Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Introdução

Sem a consciência da necessidade da organização, o líder facilmente se perde, se desgasta, se estressa, desanima ou obtém escarsos resultados dos seus trabalhos. O serviço de liderança das pessoas demanda programação pessoal. Sem mentalidade organizativa com todas as suas consequências, facilmente a liderança se enfraquece. Por isso, o líder precisa, onde quer que esteja, crescer não só na sensibilidade estratégica, mas também na mentalidade organizativa, ou seja, ter senso de disciplina pessoal, ordem, saber planejar-se, organizar-se, programar-se concretamente.

Sim, é verdade que há pessoas que são líderes portadores de grandes talentos como a habilidade das relações humanas, mas se não for capaz de planejamento pessoal e organização das suas responsabilidades, torna-se eneficiente e, assim, não obtém resultados almejados. Quantas vezes já encontramos críticas sobre líderes, como esta: “fulando é um líder maravilhoso, é bom para motivar, animar as pessoas, tem boas ideias, mas não tem capacidade organizativa!” Reflitamos, pois, sobre a importância da mentalidade organizativa e da cultura projetual no serviço de liderança.

 

  1. Liderança inteligente e organização

A nossa dimensão intelectual abraça a totalidade das outras dimensões. Somos inteligentes! A inteligência é um dos mais nobres recursos naturais que temos e esta está a serviço de todo o dinamismo do comportamento humano. Recorremos à inteligência para nos organizarmos, para discernir o que é bom, gerir as nossas relações interpessoais, buscar soluções para os problemas, liderar pessoas e acompanhar processos etc.

Sem a aplicabilidade da inteligência não seríamos capazes de ter visão de ordem, estética, medida, qualidade, tempo, metas, prioridades, e nem de avaliar resultados dos nossos investimentos e esforços. Sem liderança inteligente, não há mentalidade organizativa. Sem a intervenção da inteligência estamos a mercê da nossa impulsividade, emoções, circunstâncias, rotina viciada do cotidiano. Liderar pressupõe fazer caminho, promover dinamismos, estimular o progresso… Portanto, a liderança inteligente requer senso de organização. Um líder atrapalhado, causa problemas e promove retrocessos.

Por sua própria natureza, a liderança inteligente é sempre positiva porque está a serviço da promoção do bem  dos liderados e, por isso, é orientada pela ética, senso de justiça, disciplina, hierarquia, bondade dos meios e harmonia de processos consequentes. Quando a inteligência está a serviço da liderança, a preserva de muitos males como a perda da ordem das coisas, da confusão entre necessidades e desejos, dos prejuízos financeiros, da indisciplina das pessoas envolvidas, dos conflitos interpessoais desgastantes, de falta de conexão, ineficiência etc. Bons resultados não surgem de uma péssima organização.

 

  1. No serviço de liderança nada é mágico

Quando pensamos em sujeitos livres e responsáveis, logo devemos admitir que no serviço de liderança não há mágicas, resultados imediatos, crescimento instantâneo, adesão pronta das pessoas. Liderar pressupõe ideais, horizontes, paciência, processo, motivação, espera, discernimento, decisões! Liderar pessoas não é como conduzir manada!

O líder inteligente deve ter consciência da necessidade do uso dos melhores meios possíveis, que estão ao seu alcance. Em vista de alcançar bons resultados o primeiro o investimento é a formação dos liderados para que possam adquirir uma mentalidade organizativa. Para isso é preciso não somente oferecer conteúdo às pessoas lideradas, mas também levá-las a fazer experiências enriquecedoras estimulando-as ao desenvolvimento de uma mentalidade sensível, aberta, proativa, capaz de visão orgânica dos esforços.

O bom líder não deve ficar contente com a abundância de mão de obra. Deve exultar com pessoas disponíveis, sensíveis e capazes também de liderar. Infelizmente, líderes sem visão de futuro e centralizadores gostam de manter pessoas submissas e passivas. Mas já que na Igreja a finalidade de todos os níveis de liderança é a promoção do Reino de Deus, Jesus nos alerta: “entre vocês não deve ser assim! (cf. Mt 20,28).

Quando afirmamos que o serviço de liderança não é mágico significa que nem tudo depende da vontade do líder, mas exige o envolvimento de um vasto universo de fatores como a subjetividade dos liderados, a necessidade da clareza de objetivos, a motivação das pessoas envolvidas, a definição de competências, a manutenção das  relações interpessoais entre os liderados, a atenção aos processos necessários, a sensibilidade para com os contextos e circunstâncias, o uso adequado de recursos técnicos, a organização de referências fundamentais como princípios, valores, diretrizes, planos, programas, projetos, reuniões (com pautas claras), agenda, horário de atividades, gestão criativa e participativa.

A pastoral, por ser algo muito importante precisa ser orgânica e sistematizada. A ação pastoral da Igreja faz parte de um grande projeto divino: a salvação da humanidade. Isso é dom de Deus, mas ao mesmo tempo é uma responsabilidade que Jesus Cristo delegou aos seus discípulos. É uma séria missão, por isso deve ser estrategicamente pensada, discernida, planejada, projetada, programada, acompanhada, avaliada continuamente.

A eficácia pastoral depende do Espírito Santo que trabalha no coração das pessoas, mas devemos fazer a nossa parte da melhor maneira possível, com eficiência. Paulo plantou, Apolo regou; mas Deus fazia tudo crescer; cada um receberá a sua recompensa, segundo o seu trabalho, porque nós somos cooperadores de Deus (cf. 1Cor 3,4-9).

 

  1. A mente organizadora de Deus

Na Bíblia encontramos muitas referências sobre projeto e organização; nessas narrações podemos perceber que as coisas de Deus são projetadas. A primeira referência é a narração da criação do universo, como um grande projeto orgânico; cada realidade surge a seu tempo (por etapas: noite e dia); tudo está conectado e Deus avalia sua obra (cf. Gn 1,1-31); em Noé Deus também se apresenta com sensibilidade projetual e organizativa desejando salvar a humanidade através da construção de uma arca; nesse empreendimento há envolvimento, participação coletiva, liderança, trabalho, suor (cf. Gn 6-8). Outro caso de clara visão projetual está na história de Abraão: Deus lhe convoca para ser pai de um grande povo; Abraão acreditou e partiu com tudo o que tinha (cf. Gn 12,1-12); na realização dessa missão há fé, desapego, saída, disposição ao sacrifício.

Recordemos ainda o grande projeto libertário do qual Moisés foi chamado a participar (cf. Ex 1-3). O plano divino devia continuar e Josué foi chamado a ser seu continuador! (cf. Dt 31,1-9). Na pessoa dos profetas, enviados por Deus, encontramos outra importante ideia: Deus dá manutenção aos seus projetos através de pessoas, de líderes sensíveis, movidos por seu Espírito; por isso o Deus que chama, é o mesmo que forma, envia, acompanha, inspira, fortalece, renova e lhe dá as condições necessárias!

No Novo Testamento, com a pessoa de Jesus Cristo, o plano de Salvação se realiza mediante um projeto de amor que passa pelo sacrifício (cf. Jo 3,16-17). Jesus Cristo declarou ter assumido um projeto libertário, exigente, transformador (cf. Lc 4,18-19). Na realização do Projeto de Deus Pai, seu Filho Jesus Cristo não trabalhou sozinho, mas começou convocando colaboradores e fazendo-lhes recomendações  (cf. Mt 10,1-11; Mc 3,13-19; Lc 6,12-16). Jesus Cristo é aquele que realiza tudo conforme o projeto do Pai (cf. Ef 1,1-12; 3,23). Na mente organizativa de Deus cada coisa acontece no seu devido tempo (cf. Gl 4,4-5). Todo projeto humano para ser duradouro precisa de sólidos fundamentos, caso contrário, quando vêm as dificuldades tudo se desmorona (cf. Mt 7,24-27).

No deserto Jesus manifestou sua sensibilidade organizativa: contemplou a realidade, acolheu recursos do povo, pediu que o povo se sentasse em grupos, orou, delegou a distribuição dos pães e dos peixes (cf.Mc 6,34-44); Jesus quis que preparassem tudo para a celebração da páscoa (cf. Lc 22,8); enfim, numa de suas parábolas, Jesus fala da importância da visão das necessidades para se levar em frente um projeto e ser bem concluído (cf. Lc 14,28-30).

Essas referências nos dizem que todo líder na Igreja é chamado a se esforçar para superar males causadores de prejuízos, que geram ineficiência e contribuem para a ineficácia (escarsos resultados) na vida pastoral das paróquias, comunidades, grupos, movimentos, pastorais etc. Tais males são, por exemplo, a improvisação, o espontaneísmo, a rotina viciada, o personalismo, a negligência, o comodismo, conformismo. Onde há mentalidade organazativa e cultura projetual não há espaço para esses problemas.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que podemos fazer para crescer na mentalidade organizativa na liderança?
  2. Você já trabalhou com um líder desorganizado? Como foi a sua experiência?
  3. O que pode dificultar o crescimento da nossa mentalidade organizativa?