Introdução
 
No mês de setembro somos chamados a dar especial atenção à Palavra de Deus. Quase todos os anos, em nossas comunidades, a Bíblia sempre recebe especial cuidado. Em algumas comunidades até promovem um folclórico rito dançante de aclamação ou acolhida à Palavra de Deus. 
 
Sempre questionei esse gesto, uma vez que quase em todas as nossas comunidades, é algo isolado, pois não corresponde ao amor e conhecimento da Palavra. Muitos dos dançarinos nunca leram nenhum dos livros Sagrados e a Palavra de Deus não faz parte do cardápio cotidiano deles.
 
1 – A necessidade de novos hábitos 
 
De que adianta exaltar “o livro” quando estamos distantes do conhecimento do seu conteúdo? Na última paróquia onde fui pároco, pedi que em nenhuma comunidade se fizesse isso, sem que na mesma houvesse ao longo do ano uma especial atenção à Palavra. 
 
A partir desse questionamento centenas de pessoas passaram a comprar a Bíblia e a usá-la, cotidianamente. Muitos círculos bíblicos foram formados, a formação dos catequistas foi reformulada e a catequese tomou um rumo diferente.
 
Somos chamados, com sinceridade, a repensar nossas atitudes e a nos questionar sobre qual importância estamos dando à Palavra de Deus no cotidiano da nossa vida pessoal e familiar.  
 
Mais uma experiência! Nessa mesma paróquia, após tanta insistência sobre a necessidade da leitura e meditação da Palavra de Deus, muitas pessoas mudaram de atitudes. Certa vez, ao final do ano, uma senhora idosa, se questionava profundamente, me dizendo: “Peço perdão a Deus! Como pode!?, eu passei muitos anos da minha vida, sendo catequista, líder de comunidade, grupos e pastorais, mas nunca tinha lido integralmente os evangelhos! Tantas vezes errei por não conhecer a Palavra de Deus! Que vergonha eu sinto!”. 
 
Esse fato é muito significativo. Antes de tudo, toca a todos nós, agentes de pastorais, bispos, sacerdotes, diáconos, catequistas e líderes em geral crescermos nesse amor à Palavra de Deus. Sem essa experiência pessoal, não iremos incentivar ninguém a fazer o mesmo.
 
2 – O Concílio Vaticano II e a Palavra de Deus  
 
Desde o Concílio Ecumênico Vaticano II (1965) a Igreja Católica vem dando especial atenção à Palavra de Deus. O próprio Concílio dedicou um especial e profundo estudo sobre a mesma. Com a Constituição dogmática “Dei Verbum”, sobre a revelação divina, os bispos participantes desse extraordinário sínodo afirmaram que é preciso que os fiéis tenham acesso à Sagrada Escritura (cf. DV 22). 
 
Isso significa que não é suficiente para os fiéis ouvir os textos sagrados nas liturgias, é necessário que cada um sinta a necessidade de querer manusear o Livro Sagrado, tendo para com ele grande familiaridade. 
 
Continua o Concílio afirmando que “é necessário, por isso, que todos os clérigos e, sobretudo, os sacerdotes de Cristo e outros que, como os diáconos e os catequistas, se consagram legitimamente ao ministério da palavra, mantenham um contacto íntimo com as Escrituras, mediante a leitura assídua e o estudo acurado, a fim de que nenhum deles se tornepregador vão e superficial da palavra de Deus por não a ouvir de dentro, tendo, como têm, a obrigação de comunicar aos fiéis que lhes estão confiados as grandíssimas riquezas da palavra divina, sobretudo, na sagrada Liturgia” (DV, 25). Ninguém pode dar aquilo que não tem!
 
3 – O mal da ignorância da Palavra
 
O Deuteronômio afirma que a Palavra de Deus está ao nosso alcance (cf. Dt 30,14). São Paulo, com a mesma convicção, afirma: «a Palavra está perto de você, em sua boca e em seu coração. Isto é, a Palavra da fé que nós pregamos” (Rm 10,8). 
 
Sim, é verdade! Está perto de nós e ao nosso alcance, mas, lamentavelmente, a inércia, o comodismo espiritual, a falta de fé e o jejum da Palavra de Deus aprisiona a muitos, levando-os à indiferença.   
 
A Igreja Católica está comprometida com a sua renovação interior e essa experiência passa, inevitavelmente, pelo encontro íntimo com a Palavra de Deus. A acusação de que o “católico é um ignorante da Bíblia” é grave! E deve ser superado urgentemente!  
 
Lamentavelmente, a ignorância sobre a Palavra de Deus gera graves prejuízos aos fieis católicos. Bem como é grave e danoso quem usa os textos Sagrados como arma para atacar os outros e manipular consciências. 
 
4 – Consequências da ignorância bíblica 
 
A ignorância leva as pessoas à indiferença, ao relaxamento moral, à falta de fé, à fragilidade interior, ao vazio doutrinal, ausência de paixão missionária, frágil sentido de pertença, superficialidade na oração, falta de seriedade na relação com Deus e com a Igreja. É um verdadeiro drama pastoral. Por isso, há tanta vulnerabilidade religiosa. 
 
A resposta a essa situação delicada deve começar a partir da catequese. Todavia, em muitas paróquias, a maioria dos nossos crismandos, concluem seu processo de “formação” sem terem, sequer, lido um dos evangelhos. “A ignorância das Escrituras é ignorância de Criso” (São Jerônimo). 
 
O Documento de Aparecida (2007) afirma: “Faz-se, pois, necessário propor aos fiéis a Palavra de Deus como dom do Pai para o encontro com Jesus Cristo vivo, caminho de “autêntica conversão e de renovada comunhão e solidariedade” (Doc. de Aparecida, N. 248).
 
O conhecimento da Palavra de Deus é uma urgência, pois ela propicia a autêntica iniciação à vida cristã que se dá com o encontro com a Pessoa de Jesus Cristo (cf. Doc. de Aparecida, N. 289). 
 
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
 
1 – Você tem o hábito de ler a Bíblia? Se não, o que lhe falta?
 
2 – Você já leu os quatro evangelhos onde encontramos as narrações sobre a pessoa de Jesus Cristo?
 
3 – Por que “a ignorância das Escrituras é ignorância de Cristo”?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2