por Dom Pedro Jose Conti
Bispo da Diocese de Macapá
Talvez lembramos o caso da mosca que caiu no copo de leite e que, de tanto se mexer, conseguiu engrossá-lo e assim sair daquela perigosa situação. Novamente aquela mosca caiu num copo cheio de liquido. Tinha firme certeza que, com o seu agitar-se, tudo seria resolvido. Só que desta vez aquele líquido não engrossava. Outra mosca viu o desespero dela e se ofereceu para ajudar. Disse para a colega: – Tem um canudo ali. Nada até ele e suba! Mas a tal de mosca estava tão convencida que o leite ia se transformar em manteiga que não aceitou o socorro. Debateu-se por muito tempo. Suas energias se esgotaram e ela acabou afundando. Não percebeu que a situação era diferente e que desta vez o líquido não era leite. Era suco.
Com o 9º Domingo do Tempo Comum voltamos à leitura do evangelho de Marcos. Teremos a possibilidade de acompanhar a sua catequese lembrando que o objetivo de todos os evangelhos, também se por caminhos diferentes, é sempre o anúncio de “Jesus Cristo Filho de Deus” (Mc1,1). Se acolhemos a “boa notícia” dele, a nossa resposta deve ser a fé e o seguimento como discípulos-missionários. Tudo isso exige escolhas. É neste sentido que o evangelista Marcos nos apresenta algumas das “disputas” de Jesus com os seus adversários que bem cedo começam a tramar “como haveriam de mata-lo” (Mc 3,6).
Como era de se esperar o primeiro grande embate entre Jesus e os fariseus acontece sobre a questão do sábado. De um lado temos pessoas religiosas que cobram a observância rigorosa de um preceito extremamente importante para os judeus e do outro lado gente com fome que arranca espigas de trigo para comer e um homem doente sentado num canto da sinagoga. A lei do sábado obrigava ao descanso para que o povo pudesse reunir-se, ouvir a Palavra, louvar e agradecer a Deus pelas dádivas recebidas. O respeito da lei do sábado fazia que os judeus se distinguissem dos outros povos e, ao mesmo tempo, os confirmava na própria identidade de povo eleito. Era uma lei que devia ser respeitada pelo alto valor social – o repouso – e religioso – a gratidão pela eleição. No entanto, no tempo de Jesus, muitos detalhes para o cumprimento desta lei a tinham tornado quase impraticável para muitos, sobretudo para os mais pobres e as pessoas com alguma deficiência. Jesus não discute o valor da lei em si, mas lembra aos fariseus que ela existia para confirmar a dignidade do ser humano e não para humilhá-lo quando, por causa da fome, alguém era obrigado a algum trabalho no dia de sábado. Quando Jesus pergunta se naquele dia era “permitido” fazer o bem ou fazer o mal, ele está, simplesmente, colocando acima da lei do sábado a solidariedade com os irmãos sofredores e marginalizados. Ele fica “triste” pela insensibilidade dos fariseus e partidários de Herodes com o homem aleijado. Colocando-o no meio e curando-o fica claro que Jesus prefere desobedecer a lei do sábado e enfrentar as consequências que fechar o seu coração em nome de uma lei que, nesta altura, seria desumana.
Como veremos também nos evangelhos dos próximos domingos. Jesus é uma pessoa livre que não pauta o seu agir conforme regras pré-estabelecidas sociais ou religiosas e nem para ganhar prestigio ou criar inúteis inimizades. Ele olha o ser humano na sua condição de fragilidade e, com isso, revela um Deus que ama a todos a começar pelos mais fracos e necessitados. Ele não louva os observantes rigorosos da lei. Ao contrário quer ajuda-los a se libertar, por sua vez, daquelas amarras que os prendiam e que os faziam ser insensíveis aos sofrimentos alheio. Só alguém livre, pode libertar, porque consegue ver e propor caminhos novos. Ao contrário, quem se achava – e ainda hoje se acha – “perfeito” no seu entendimento e na obediência a um Deus que mais fiscaliza do que ama, acaba fechado em seu próprio orgulhoso rigor. Devemos duvidar de leis e normas que acomodam a nossa consciência, mas talvez nos impeçam de amar e de fazer o bem a quem está precisando. Jesus vem em nosso socorro, quer nos salvar da dureza do nosso coração. Ele sempre nos ensina a obedecer à lei do amor.