Introdução

Estamos chegando a mais um final de ano. Certamente muitos de nós, ao longo do ano, em meio aos problemas pelos quais passávamos, possamos ter dito ou ainda quem sabe, pensado: “tomara que esse ano passe logo”. Essa é uma natural tendência que temos quando estamos passando por um incômodo, um desconforto. Isso é muito compreensível. É uma questão de autodefesa natural do ser humano.

Tudo aquilo que nos ameaça abalando a nossa serenidade, conforto, segurança nos incomoda, automaticamente rejeitamos. Dessa reação colhemos a paixão pela vida, saúde, bem-estar, paz e harmonia. Isso significa que a nossa vida é uma contínua luta pelo bem-estar.

No ano 2020 fomos atingidos por uma grave pandemia que nos tirou a serenidade e os padrões de relacionamentos. Chegando ao final desse ano, somos chamados à reflexão avaliativa sobre a nossa vida. Mas não devemos simplesmente centrar o nosso olhar sobre os incômodos e males que padecemos, mas sobretudo, avaliar o sentido de demos para tudo o que experimentamos: a doença, o sofrimento, o medo, as perdas, os erros, as decepções; as graças, presentes, conquistas, alegrias, investimentos!

Deverá ainda ser objeto de reflexão nessa avaliação pessoal, também as lições, as mensagens, as aprendizagens, as superações, as boas recordações e as advertências que nos foram sinalizadas para o futuro. Visto que nem tudo na vida tem o mesmo peso e a mesma medida, então, somos convidados a identificar o saldo de cada experiência. Para isso a memória é fundamental.

 

  1. A vida é gestão

O que fica em nossa memória, em geral, é aquilo que foi mais marcante, significante, importante para nós. É aquilo que, de muitos modos, por sua positividade ou por sua negatividade gerou em nós uma profunda experiência de alegria ou dor. Mas além dessa constatação no processo avaliativo da nossa história, somos chamados a analisar as nossas reações, como gerimos tudo, como nos posicionamos, como reagimos…

Em geral quanto maior tiver sido o exercício da nossa subjetividade, ou seja, quanto mais tivermos dispensado energias, mais marcante é a experiência de vida. Eis a importância da gestão dos eventos da nossa vida! Aliás, podemos afirmar que a qualidade da nossa existência depende da gestão dos eventos da nossa vida.

Ao final de mais um ano, cada um, é chamado a rever a planilha das suas alegrias e dores. E daí identificar o saldo das lições de vida! 

 

  1. O perigo do pessimismo

Muitas vezes, tendemos a ser pessimistas porque nos deixamos aprisionar mentalmente pelas experiências negativas e, dessa forma, só contabilizamos perdas, prejuízos, tristezas, males, fracassos. Isso pode acontecer quando caímos no aprisionamento mental; trata-se de uma experiência dramática porque deixa a pessoa impossibilitada de reconhecer o bem que acontece consigo e em seu contexto existencial, deixando-a paralítica e cega em relação ao futuro.

Foi exatamente isso que aconteceu com os israelitas no deserto liderados por Moisés, saindo da escravidão; certo ponto, eles perderam a positiva visão do passado, deixando as lutas do presente sem sentido e ficaram descrentes em relação ao futuro, por isso diziam a Moisés: “Não havia sepulcros no Egito, para nos tirar de lá, para que morramos neste deserto? Por que nos fizeste isto, fazendo–nos sair do Egito? Não é esta a palavra que te falamos no Egito, dizendo: Deixa–nos, que sirvamos aos egípcios? Pois que melhor nos fora servir aos egípcios, do que morrermos no deserto” (Ex 14,10-12).

Também podemos ser acometidos dessa incapacidade de perceber o bem em nós e em nossa família. A cegueira em relação ao bem nos leva, inevitavelmente, ao extremo do vazio interior, à ausência de perspectiva, miopia quanto à visão de futuro e pessimismo. Maria é a mulher que nos educa para uma visão otimista da história sem desconhecermos suas fragilidades (cf. Lc 1,46-55).

O profeta Isaías contemplou o povo do seu tempo sendo contaminado pelo vírus do pessimismo que gerava surdez e insensibilidade diante da voz de Deus nos acontecimentos: “Surdos, escutem; cegos, olhem e vejam! Quem é cego, senão o meu servo? Quem é surdo, senão o mensageiro que eu mandei? Você viu muitas coisas, e nada percebeu; abriu os ouvidos, e nada ouviu!” (Is 42,18-20).

O mal do pessimismo também pode promover em nós o mal da cegueira moral como incapacidade de percepção do bem e do novo que surge à nossa frente ou do qual fomos beneficiados: “Não fiquem lembrando o passado, não pensem nas coisas antigas; vejam que estou fazendo uma coisa nova: ela está brotando agora, e vocês não percebem?” (Is 43,18-19).

 

  1. O “alzheimer moral”

Se de um lado o pessimismo histórico pode poluir a nossa mente levando-nos a ver o mundo com lentes sombrias ou foscas, mesmo preservando o exercício da nossa subjetividade, devemos reconhecer outro mal humano ainda mais grave e profundo, que é o “alzheimer moral”; significa a perda da capacidade de discernimento, de posicionamento diante da realidade; é desorientação pessoal; inconsciência de si mesmo, da própria história e incapacidade de autoavaliar-se.

Quem convive com pessoas idosas acometidas do Alzheimer sabe o quanto isso é doloroso; é uma doença neurodegenerativa que afeta a memória, compromete o comportamento, as manifestações de afeto, a qualidade de relacionamento etc. Mas, o mais dramático são pessoas jovens portadoras do “alzheimer moral”, ou seja, que por falta de assimilação de virtudes perderam a memória do bem, da gratidão, da bondade, do discernimento, do equilíbrio, do respeito para com os outros, da justiça, da caridade…

O “alzheimer moral” leva as pessoas a serem ingratas, porque não agradecem benefícios recebidos, não reconhecem suas faltas, não pedem desculpas e nem perdão.

O final de mais um ano é, portanto, ocasião singular de manifestarmos nossa gratidão. É tempo de aguçar a memória e reconhecermos as mais variadas manifestações do carinho de Deus para conosco, seja em nível pessoal, familiar ou comunitário. É hora de olhar para o futuro e renovar a esperança, pois dias melhores virão!

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Porque tendemos a ser pessimistas?
  2. O que devemos cultivar para evitar o pessimismo?
  3. Como você entendeu a expressão “alzheimer moral” ?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2