mistério em si, único e como é dado para a nossa salvação.

Bendito seja Deus pela hora do martírio

São Policarpo, bispo de Esmirna, século segundo, proferiu uma oração à Santíssima Trindade antes de seu martírio, bendizendo a Deus Pai por tê-lo julgado digno daquele momento e de tomar parte entre os mártires, e do cálice de Cristo, para a ressurreição da vida eterna da alma e do corpo, na incorruptibilidade do Espírito Santo[2]. A fé na Santíssima Trindade estava presente desde o início do cristianismo, nos seguidores e seguidoras do Senhor Jesus Cristo.

A liturgia dominical

São Justino de Roma, mártir no século segundo, afirmou às autoridades, a todos os seus fiéis, aos catecúmenos, às pessoas que eram preparadas para receberem os sacramentos da iniciação à vida cristã, que na liturgia dominical, após as exortações sobre as coisas de Deus e a necessidade de socorrer aos necessitados, os cristãos bendiziam por tudo aquilo que comiam ao Criador de todas as coisas, por meio de seu Filho Jesus Cristo e do Espírito Santo[3].

Os artigos da fé

Santo Irineu de Lyon, bispo do segundo e terceiro séculos, ressaltou a fé cristã em seus artigos proferidos na comunidade. Deus Pai é professado como incriado, invisível, único Deus, criador do universo. Este é o primeiro artigo de fé. O segundo referia-se ao Verbo de Deus, Filho de Deus, Jesus Cristo, nosso Senhor, que apareceu aos profetas segundo a economia disposta pelo Pai. Por meio Dele, foi criado o universo. Ele se fez homem entre os homens para destruir a morte, para manifestar a vida, restabelecer a comunhão entre Deus e os seres humanos e, no fim dos tempos, virá para o julgamento e recapitular todas as coisas. O terceiro artigo referia-se ao Espírito Santo, cujo poder foi predito pelos profetas e os padres foram instruídos em relação ao mesmo Espírito, que no fim dos tempos, renovará os seres humanos para Deus[4].

Unidade na Trindade

Tertuliano, padre africano no segundo e no terceiro séculos, afirmou a unidade na trindade. Ele se opôs à Praxeas, o qual afirmava que o sofrimento não foi dado para o Filho, mas para o Pai, uma vez que para ele se o Pai está no Filho e o Filho está no Pai, quem sofreu foi o Pai e não o Filho. Tertuliano dirá que a paixão foi assumida pela segunda pessoa, Jesus Cristo. Por isso, Tertuliano afirmou a unidade em Deus, a qual é dada em três pessoas: Pai, Filho e Espírito Santo. É a unidade na substância, de modo que há um só Deus, mas não uma única Pessoa, no Pai, no Filho e no Espírito Santo. Tertuliano afirmou que as três Pessoas, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não podem ser vistas na condição, mas em grau; não em substância, mas em forma; não em poder, mas em aspecto, em uma substância, uma condição e um poder, enquanto que Ele é um Deus, de onde estes graus, formas e aspectos são reconhecidos, sob o nome de Pai, Filho e Espírito Santo[5].

Deus, como mistério incompreensível

Orígenes, padre dos séculos segundo e terceiro, afirmou Deus como mistério. Deus é incompreensível e inatingível pelo conhecimento. Se existe alguma coisa que se compreende a respeito de Deus, devemos acreditar que Deus está de muitas maneiras para além daquilo que podemos julgar a seu respeito. Deus ultrapassa todas as coisas na beleza e em excelência, de modo indizível e inapreensível. Sua natureza não pode de modo algum ser captada nem pela mais pura e límpida inteligência humana[6].

Uma só divindade e unicidade das pessoas

Santo Ambrósio, bispo de Milão no século quatro, asseverou que há uma só divindade e unicidade das pessoas, dizendo que o Pai é um, o Filho é um e o Espírito Santo é um. São importantes as características das Pessoas divinas, porque o Pai não é o Filho e o Filho não é o Pai e o Espírito Santo não é o Pai e nem o Filho, de modo que uma Pessoa é o Pai, a outra é o Filho e uma outra é o Espírito Santo. A grandeza da substância divina se estende sem medida. A Trindade não conhece limites, pois não há fronteiras, nem pode ser medida, não há dimensões, porque nenhum espaço pode circunscrevê-la, nenhum pensamento abraçá-la, nenhum cálculo avaliá-la, nenhuma época modificá-la[7].

A existência do único Deus, Salvador

Santo Atanásio, bispo de Alexandria, no século quarto, teve presente contra os pagãos e contra os arianos, a existência de um só Deus, pois não é possível imaginar a existência de outro deus, senão o verdadeiro Deus, Pai do Cristo e dele provém o Espírito Santo. O Senhor Jesus mesmo confirmou as palavras de Moisés, que o Senhor Deus é único (cfr. Mc 12,29; cfr. Dt 6,4) e também se encontra outra afirmação dada pelo Senhor que rendia glória ao Pai, Senhor do céu e da terra (cfr. Mt 11,25; Lc 10,21). Assim, a fé cristã afirma a não existência de outro deus, mas somente de um único Deus, que é Senhor do céu e da terra[8].

A fé na Trindade a partir da palavra de Deus

Santo Hilário, bispo de Poitiers, no século quarto, insistiu contra os arianos, que negavam a divindade do Verbo, na sua preexistência, que a nossa fé em Deus Uno e Trino nos é ofertada também pela Palavra de Deus. A fé dos féis e a confissão do Pai e do Filho e do Espírito Santo correspondem às doutrinas evangélicas e apostólicas, de modo que não se aceita algo em comum com os hereges, porque eles rejeitam a divindade de Nosso Senhor Jesus Cristo. A busca pela verdade deve ser constante nos fieis e nos pastores, para perceber nos hereges as sentenças contra a fé apostólica por nós professada, como iludem os simples ouvintes, como corrompem a força das divinas palavras[9]. Para isso, era preciso afirmar a fé em Deus único e trino.

O mistério de Deus ultrapassa a realidade humana

São Basílio, bispo de Cesaréia, no século quarto, falou de Deus como mistério que ultrapassa o pensamento humano. Não se deve abranger a Deus por conceitos corporais porque ele não é circunscrito na mente humana. A pessoa de fé afirma que o raciocínio humano jamais atingirá o infinito. É preciso refletir sobre Deus de acordo com sua potência, simplicidade de natureza, estando em toda a parte e ultrapassando a tudo. É intangível, invisível e foge à percepção humana. Nada acontece em Deus de modo idêntico ao que sucede conosco. Este mistério tão grande e infinito fez o ser humano a sua imagem e semelhança (cfr. Gn 1,28)[10].

A natureza da Santíssima Trindade

Mesrop Mashtots, monge armênio, no século quinto, teve presente a natureza e atividade da Santíssima Trindade. Única é a natureza, a essência da Santíssima Trindade, pois de nenhuma outra essência essa deduz o seu ser. O Pai possui em si o primeiro princípio do Filho incriado e do Espírito: é Deus e criador de todo o criado visível e invisível. Ele é dito princípio porque gera o Filho e é a fonte do Espírito Santo. Não há outro criador fora da única Santíssima Trindade, de sua soberania onipotente. Quando Deus falou, tudo se constituiu e as coisas existiram (cfr. Sl 148,5). Ele tudo governa no céu e sobre a terra com a sua providência e a sua infinita sabedoria. Ele é amor, é rico de misericórdia, de bondade nas manifestações da sua graça. Penetra todo o saber e toda sabedoria; o seu ser é sem princípio, conhece os pensamentos dos corações. A fé cristã manifesta a única natureza e divindade do Pai, do Filho e do Espírito Santo[11].

Uma essência e três pessoas

Santo Agostinho, bispo de Hipona nos séculos quatro e cinco, afirmou que há três pessoas na Trindade e uma só essência e um só Deus. Não existe nada dessa mesma essência fora da Trindade. Segundo Santo Agostinho, nós dizemos três pessoas com a mesma essência ou três pessoas com uma só essência. Se na realidade humana pode-se dizer que três homens são feitos da mesma natureza e única natureza, na essência da Trindade, não pode existir de forma alguma outra pessoa senão da mesma essência. Em Deus, o Pai, o Filho e o Espírito Santo juntos não são uma essência maior que o Pai só ou o Filho só, mas as pessoas são iguais a cada uma dentre eles em particular. Dessa forma, Santo Agostinho levava as pessoas a crer no Pai, no Filho e no Espírito Santo como um só e único Deus, grande, onipotente, bom, justo, misericordioso, criador de todas as coisas visíveis e invisíveis e tudo o que se possa dizer conforme a inteligência humana[12].

Santo Agostinho dispôs no final de sua obra maravilhosa sobre uma oração à Trindade, na qual se enumera considerações importantes. Ele menciona a fé em Deus Uno e Trino, no Senhor Deus, Pai, Filho e Espírito Santo. Tudo isso é possível graças à ordem do Filho que mandou ir e batizar a todos os povos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (cfr. Mt 28,19), de modo que o fiel é batizado em nome da Trindade. O batismo é feito em nome de Deus uno e trino, de modo que Ele não ordenou que os fiéis fossem batizados em nome de alguém que fosse o único Deus, feito pelo mistério na Trindade[13].

O mistério de Deus Uno Trino ultrapassa a mente humana. Nós adoramos este mistério! Ele mora nos corações humanos. Ele é oferecido para nós e para a nossa salvação. Somos chamados a viver o mistério em nossas vidas e em cada momento. O mundo será melhor quando louvar o Deus Uno e Trino, pois a vida estará sobre a morte, o amor sobre o ódio, porque Deus é um só, presente no Pai, no Filho e no Espírito Santo.

 

[1] Cfr. Basil Studer, Trinità. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angelo Di Berardino. Marietti, Genova-Milano, 2008, pgs. 5467-5468.

[2] Cfr. Martírio de São Policarpo, 14, 1-2. In: Padres Apostólicos. Paulus, SP, 1995, pgs. 152-153.

[3] Cfr. I Apologia, 67,1-2. In: Justino de Roma. Paulus, SP, 1995, pg. 83.

[4] Cfr. Irineu de Lyon, Demonstração da pregação apostólica, 6. Paulus, SP, 2014, pgs. 75-76.

[5]Cfr. Contro Prassea, 2. CCL 2. Ver também: e-cristianismo.com.br/…/tertuliano-contra-praxeas.html?start=2.

[6] Cfr. Orígenes, Tratado sobre os Princípios, 5. Paulus, SP, 2012, pgs. 62-63.

[7] Cfr. Ambrogio, Commento al Vangelo di san Luca, 2, 12-13. In: La teologia dei padri, v. 1. Città Nuova Editrice, Roma, 1981, pgs. 38-39.

[8] Cfr. Contra os pagãos, I, 6. In: Santo Atanásio. Paulus, SP, 2002, pg 53.

[9] Cfr. Santo Hilário de Poitiers. Tratado sobe a Santíssima Trindade 4,1. Paulus, SP, 2005, pg. 99.

[10] Cfr. A origem do Homem. Primeira Homilia: à Imagem, 5. In: Basílio de Cesaréia. Paulus, SP, 1998, pgs. 46-52.

[11] Cfr. Mesrop, armeno, Primo discorso. In: La teologia dei padri, v. 1, pgs. 39-41.

[12] Cfr. Santo Agostinho, A Trindade, Livro VII, capítulos 6,11-12. Paulus, SP, 1994, pgs. 255-256.

[13] Cfr. Idem, Livro XV, 51, capítulo 28, pg. 555.

POR Dom VITAL CORBELLINI

Bispo de Marabá - PA