
por Carlos Augusto Pantoja Ramos / Engenheiro Florestal
divulgação CPT Nacional / ‘adiar o fim do mundo’ | Vozes da terra na COP30
A COP 30, realizada em Belém, Pará, Brasil, no mês de novembro de 2025, mostrou ao mundo de maneira descortinada as contradições que os Países-Partes tentavam esconder nas últimas conferências. Se antes pareciam ser incomodantes os resultados das COPs do Egito, de Dubai e Baku, em Belém foram apresentados nitidamente ao grande público que as macros decisões para diminuir os efeitos das mudanças climáticas e para o fim do uso de combustíveis fósseis teriam que superar o posicionamento protecionista dos países europeus e dos países árabes produtores de petróleo, alimentado possivelmente pela influência dos EUA.
A não menção do termo “fim dos combustíveis fósseis” no relatório final da COP 30 é prova de que existe um perigoso negacionismo institucionalizado que atrasa os caminhos da Humanidade em busca de soluções para nossa crise climática. Enquanto isso, acionistas ficam cada vez mais ricos, sheiks aumentam seus poderes ditatoriais em seus países, novas frentes de conflitos bélicos emergem ligadas à exploração de petróleo e as pessoas mais vulneráveis socialmente no planeta tem que enfrentar tormentos cada vez maiores advindos das cheias, secas, incêndios, calor e frio mais e mais intensos.
Em meio às inconsequências de não admitir o fim dos combustíveis fósseis na COP 30, circulava entre palestras, defesas e denúncias, os chamados mercados de carbono, estratégia fortalecida pelo artigo 6º do Acordo de Paris (2015) para que países e empresas pudessem compensar suas emissões de gases de efeito estufa, principalmente de dióxido de carbono (CO2), por meio de um sistema de compra e venda de créditos de carbono. Em espaços tão distintos na cidade de Belém ocorridos no mês de novembro, é possível descrever os debates em diferentes atos que muitas vezes foram simultâneos e podem nos ajudar a entender as batalhas dialéticas sobre tais mercados e como isso pode afetar os países do sul global, sobretudo aqueles que possuem florestas tropicais em seus territórios.
ATO 1: O Fórum de Negócios e Finanças da COP 30
No dia 4 de novembro, o coordenador-geral de Finanças Sustentáveis da Secretaria de Política Econômica do Ministério da Fazenda (SPE/MF), participou do evento “Fórum de Negócios e Finanças da COP 30”, realizado na cidade de São Paulo e promovido pela Bloomberg Philanthropies, braço social da empresa de mesmo nome de alcance global para geração de informações financeiras e notícias do mercado financeiro. O representante do governo federal na oportunidade anunciou a iniciativa brasileira de implantar a Coalizão Aberta para Mercados Regulados de Carbono, que seria lançada durante a COP 30, na tentativa de se estabelecer a cooperação entre países para precificação de carbono e criar condições para aumentar a ambição das metas de descarbonização do Acordo de Paris. Também apresentou a Lei 15.042 que criou o Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões, para estímulo dos negócios que estão surgindo sobre descarbonização. No dia 5 de novembro, a mineradora Vale, patrocinadora da COP30, foi denunciada de comprar créditos de carbono de área na Amazônia acusada de irregularidades no manejo madeireiro.
ATO 2: Coalizão mundial de mercados de carbono proposta pelo Brasil tem adesão de 11 países
A Cúpula do Clima de Belém, evento que antecedeu o período oficial da COP 30, iniciou seus trabalhos em 7 de novembro. O texto da Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono, proposta pelo Brasil, teve a adesão de 11 países: Brasil, China, União Europeia, Reino Unido, Canadá, Chile, Alemanha, México, Armênia, Zâmbia e França. O principal objetivo da coalizão é a troca de experiências sobre sistemas de Monitoramento, Relato e Verificação (MRV), metodologias de contabilidade de carbono e regras relativas ao uso potencial de créditos de alta integridade.
Apesar das maiores críticas aos mercados regulados de carbono estarem relacionadas ao não atendimento da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre os direitos de povos e comunidades tradicionais, o texto da Coalizão Aberta de Mercados Regulados de Carbono não faz menção às palavras “povo”, “comunidade” e “direitos”.
ATO 3: um desabafo de países da África
Com acesso à Zona Azul da COP, fui participar de uma das inúmeras conferências sobre o artigo 6º do Acordo de Paris no dia 12 de novembro. Entre as falas que presenciei, marcou-me a análise do representante do Grupo de Países Africanos: “para nós, africanos, os mercados de carbono são instrumento em que somente os países e empresas do norte global ganham”1.
Os países africanos durante a COP 30 lideraram a avaliação de que a adoção de indicadores de adaptação pelos países não deve ser usada como condição para o recebimento de financiamentos. Aliás, nesse sentido, houve pouco avanço na responsabilização dos maiores emissores históricos de gases de efeito estufa, no caso os países do Norte Global, nem foram encaminhadas metas claras de aporte financeiro por parte destes. Apesar disso, foi um marco na história das COPs o destaque recebido do tema racismo ambiental, que alerta para as desigualdades de impactos das mudanças do clima em relação às pessoas negras, povos indígenas e comunidades tradicionais.
ATO 4: o Tribunal dos Povos julgando os mercados de carbono
Nos dias 13 e 14 de novembro, na sede do Ministério Público Federal, um evento de grande força humanística foi realizada: o Tribunal dos Povos contra o Ecogenocídio, movimento que reuniu lideranças populares, movimentos sociais e defensores ambientais do Brasil e de outros países em denúncia às formas de violência, destruição e injustiça ambiental que atingem os territórios de povos e comunidades tradicionais. Nesse encontro, 21 casos foram selecionados para receberem o julgamento simbólico da sociedade civil por suas falsas soluções climáticas, geração de violência no campo, impactos ambientais e sociais por parte de grandes empreendimentos e infraestrutura.
Os contratos abusivos de venda de créditos de carbono feitos por empresas multinacionais com comunidades tradicionais no Marajó/PA foi um dos casos analisados pelo júri do Tribunal do Povo. Verificou-se que existem projetos de carbono articulados há pelo menos 15 anos e que somam 714.085 hectares abrangendo principalmente florestas públicas. Tais contratos cobrem desta maneira 28% de Portel e equivalem a uma área maior que Melgaço, município vizinho de 677 mil hectares.
As lideranças comunitárias e pesquisadores que apresentaram o caso expuseram como a maior certificadora de créditos de carbono do mundo, a certificadora Verra, tem sido negligente em validar ações de empresas que causam conflitos não somente no Marajó, mas em várias localidades espalhadas em países como Zimbabwe, Quênia, Peru, Malásia, Indonésia, Brasil etc.
ATO 5: a adesão do setor privado ao mercado jurisdicional de carbono (Redd jurisdicional) do governo do estado do Pará
No dia 13 de novembro, houve ato simbólico de apoio do setor privado ao sistema jurisdicional de créditos de carbono (JREDD) do governo do Pará, realizado no Pavilhão do Consórcio Amazônia Legal, na Blue Zone da COP 30, onde só entrariam pessoas credenciadas. O evento contou com a presença de representantes de grandes empresas nacionais e corporações internacionais, que assinaram manifesto de adesão à iniciativa. Entre as empresas que aderiram ao mercado público-privado de carbono do governo paraense estão Banco do Brasil, Bayer, Bradesco, Dow, Itaú Unibanco, Itaúsa, Marfrig, Nestlé, Race to Belém, Silvânia e Vale.
No mesmo dia, a organização Terra de Direitos lança o documento Sistema Jurisdicional de REDD+ no Estado do Pará viola direitos de povos e comunidades tradicionais. A principal denúncia está no fato de que o controle estatal trata as florestas paraenses e seus territórios tradicionais como um novo tipo de negócio, ativos financeiros para alimentar o mercado financeiro. Além disso, a Terra de Direitos aponta as graves violações de direitos no processo de construção do sistema, em especial a violação do direito à Consulta Livre, Prévia, Informada e de Boa-fé, previsto na Convenção nº 169 da OIT. Importante também ressaltar a criação da Companhia de Ativos Ambientais e Participações do Pará Sociedade Anônima (CAAPP) como a ponte entre estado e setor privado que pode configurar-se em uma gradual privatização de florestas do Pará. A CAAPP S/A é empresa público-privada que irá gerenciar os recursos dos pagamentos feitos, com possibilidade de pagamento a acionistas da companhia.
ATO 6: o TFFF, confuso e duvidoso
Durante a Cúpula do Clima de Belém, no dia 6 de novembro, foi oficialmente lançado o Fundo Florestas Tropicais para Sempre (TFFF, na sigla em inglês), cuja declaração foi assinado por 53 países na tentativa de gerar colaboração global “por meio de um mecanismo de financiamento misto que mobiliza capital público e privado e que, de forma baseada em resultados, destina fundos à conservação e ao uso sustentável das florestas tropicais”.
Segundo os formuladores do TFFF, a ideia é proteger mais de 1 bilhão de hectares de florestas tropicais em mais de 70 países em desenvolvimento. Os pagamentos aos países seriam baseados em dados de monitoramento da cobertura florestal de forma transparente e de baixo custo. O desenho do TFFF foi liderado pelo Brasil em parceria com República Democrática do Congo, Gana, Malásia, Indonésia, Colômbia, Reino Unido, Alemanha, Noruega, França, Emirados Árabes Unidos, com contribuições até de Povos Indígenas e Comunidades Locais. Uma das premissas do TFFF é a destinação obrigatória de pelo menos 20% dos pagamentos para Povos Indígenas e Comunidades Locais, cujos recursos não poderão advir de atividades relacionadas a carvão, turfa, petróleo ou gás.
As críticas ao desenho feito do TFFF vão no sentido de se consagrar a financeirização da natureza sobre as florestas tropicais. Para o Movimento dos Sem-Terra, por exemplo, diferentemente dos mercados de carbono que tornam especificamente o carbono como um ativo financeiro, o TFFF empurraria todas as florestas tropicais e seus serviços ecossistêmicos aos mercados de capitais. Já para o Movimento Mundial pelas Florestas Tropicais (sigla WRM em inglês), o mecanismo esconde a verdadeira gestão a ocorrer: onde o coração financeiro de toda a ideia não ser o TFFF, mas sim cabendo ao Fundo de Investimento em Florestas Tropicais (TFIF) o papel de arrecadar o dinheiro e tomar as principais decisões por meio de seu conselho, nomeado pelos países do Norte Global. Chama a atenção do próprio TFFF não ter personagem jurídica independente, cabendo a sua administração possivelmente ao Banco Mundial, uma instituição global financeira liderada hegemonicamente por homens brancos estadunidenses como assim aponta matéria do Joio e o Trigo.
É importante informar que o TFFF e o TFIF são instrumentos de renda fixa, onde os investidores que levantarão os 125 bilhões de dólares necessários para o fundo funcionar vem de origem pública, de governos de países, e privados, de empresas e gestoras de ativos. A lógica é pagar primeiramente tais investidores, seguido dos custos de administração, e o que sobrar dos pagamentos dos primeiros atores, serem destinados para remunerar países com floresta. Na destinação aos países com florestas tropicais, serão pagos U$4 por hectare de floresta e destes, 20% (0,80 centavos de dólar) para povos e comunidades tradicionais. O rendimento anual esperado pelo TFFF para apoiar as florestas tropicais no mundo é de 3,4 bilhões de dólares.
O problema é na estrutura do TFFF/TFIF, na qual todo um país pode ser penalizado, caso alguns locais (estados, por exemplo) descumpram as regras. Dessa forma, mesmo que todos os povos indígenas consigam manter seus territórios livres de desmatamento em um determinado ano de monitoramento, se o desmatamento em outras áreas da Amazônia se apresente superior ao limite dado para a totalidade das áreas com floresta, os povos da floresta ficariam sem receber valores previstos para o período. São regras dadas pelos gestores do conselho do TFIF e Banco Mundial, ou seja, do velho novo colonialismo do Norte Global.
No dia 11 de novembro, ao participar de uma oficina sobre o TFFF na zona azul, escutei de uma palestrante a seguinte questão: a implementação do novo fundo de investimento para florestas, o TFFF, não poderia causar no Brasil, o derretimento de outros fundos públicos soberanos como o Fundo Amazônia? Troca-se o público pelo público-privado? Na mesma palestra, pedi a palavra para fazer uma pergunta em minha língua natal e questionar: sendo o Banco Mundial uma instituição com histórico de endividar países do Sul Global, qual a garantia que não estaremos em uma nova fase de ciladas econômicas?
Os palestrantes nada disseram a este respeito.
ATO 7: esperançar sempre, ter criatividade para um outro mundo possível
Nos eventos em que participei na COP 30, compreendi que a mobilização das pessoas e a organização social deve ser a ferramenta de transformação do mundo que conhecemos para outro superado do Capitaloceno, a era do Capital que nos últimos 200 anos nos trouxe à crise climática que vivenciamos.
O Ministério Público Federal e a Defensoria Pública do Estado do Pará moviam-se para apresentar suas análises nas palestras da zonas verde e azul; no dia 21 de novembro, seria lançada a Nota técnica sobre REDD e compensação de carbono florestal, que assim conclui que:
- O sistema REDD é ineficaz: especialistas dizem que a maioria desses projetos de carbono são “essencialmente inúteis”. Eles não resolvem o problema do clima porque permitem que o poluidor continue poluindo;
- É uma ameaça: estudos mostram que os projetos de carbono têm criado uma frente de ameaças à segurança da terra e aos territórios tradicionais por meio da grilagem, intimidação e geração de conflitos internos entre os povos;
- Falta de consulta: a lei internacional (Convenção nº 169 da OIT) obriga que o governo e as empresas consultem os povos de forma livre, prévia, informada e de boa fé;
- Coação e engano: na prática, muitos povos não são informados de verdade sobre o que é o projeto, seus riscos e impactos pela sua longa duração (contratos de 20 a 50 anos ou até mais). Muitas vezes, assinam “um papel” em troca de algum benefício (como fogão, poço ou internet), sem saber que estão cedendo seus direitos sobre a floresta ou que podem até mesmo estar participando de projeto que vai piorar sua situação ou de seu território atual ou no futuro;
- Prioridade real: o foco deve ser a redução imediata da poluição e não a compensação;
- Um caminho direto e simples, com base no princípio ambiental do poluidor-pagador seria basicamente um pagamento direto pela emissão de gases de efeito estufa, que fosse progressivo no tempo, aumentando, com distribuição direta a fundos temáticos com acesso direto e destinações específicas (exemplo: para povos indígenas e comunidades tradicionais; para governos e fiscalização / monitoramento de desmatamento e crimes socioambientais; entre outros).
Concomitantemente, o Observatório do Marajó lançava a sua cartilha Caminhos do Marajó, cuja publicação reúne iniciativas, argumentos e reflexões de coletivos, organizações e lideranças marajoaras que atuam na defesa dos territórios tradicionais e na construção de soluções sustentáveis para o futuro do Marajó e da Amazônia. No documento, são apresentados os valores de repasse do dispositivo governamental ICMS Ecológico ou ICMS Verde para os municípios marajoaras que entre 2014 e agosto de 2025 somavam cerca de 360 milhões de reais para serem aplicados em ações ambientais e climáticas.
Na Foz do rio Amazonas, os pescadores artesanais se mobilizaram para protestar contra a exploração de petróleo na região e contra os estudos que não levam em conta os riscos sociais à população do Marajó.
O povo munduruku protestou à porta da zona azul e ao final do dia, seus líderes tinham 3 ministros de estado brasileiros disponíveis para escuta em suas reivindicações por ações reais de demarcação de territórios.
Se os mercados de carbono enquanto financeirização da natureza avançaram, também avançou o entendimento de lideranças, instituições sobre tais riscos e das novas estratégias do grande capital em manter o rentismo e suas operações poluidoras em detrimento da dignidade de bilhões de humanos no planeta.
O palco está posto. Seus atores batalham em seus papéis.
O que as novas gerações terão como crítica à COP 30? Espero sinceramente que elas tenham boas notícias para nos enviar em cartas endereçadas ao ano de 2025.

Maior certificadora do mercado de créditos de carbono no mundo, a Verra foi uma das empresas condenadas pelo Tribunal dos Povos contra o Eco-Genocídio, realizado durante a COP do Povo. Comunidades tradicionais no Marajó/PA denunciam os contratos abusivos de venda de créditos de carbono feitos por empresas multinacionais. Créditos: Carlos Henrique Silva

Manifestação na Marcha Global pela Justiça Climática, durante a COP 30. Em protesto, manifestante afirma: “O imperialismo produz guerras e crises ambientais” Créditos: Cláudia Pereira

Manifestação na Marcha Global pela Justiça Climática, durante a COP 30, contra a exploração de petróleo e a contaminação por agrotóxicos no Marajó (PA). Crédito: Rodrigo Correia
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