O ANÚNCIO DO EVANGELHO NO TEMPO DO ESPÍRITO

por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém

A Igreja celebra a Solenidade da Ascensão de Jesus, na solene e intensa expectativa do Pentecostes, o derramamento do Dom do Espírito Santo. Este foi dado como penhor e garantia definitiva de que todo mistério de Cristo, em sua vida, morte, ressurreição e subida aos Céus revela a plena verdade, suficiente para nossa caminhada até o fim dos tempos, quando o Senhor se manifestará gloriosamente, vindo para julgar os vivos e os mortos.

Antes de sua partida, Jesus entregou a missão de levar a boa nova do Evangelho da Salvação até os confins da terra. Da Ascensão e do Pentecostes, até a volta do Senhor, está em nossas mãos, sempre conduzidos e garantidos pelo Espírito Santo, a visibilidade da presença de Cristo Jesus. Estamos no tempo do Espírito! Imensa responsabilidade, que diz respeito a todos os fiéis, independentemente de seu estado de vida, idade ou vocação. A tocha da verdade do Evangelho é hoje entregue a nós. Não dá para sonhar com um passado bucólico, que não volta mais.

O Papa Francisco, em sua mensagem para o Dia Mundial das Comunicações Sociais, sobre o tema da Inteligência Artificial, relembra uma palavra do grande escritor Romano Guardini, em que “refletindo sobre a técnica e o homem, convidava a não se inveterar contra o ‘novo’ na tentativa de ‘conservar um mundo belo condenado a desaparecer’. Ao mesmo tempo, porém, com veemência profética advertia: ‘O nosso posto é no devir. Devemos inserir-nos nele, cada um no seu lugar, aderindo honestamente, mas permanecendo sensíveis, com um coração incorruptível, a tudo o que nele houver de destrutivo e não-humano”. E concluía, diz o Papa: “Trata- se – é verdade – de problemas de natureza técnica, científica e política; mas só podem ser resolvidos passando pelo homem. Deve-se formar um novo tipo humano, dotado duma espiritualidade mais profunda, duma nova liberdade e duma nova interioridade”.

De fato, a Igreja singrou mares e percorreu estradas para levar o Evangelho, deparou-se com as mudanças de época, e basta lembrar o surgimento da imprensa. Lembremo-nos da descoberta da energia elétrica, ou os transportes, ou as revoluções culturais e intelectuais que reviraram grandes quantidades de livros e conceitos! E se chegamos à Internet, com todos os passos que nos levaram a ela, as redes sociais que nos desafiam continuamente. Com muito gosto e às vezes a duras penas, os cristãos têm sido capazes de ampliar horizontes, olhar para frente e para o alto e continuarem seu empenho para chegar aos confins da terra. E pensemos no esforço para chegar a um novo ardor e novos métodos e novas expressões na Evangelização! Vivemos uma nova mudança de época e o Espírito Santo nos leva a partejar o modo adequado para evangelizar.

Acolhamos as indicações do Papa para este Dia Mundial das Comunicações Sociais: “Neste tempo que corre o risco de ser rico em técnica e pobre em humanidade, a nossa reflexão só pode partir do coração humano. Somente com um olhar espiritual, recuperando uma sabedoria do coração é que poderemos ler e interpretar a novidade do nosso tempo e descobrir o caminho para uma comunicação plenamente humana… Faz-se necessário a sabedoria do coração deixa-se encontrar por quem a busca e deixa-se ver a quem a ama; antecipa-se a quem a deseja e vai à procura de quem é digno dela (cf. Sb 6, 12-16). Está com quem aceita conselho (cf. Pr 13, 10), com quem tem um coração dócil, um coração que escuta (cf. 1 Rs 3, 9). É um dom do Espírito Santo, que permite ver as coisas com os olhos de Deus, compreender as interligações, as situações, os acontecimentos e descobrir o seu sentido”

Continua o Papa: “Não podemos esperar esta sabedoria das máquinas. O termo inteligência artificial é falacioso. É certo que as máquinas têm capacidade imensamente maior que os seres humanos de memorizar os dados e relacioná-los entre si, mas compete ao homem, e só a ele, descodificar o seu sentido. Não se trata, pois, de exigir das máquinas que pareçam humanas; mas de despertar o homem da hipnose em que cai devido ao seu delírio de onipotência, crendo-se sujeito totalmente autônomo e autorreferencial, separado de toda a ligação social e esquecido da sua condição de criatura”.

Vejamos a força da orientação do Santo Padre: “Cada coisa nas mãos do homem torna-se oportunidade ou perigo, segundo a orientação do coração. Cada prolongamento técnico do homem pode ser instrumento de amoroso serviço ou de domínio hostil. Os sistemas de inteligência artificial podem contribuir para o processo de libertação da ignorância e facilitar a troca de informações entre diferentes povos e gerações, mas simultaneamente podem ser instrumentos de poluição cognitiva, alteração da realidade através de narrações parcial ou totalmente falsas, mas acreditadas e partilhadas como se fossem verdadeiras. Basta pensar no problema da desinformação que enfrentamos, há anos, no caso das ‘fake news’ e que hoje se serve da ‘deep fake’, a criação e divulgação de imagens que parecem perfeitamente plausíveis mas são falsas ou mensagens-áudio que usam a voz duma pessoa, dizendo coisas que ela própria nunca disse. A simulação, que está na base destes programas, pode ser útil em alguns campos específicos, mas torna-se perversa quando distorce as relações com os outros e com a realidade”.

“Somos chamados a crescer juntos, em humanidade e como humanidade. O desafio é realizar um salto de qualidade para estarmos à altura duma sociedade complexa, multiétnica, pluralista, multirreligiosa e multicultural. As suas grandes possibilidades de bem são acompanhadas pelo risco de que tudo se transforme num cálculo abstrato que reduz as pessoas a dados, o pensamento a um esquema, a experiência a um caso, o bem ao lucro, com o risco sobretudo de que se acabe por negar a singularidade de cada pessoa e da sua história, dissolvendo a realidade concreta numa série de dados estatísticos”.

A resposta não está escrita, mas depende de nós. Compete ao homem decidir se há de tornar-se alimento para os algoritmos ou nutrir o seu coração de liberdade, sem a qual não se cresce na sabedoria. Esta sabedoria amadurece valorizando o tempo e abraçando as vulnerabilidades. Cresce na aliança entre as gerações, entre quem tem memória do passado e quem tem visão de futuro. Somente juntos é que cresce a capacidade de discernir, vigiar, ver as coisas a partir do seu termo. Para não perder a nossa humanidade, procuremos a Sabedoria que existe antes de todas as coisas (cf. Eclo 1, 4), que, passando através dos corações puros, prepara amigos de Deus e profetas (cf. Sb 7, 27): há de ajudar-nos também a orientar os sistemas da inteligência artificial para uma comunicação plenamente humana”.

Queremos dar nossa contribuição de cristãos para o enfrentamento de tantos desafios!

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