por Vívian Marler / Assessora de Comunicação do Regional Norte 2 da CNBB
As Pastorais Sociais da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil, no Regional Norte 2 – CNBB N2, e movimentos sociais parceiros, realizaram nos dias 14 e 15 de maio o ‘Seminário em Defesa da Ecologia Integral contra os Agrotóxicos’. Durante a programação, a CPT regional Pará apresentou a publicação dos dados do caderno de Conflitos no Campo 2024, com recorte para a região da Amazônia e do Pará, onde o Pará encontra-se em 2º lugar no país em número de conflitos no campo.
Durante dois dias de escuta, partilha das estratégias propostas e compromissos firmados, o evento trouxe à tona informações alarmantes com relação aos conflitos no campo em 2024 (314), em todo o Brasil, em especial no estado do Pará onde este número aumentou 32% em relação ao ano de 2023 quando aconteceram 237 ocorrências. O estado também aparece em primeiro lugar nos conflitos pela água (65) ocorrências, destas (06) eram situações envolvendo contaminação por agrotóxicos, atingindo 438 famílias em diversos municípios do estado, com presença crescente em regiões como Marajó (Chaves), Baixo Amazonas (Mojuí dos Campos e Santarém) e Nordeste Paraense (Tailândia e Tomé-Açu). Uma realidade que contrasta com a propaganda governamental e empresarial de sede da conferência COP 30, a ser realizada em novembro em Belém do Pará.
Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá, e referencial da CPT Regional Norte 2, no Pará e Amapá, em seu discurso de abertura falou da comunhão de todos com Papa Leão IV que está ao lado dos sofredores, dos sem-terra, pelos homens e mulheres que sofrem por não ter um pedaço de terra, dos mártires da terra, das florestas, dos povos indígenas, de todas as pessoas que mais necessitam de nossa ajuda, dos povos das cidades e do campo, e que acreditam em Jesus Cristo, na sua palavra eterna de vida. E lembrou dos mártires “felizes os mansos porque herdarão a terra. A terra é dom de Deus porque ela foi criada para todas as pessoas. Nós carregamos a certeza da presença de Deus na vida das pessoas e dos povos em favor da terra e de uma terra sem males. Nós lembramos muitas pessoas que tombaram na caminhada, os mártires da terra, pela causa justa. O sangue dos mártires é semente de novos cristãos. Dizia Tertuliano, padre africano do terceiro século. Nós nos unimos a todas as pessoas que lutaram pela terra, pelo dom de Deus e hoje vivem no Reino dos céus. Nós nos unimos a todas as lideranças que vivem com a sua terra, e lutam pelo bem social da justiça e da caridade”, disse Dom Vital.
Para Francisco Alan Santos, coordenador do CPT no Regional Norte 2 no Pará e Amapá, o seminário mobilizou a sociedade “o seminário teve um papel muito importante, porque teve um viés de mobilização da sociedade civil a partir dos movimentos sociais e das pastorais sociais que compõem a própria CNBB. Foi uma forma de mostrarmos às comunidades um debate sobre a nossa realidade que não está em sintonia com o discurso que Papa Francisco realizou durante o ‘II Encontro Mundial dos Movimentos Populares’, na Bolívia em 2015 quando citou que “A Reforma Agrária é, além de uma necessidade política, uma obrigação moral”. A violência no campo e os agrotóxicos também são uma forma de violação que vem afetando anualmente as populações dos territórios”, disse o coordenador, que sensibilizou o público presente levando-os a uma discussão mais ampla colocando a importância que é a defesa do meio ambiente, da ecologia integral, mas também combatendo todas como elas são.
Após a apresentação da publicação com os dados do ‘Caderno Conflitos no Campo 2014’, distribuído a todos os participantes, um dos organizadores Lino João de Oliveira Neves do Conselho Indigenista Missionário – CIMI, apresentou o livro ‘Povos Indígenas livres/Isolados na Amazônia e Grande Chaco” que propõe uma abordagem ampla e diversa sobre o tema, com enfoque sul-americano, em um contexto de crescente ameaça à vida e ao futuro dos Povos Indígenas Livres.
“Metade do livro é destinado a dar uma visão geral sobre a existência dos povos indígenas isolados no mundo porque além da América do Sul, da Amazônia e do Chaco paraguaio, existem povos isolados também na Índia e na Polinésia e que formam um conjunto de cerca de 200, 205 povos isolados diferentes. Em uma análise mais aprofundada sobre a existência desses povos na América do Sul, assinalando as ameaças e as pressões que exercem sobre seus territórios e a respostas que os vários Estados nacionais dão a eles, a essa situação de ameaça e violência na proteção desses povos.
O livro, apresenta também, o que chamamos de marcos legais, conceituais de políticas públicas, assim como tambem apresenta uma análise crítica das políticas indigenistas no Brasil procurando indicar proposição, ações, sugestões, críticas de proteção aos territórios desses povos, fechando com uma análise de casos específicos e concretos de povos indígenas no Brasil, ameaçados pelo agronegócio”, contou Lino.
Juscelio Pantoja alertou sobre uma preocupação em sua apresentação quando questionou os presentes sobre o motivo que precisamos ficar em defesa da Ecologia Integral e conectar com cuidado “está havendo uma intervenção maldosa, onde tudo está sendo destruído. É uma intervenção maldosa que gera consequências gravíssimas, porém, o problema é que nós elegemos quem está sofrendo com a situação. E agora?”, alertou Juscelino.
Representantes de várias áreas territoriais, no Pará, apresentaram a realidade em Tomé Açu, comunidade Jatobá em Santarém, Cachoeira do Ariri, Alto Itacuruça em Abaetetuba, Salvaterra na Ilha do Marajó, como denuncia Raimunda Nonata do Quilombo Cocalinho em Parnarama, no Maranhão.
“As lutas da minha comunidade, não são lutas tão fáceis, é uma comunidade centenária, mas vem sofrendo as violências por parte do avanço do agronegócio, do capital. Cada dia que passa só aumentam as violências, não só na comunidade de Cocalinho, como nas demais comunidades. O mais preocupante é a contaminação por agrotóxico na nossa água, consumida diariamente para tomar banho, cozinhar e beber, já foram observados nove tipos de agrotóxico, que levam as pessoas a sofrerem com o impacto do veneno, levando-as ter problema de vista, surdez, coceira, e é um impacto muito grande que o agro traz para a comunidade. Vemos que há amorosidade do Estado para resolver essa questão nas comunidades. E isso é preocupante para nós que vivemos nessas áreas, porque cada dia que passa diminui a nossa alimentação, porque tem a mudança climática, tem a pulverização aérea, e essa pulverização diminui a nossa alimentação, porque o que a gente planta não produz da forma correta, porque eles usam os produtos químicos”, contou Nonata.
Leonora Rodrigues, coordenadora Executiva da CPT no Maranhão, levou ao seminário as experiências das lutas das comunidades articuladas na Teia de Povos e Comunidades Tradicionais do Maranhão, Moquibom, uma pesquisa territórios contaminados, um dossiê sobre agrotóxicos nas águas do Cerrado, a presença das Pastorais Sociais nessas realidades, a exemplo no combate aos agrotóxicos. “No Maranhão o capital com aliança do Estado segue avançando no campo, na fronteira agrícola com o programa do Matopiba, mineração e outros negócios, com projetos de infraestrutura para o garantir logísticas desses projetos que produzem mortes, com a concentração de terras, com as práticas de grilagem, desmatamentos usando tratores e correntoes, incêndios crimosos, ataques químicos com a pulverização aérea usando aviões e drones aumentando os conflitos fundiarios e socioambientais, destruindo os biomas cerrado e Amazônia, impactando a soberania alimentar, aumentando as violações de direitos humanos, da Natureza e dos direitos territórios. O Seminário em defesa da ecologia integral contra os agrotóxicos foi um encontro de lutadoras e lutadores muito potente com partilhas profundas, escutas atentas, denúncias, reflexões, leituras críticas das realidades, a feira Bem Viver, e anúncios das lutas e esperanças do povo da terra, das águas e das florestas“, disse a secretária.
No início do segundo dia foi feito lembrança a ‘Querida Amazônia’ do Papa Francisco, quando os participantes plantaram uma árvore em memória ao Papa falecido em 21 de abril passado.
Os danos socioambientais e na saúde humana causados pelos agrotóxicos e a apresentação dos resultados de pesquisa da região metropolitana de Santarém, foram apresentados por Carlos Mota Miranda, pesquisador em saúde pública do Instituto Evandro Chagas em Belém (PA).
Dom José Ionilton Lisboa, bispo da Prelazia do Marajó e Presidente do CPT Nacional, o seminário foi importante porque deixou a sociedade ciente e pronta para se unir a este combate. “A nível regional o CPT, no Pará, nos trouxe dados nacionais, mas também apresentou os dados da violência aqui no nosso regional, essa divulgação é muito importante para que a sociedade também se mobilize e nos ajude no enfrentamento das causas que geram essa violência no campo, como a exploração, a propagação do veneno através de drones e de aviões, que tem causado muito problema nas comunidades do nosso Regional Pará e, ao trazer o assunto para cá para debater sobre comunidades que são afetadas por esse problema e estão pedindo, gritando por socorro, nos faz discutir essa realidade e buscar caminhos para fazer a incidência política, para ver se conseguimos mudar a problemática da terra, água, trabalho escravo e a questão dos agrotóxicos”, disse o presidente do CPT Nacional.
O engenheiro Alan Tygel, membro da coordenação nacional da Campanha Permanente Contra os Agrotóxicos e Pela Vida destacou a partir dos dados do ‘Caderno de Conflitos da CPT para o ano de 2024’ o motivo do aumento dos casos de violência no campo relacionados ao uso de agrotóxicos, “quando foi registrado um aumento muito expressivo nos casos de conflitos por terra relacionados aos agrotóxicos, e que está ligado a esse avanço do agronegócio no Brasil, é importante apresentar esses dados, mostrando que hoje a área plantada de soja equivale a 6% de todo o território do Brasil e que no estado do Pará houve um aumento de mais de 15 vezes na plantação de soja nos últimos 20 anos, isso em meio aos lucros sempre crescentes das transnacionais dos agrotóxicos e também no volume de uso deste agrotóxico, que nesses mesmos 20 anos quase quadruplicou, e isso tudo com muito incentivo fiscal do Estado. Um ponto importante, também hoje no encontro, foi o de mostrar o site contra os agrotóxicos [ https://contraosagrotoxicos.org/como-denunciar/ ] que mostra um passo a passo de como fazer uma denúncia relacionada aos agrotóxicos em cada estado do Brasil, fazendo com que essas denúncias consigam cada vez mais dar coro, dar voz, dar peso para que a contaminação pelos agrotóxicos não se normalize, que não seja normal uma escola ser pulverizada, que não seja normal um fazendeiro pegar um drone e jogar veneno no seu vizinho porque quer expulsar ele dali. O agronegócio quer mesmo uma terra sem gente, então o que ele tem feito é usar os agrotóxicos como uma verdadeira arma química para a expulsão das comunidades do campo e para que ele possa cada vez mais ter controle e domínio sobre o território”, disse Tygel.
Para o educador do programa FASE-Amazônia que defende que a sustentabilidade socioambiental dos territórios está além da proteção dos recursos naturais, Samis Vieira, é preciso assumir um compromisso real para que a agroecologia seja preservada.
“Não podemos negligenciar o debate dos agrotóxicos na Amazônia apenas como um problema ambiental, mas precisamos qualificar o debate como um caso de saúde pública e violações de direitos humanos, pois as comunidades e povos tradicionais são os que sofrem o aprofundamento das desigualdades e injustiças sociais, ou seja, as famílias estão perdendo o poder de decidir sobre seu próprio território, seu jeito de viver, criar e plantar, pois estão cercados por ‘chuva de veneno’.
A luta contra os agrotóxicos tem diferentes dimensões, mas considero o campo da incidência política como um dos mais estratégico na atual conjuntura, pois precisamos cobrar do estado a responsabilização das empresas que fere diariamente a reprodução social das comunidades, bem pressionar o poder legislativo para implantação de Projetos de Lei (PL) que proíba a pulverização aérea nos municípios e no estado do Pará e isso só será capaz com pressão popular e articulação política, pois os agrotóxicos são venenos que matam e a nossa bandeira de luta é agroecologia”.
E em paralelo ao seminário, aconteceu nos pátios da sede da CNBB Norte 2, a ‘Feira do Bem Viver’ com produção Agroecológica e Economia Popular Solidária, com uma diversidade de Produtos dos Grupos Produtivos das comunidades tradicionais Quilombolas e Ribeirinhas, Assentamentos de Reforma Agraria, Produtores da Agricultura Familiar e Empreendimento Econômico Popular e Solidários. Foi um espaço de troca de saberes, sabores e comercialização de produtos agroecológicos, dentre outros, visando as estratégias de desenvolvimento territorial sustentável e solidário fundamentadas na organização coletiva em prol do bem viver a partir da discussão de defesa da Ecologia Integral contra os agrotóxicos.
Será apresentado, na próxima semana, a partir desses debates, partilhas, estratégias e perspectivas futuras entre os participantes, um documento com a conclusão do encontro, aos órgãos públicos órgãos de atuação, para que possam contribuir no enfrentamento da problemática, para tentar viabilizar a propositura da criação de um projeto de lei que viabilize melhorar ou criar menos impacto da pulverização de agrotóxicos sobre os territórios, sobre as comunidades, sobre as populações que estão perto das monoculturas, entre soja, milho dentre outros. Um trabalho a partir de uma rede integrada com os movimentos e as pastorais sociais da CNBB.
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