Sejamos bem-vindos a Jericó, uma das cidades mais antigas do mundo, que pode ser vista como um símbolo para nossa aventura de fé. No “Cerco de Jericó”, foi conquistada pelos hinos de um povo vindo do deserto, conduzido pela voz de Josué (Cf. Js 1,1-6,27). As informações davam conta de gigantes que habitavam na região! No entanto, o medo foi vencido! Ali habitava gente de toda qualidade. A porta foi aberta por nada menos do que uma prostituta, Raab! Durante a história, certamente algo como a fita escarlate foi dependurada na história de muitas pessoas que se deixaram envolver pela salvação que chegou para muitas “jericós” da vida.

Passado o Jordão, faz-se necessário tomar uma decisão: “Eu e minha casa serviremos o Senhor”, diz Josué (Js 24, 14-20). O povo que vem do deserto para a terra prometida deve escolher o Senhor! A história mostrará o quanto foram frágeis os compromissos assumidos, mas o Senhor, que “é Deus e não um homem” (Cf. Os 11,9), com amor gratuito e livre, sempre foi ao encontro de seu povo, com entranhas de misericórdia, mantendo-se fiel às promessas feitas àquele povo de cabeça dura!

Muito tempo depois, na Jericó das andanças de Jesus, havia um homem que tem o nome de cada um de nós, Zaqueu, baixinho, morador de Jericó, publicano, pecador público! Muitos problemas para a vida de uma pessoa! E lá na baixada de Jericó, na vizinhança do paganismo, uma cidade uma vez votada à destruição, com ruínas em seu entorno até os dias de hoje, este homem procurava Deus! Talvez nem soubesse bem o que incomodava seu coração, mas procurava! Em sua história estão todas as muitas histórias, nas quais também os nossos problemas se encaixam.

Vivemos neste mundo, com tantos e crescentes desafios. Numa oração do Angelus, do dia 3 de novembro de 2013, o Papa Francisco assim introduziu-nos em Jericó: “Em Jericó, acontece um dos eventos mais alegres narrados por São Lucas, a conversão de Zaqueu. Este homem é uma ovelha perdida, é desprezado, é um ‘excomungado’, porque é um publicano, é o chefe dos cobradores de impostos da cidade, amigo dos ocupantes romanos, ladrão e explorador. Impedido de aproximar-se de Jesus, provavelmente por motivo de sua má fama, e sendo baixo de estatura, Zaqueu sobe em uma árvore para ver o Mestre que passa. Este gesto, um pouco ridículo, exprime, porém, o ato interior do homem que procura colocar-se sobre a multidão para ter um contato com Jesus. O próprio Zaqueu não sabe o sentido profundo de seu gesto, mas o faz; nem sequer ousa esperar que possa ser superada a distância que o separa do Senhor; conforma-se em vê-lo somente de passagem. Mas Jesus, quando chega perto daquela árvore, chama-o pelo nome: ‘Zaqueu, desce depressa, porque é preciso que eu fique hoje em tua casa’. Aquele homem baixo de estatura, rejeitado por todos e distante de Jesus é como perdido no anonimato; mas Jesus o chama, e aquele nome, Zaqueu, naquelas línguas daquele tempo, tem um belo significado cheio de alusões: ‘Zaqueu’ quer dizer ‘Deus recorda’. E Jesus vai àquela casa de Zaqueu, suscitando as críticas do povo de Jericó. Porque também naquele tempo se fofocava muito, não é? E o povo dizia: ‘Mas como? Com tantas boas pessoas que há na cidade, vai hospedar-se justamente na casa de um publicano?’ Sim, porque ele estava perdido; e Jesus diz: ‘Hoje entrou a salvação nesta casa, porquanto também este é filho de Abraão’. Na casa de Zaqueu entrou a alegria, entrou a paz, entrou a salvação, entrou Jesus. Não existe profissão ou condição social, não há pecado ou crime de qualquer gênero que possa cancelar da memória e do coração de Deus um filho sequer. Deus recorda sempre, não esquece nenhum daqueles que criou. Ele é Pai, sempre à espera vigilante e amorosa de ver renascer no coração do filho o desejo de retornar à casa. Olhemos para Zaqueu hoje na árvore: é ridículo, mas é um gesto de salvação. E eu digo a você: se você tem um peso na consciência, se você tem vergonha de tantas coisas que cometeu, pare um pouco, não se desespere, pense naquele que o espera, porque nunca deixou de se lembrar de você, de pensar em você. E este é o seu Pai, é Deus. É Jesus que o espera! Suba, como fez Zaqueu; suba na árvore da vontade de ser perdoado. Eu lhe asseguro que não se decepcionará. Jesus é misericordioso e nunca se cansa de perdoar. Assim é Jesus. Deixemo-nos também nós sermos chamados pelo nome por Jesus! No fundo do coração, escutemos a sua voz que nos diz: ‘Hoje devo ficar em sua casa; eu quero ficar na sua casa e no seu coração’, isso é, na sua vida. E vamos acolhê-lo com alegria! Ele pode mudar-nos, pode transformar o nosso coração de pedra em coração de carne, pode livrar-nos do egoísmo e fazer da nossa vida um dom de amor. Jesus pode fazê-lo. Deixe-se olhar por Jesus”.

Queremos acolher juntos a visita do Senhor na Jericó de nosso coração, certos de que muralhas cairão pela força da misericórdia. Em Jericó, as multidões acorriam a Jesus, as estradas estão repletas de gente. Eram muitas as carências das pessoas! Muitas delas traziam a carga de seus próprios defeitos e pecados. Vale a pena pensar em todas as estradas percorridas em nossa vida, inclusive os eventuais caminhos escusos por onde passamos, vielas das quais não queremos lembrar! Deus se lembra delas, mas com amor. O Senhor veio, como companheiro seguro, participar conosco de todas as viagens. Ele está sempre perto, mesmo quando desejamos o anonimato diante sua presença, ou quando nos escondemos mesmo. É que nos agrada a multidão, perder-nos no meio de tanta gente, ainda que conduzidos, com grande frequência, pelo desejo de chamar a atenção. Deixemo-nos conduzir no meio da multidão dos homens e mulheres de todas as gerações que buscaram Jesus. Joguemos fora o acanhamento por sermos reconhecidos como pecadores.

Talvez as pessoas que vivem em nossas cidades nem subam em árvores para ver Jesus! Mas as procissões religiosas, como nosso Círio, os eventos sociais e políticos, as grandes movimentações de massa, os protestos, tudo faz as janelas e as sacadas de casas ou apartamentos se abrirem. As manifestações que têm sacudido periodicamente nosso país indicam que não basta ter o nível de consumo a que chegamos para ser felizes. Ainda quando não sabemos quais são as verdadeiras bandeiras existentes em tantas manifestações, lá dentro do coração humano existe uma sede de valores consistentes, sede de verdade e dignidade. Maior do que todas, há aí dentro uma imensa sede de eternidade. Não fomos feitos para rastejar no barro da vida, mas feitos para as alturas. Que bom saber que o Senhor enxerga dentro do coração das pessoas e identifica o desejo da verdade, a sinceridade de quem quer aprender, a verdadeira sede de Deus. Que bom saber que existe muita gente que não está longe do Reino de Deus!

Entretanto, olhando ao nosso redor, será possível identificar tantas pessoas cuja vida nos assusta, por não conseguirmos entender como chegaram tão baixo na prática da maldade e mesmo da iniquidade. A banalização da vida chega a níveis estarrecedores. A insensibilidade crescente anestesia as pessoas, fazendo-as capazes de assistir cenas de crimes e de violência que beiram a barbárie com incrível frieza. E nós também somos feitos do mesmo barro que os outros e não podemos orgulhar-nos de ser mais perfeitos. Também em nosso peito bate um coração capaz do melhor e do pior. Por outro lado, há muitas surpresas reservadas para quem quer caminhar para Deus e não despreza os outros. De onde menos se espera, vem mais o bem do que o mal! Fatos maravilhosos de recuperação da história de muitas pessoas reacendem a esperança.

Voltemos a Zaqueu. O que mudou em sua vida? A Salvação chegou, o perdão se realizou! Daí nasce um novo relacionamento com a sua história, já que tudo concorre para o bem dos que amam a Deus. As pessoas às quais fez algum mal, agora são irmãs e irmãos. Sua família certamente recebeu os frutos da presença de Jesus. A casa não era só de Zaqueu! Sua profissão, antes eivada de corrupção, será exercida de uma forma diferente. Os habitantes de Jericó terão encontrado um homem novo. Homem novo, Salvação, Vida Nova!