Depois de celebrar com a Igreja o mistério da Páscoa pessoal de cada cristão, na comemoração dos fiéis falecidos, queremos olhar para o alto, pondo em relevo o ideal maior da vida cristã. Para tanto, damos a palavra a São João Paulo II: “Não hesito em dizer que o horizonte para que deve tender todo o caminho pastoral é a santidade. É preciso redescobrir, em todo o seu valor programático, o capítulo V da Constituição Dogmática Lumen Gentium, intitulado ‘Vocação universal à santidade’. Professar a Igreja como santa significa apontar o seu rosto de Esposa de Cristo, que a amou, entregando-se por ela precisamente para a santificar (Cf. Ef 5,25-26). Este dom de santidade objetiva é oferecido a cada batizado. Mas, o dom gera, por sua vez, um dever, que há de moldar a existência cristã inteira: “Esta é a vontade de Deus: a vossa santificação” (1 Ts 4,3). É um compromisso que diz respeito aos cristãos de qualquer estado, chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição da caridade. Colocar a programação pastoral sob o signo da santidade é uma opção carregada de consequências. Significa a convicção de que, se o Batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contrassenso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: ‘Queres receber o Batismo?’ significa pedir-lhe: ‘Queres fazer-te santo?’ É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta medida alta da vida cristã ordinária: toda a vida da comunidade eclesial e das famílias cristãs deve apontar nesta direção. E os percursos da santidade são pessoais e exigem uma verdadeira pedagogia da santidade, capaz de se adaptar ao ritmo das pessoas; deverá integrar as riquezas da proposta lançada a todos com as formas tradicionais de ajuda pessoal e de grupo e as formas mais recentes oferecidas pelas associações e movimentos reconhecidos pela Igreja”. (Cf. Novo Millenio ineunte, 30-31)
Temos a coragem de unir-nos às palavras de São João Paulo II justamente num tempo extremamente difícil e desafiador. Nossa sociedade e nosso país se encontram fragmentados. Nasceram rusgas e inimizades, ofereceu-se espaço àquele que divide e separa, o tentador, fazendo-nos experimentar tantas dores, também como reflexo da situação global, que não é das melhores. Cabe-nos agora recolher os “cacos”, sabendo que só a graça do Senhor, com sua arte, tantas vezes inusitada, pode recolhê-los para fazer de novo um mosaico, com rosto de história de salvação. E só Deus pode e sabe realizar esta obra!
Na Solenidade de Todos os Santos, queremos apresentar a proposta da santidade. Numa visita pastoral, diante da pergunta sobre o que é ser santo, um menino de seis anos se saiu com uma resposta genial e inspirada: “ser santo é assim: na hora de rezar, a gente reza; na hora de estudar, a gente estuda; na hora de brincar, a gente brinca”. Receita de santidade, aprendamos com as crianças, é viver bem cada momento presente!
Ser santo significa buscar fontes de discernimento. Lá dentro de cada um de nós, ouvir “aquela voz”, a ação do Espírito Santo que sopra, indicando a vontade de Deus. Outra fonte é a Palavra de Deus lida, proclamada, ouvida, rezada e vivida. Podemos ainda buscar, para que atue em nós o dom do Conselho, justamente escutar os conselheiros, pessoas com as quais, através do amor recíproco, experimentamos a presença de Jesus em nosso meio. Deus que fala dentro de nós, Deus em sua Palavra e Deus no próximo que nos aconselha, com toda certeza nos oferecerá os rumos necessários às decisões a serem tomadas. Uma delas será a busca de laços de reconciliação, para sanar o tecido de nossas famílias, comunidades e de toda a sociedade.
Santidade pede discernimento da vontade de Deus para cada estado de vida e cada vocação. Santidade na vida de adolescentes e jovens pede discernimento, abertura ao chamado de Deus e ardor de vida cristã corajosa. Santidade no matrimônio pedirá vida conjugal íntegra, casta e fiel, fecundidade, presença da família na Comunidade de Igreja. Quem for chamado à vida religiosa e consagrada encontrará nos Conselhos Evangélicos de pobreza, castidade e obediência sua receita para a santidade. O padre se santificará no exercício da caridade pastoral, o diácono no espírito de serviço. Ao Bispo caberá de forma toda especial o discernimento dos carismas, para conduzir a Igreja que lhe é confiada. E como o Espírito Santo é pródigo nos dons que reparte na Igreja, as várias espiritualidades das Pastorais, Movimentos e Serviços trazem consigo um “vade-mécum” de atitudes e gestos, reconhecidos como aquilo que é próprio da contribuição oferecida à Igreja. Ninguém é menor ou maior! Todos nós somos chamados à perfeição da vida cristã.
Agora, mais ousadia! A santidade entra na vida dos profissionais, nos diversos campos de atividade. Um médico católico há de saber assumir procedimentos coerentes com a moral católica, um Advogado com opção cristã de vida não poderá comprometer-se com a mentira. No comércio, santidade significará lisura nos negócios, preços justos! Parece demais? Mas é a medida alta da vida cristã! Vamos além! Na Administração pública, como lembramos há poucos meses numa das tantas reflexões em vista dos tempos em que vivemos, será necessário escutar a palavra: “Senhor, quem pode entrar no Santuário pra te louvar? Quem tem as mãos limpas e o coração puro, quem não é vaidoso e sabe amar” (Cf. Sl 14). Podemos querer mais e imaginar, após os embates que assistimos nos últimos tempos, que santidade venha a significar para os políticos amar o partido dos outros como o próprio? O Evangelho tem força para chegar a este ponto!
Pode acontecer que tudo isso pareça um sonho irrealizável. No entanto, como ensinava e fazia cantar São Filipe Neri, “Prefiro o Paraíso”! Sim, quem não aponta para grandes ideais, e o maior é o Paraíso, não sai do lugar. Ponhamo-nos em marcha, levando em nosso alforge de peregrinos o Amor a Deus e ao Próximo. Para Deus, tudo é possível!