Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

 

Desde 2017, a Igreja comemora no penúltimo domingo do tempo comum, o dia mundial dos pobres, instituído pelo Papa Francisco, na Carta Apostólica Misericórdia e Mísera, como memória e ação objetiva do ano extraordinário da misericórdia (cfr. MetM, 21). Nós celebramos o quinto dia mundial do pobre cujo tema é: “Sempre tereis pobres entre vós” (Mc 14, 7). É uma oportunidade para perceber a importância dos pobres no meio de nós, como membros do povo de Deus e as ações caritativas em favor dos mesmos. Muitas são as ações nas comunidades católicas e pessoas de boa vontade, que são feitas em favor dos pobres neste dia. É importante ver como a Igreja antiga também se preocupou em favor dos pobres em suas comunidades, porque as pessoas lembraram o Senhor que fez a opção pelos pobres, foi pobre e nos ensina a viver a alegria da pobreza, da entrega de nossas vidas a Deus.

O tema da pobreza ligado à Sagrada Escritura.

Os pobres, a pobreza são temas bíblicos, ligados à Sagrada Escritura, na qual ocupa um lugar considerável. Para o dia mundial dos pobres uma frase bíblica fundamenta a ação. Os padres da Igreja precisaram isso, recorrendo à idéia da escravidão do Egito, que fez o povo de Israel pobre, e pela força de Deus o libertou daquela situação[1], mas também recorrendo a necessidade de realizar obras de caridade, de amor, porque na pessoa dos pobres está presente o Senhor Jesus (cfr. Mt 25, 40).

A caridade para com os pobres.

Seguindo a Palavra de Jesus a Igreja desde os seus primórdios teve a sua atenção aos pobres, necessitados da sociedade e de suas comunidades. Ao fim do século I a prática da comunhão dos bens (cfr. At 2,42-44), fator que caracterizou as primeiras experiências de vida social e comunitária da Igreja de Jerusalém, conservava ainda o seu valor paradigmático. As ofertas livres dos fieis tornaram-se a fonte principal pela qual a Igreja alcançava as próprias atividades caritativas em favor dos pobres[2].

O Pai quer que os seus bens sejam doados.

A Didaqué, obra do século I, tinha presente que a pessoa deve doar aos outros, porque o Pai quer que os seus bens sejam doados a todos. O fiel que recebe deve estar necessitado porque a pessoa abastecida não receba a ajuda. A esmola seja dada para quem necessite da mesma[3]. A obra exorta os fieis da comunidade para que não sejam avarentos, nem ladrões, nem fingidos, nem maliciosos, nem soberbos, mas vivam o amor aos outros, em Jesus Cristo[4].

A partilha das coisas.

A Carta de Barnabé, escrito dos séculos I e II, aprofundou o tema da compartilha das coisas para com o próximo, porque se nós desejarmos estar unido nas coisas incorruptíveis, se deve estar unidos também nas coisas que passam porque a ajuda é dada para quem mais necessita. O fiel não pode estender a mão só na hora de receber, mas também na hora de doá-la para os outros[5].

Os que possuem ajudem mais os pobres.

O Pastor de Hermas, livro apocalíptico, do século II, afirmou a necessidade das pessoas que mais possuem, os ricos, ajudarem os pobres nas comunidades em suas necessidades. As riquezas foram dadas para todas de modo que o pobre é socorrido por aqueles que possuem mais riquezas. Deste modo ambos cumprem a sua missão, pois o pobre o faz mediante a sua oração, que é a sua riqueza recebida do Senhor e aquele que possui mais ajuda o pobre com as coisas que tem, partilhando a riqueza que recebeu do Senhor[6].

Imitador de Deus.

A Carta a Diogneto, escrito do século II afirmou que a pessoa pelo amor imita a Deus; ela se torna feliz não pela opressão do próximo, ou por querer estar por cima dos mais fracos, ou fazer o enriquecimento pela prática da violência, mas a pessoa imita a Deus quando toma sobre si o peso do próximo, se for superior beneficie à pessoa inferior e quando a dá aos necessitados o que recebeu de Deus, é seu imitador[7].

A importância dos anciãos e a caixa comum.

Tertuliano, padre da Igreja, Norte da África, séculos II e III afirmou o sentido comunitário da ajuda aos necessitados, que entre eles participavam das reuniões, das celebrações, anciãos de provada virtude, não por orgulho de suas vidas, mas pelo comum testemunho dos seus merecimentos porque eram pessoas que viviam o sentido da comunidade e do amor. Existia também entre eles uma caixa comum (arcae genus est) na qual cada pessoa dava lá quanto queria e podia, a sua modesta contribuição mensal e fazia desta forma espontaneamente sem nenhum constrangimento[8]. Esses se constituíam os depósitos da comum piedade (deposita pietatis sunt). Este dinheiro não servia para os banquetes, bebidas inúteis, ou alimentos extravagantes, mas era alimento para os pobres, nas quais davam a sepultura aos necessitados, socorriam os meninos e as meninas privados de sustentação e da parte de seus pais, e também servia aquele dinheiro para servos exaustos pela idade e também era dado aos náufragos[9]. Como era uma comunidade que tinham presentes ações caritativas, ajudava também em nome da fé cristã, os condenados às minas, ou deportados nas ilhas ou relegados, e banidos aos cárceres[10]. Tertuliano teve um sentido muito importante a respeito dos pobres, como presença do Senhor.

Jesus Cristo presente nos pobres.

São Gregório de Nazianzo, bispo de Constantinopla, século IV disse que o Deus Criador criou todas as pessoas. Ele não fez uma pessoa rica e outra pobre, porque esta distinção não vem de Deus. A palavra de Deus também diz que quem tem misericórdia do pobre, empresta a Deus (Pr 19,17) e também com as esmolas e a fé se purificam os pecados (Pr 15,27-29). Ele insistia junto às comunidades para que as pessoas tivessem ações concretas em favor dos necessitados do Senhor, em relação à visita em suas casas, para saber de sua comida, roupa, honra a eles na pessoa de Cristo. O Senhor de todos quer a misericórdia e não sacrifício, de modo que quando partirmos desta realidade o Senhor juntamente com eles nos acolham nos tabernáculos eternos[11].

A ajuda dada aos pobres por São Basílio de Cesaréia.

São Gregório de Nazianzo direcionou uma obra para o seu amigo, São Basílio, colocando ações caritativas que o bispo de Cesareia realizou nas comunidades de sua diocese. Ele falou que era bonito ver nele, a misericórdia, o alimento aos pobres, a ajuda à enfermidade humana. A pessoa podia sair da cidade, e ela veria as coisas novas, o refúgio da piedade, mas também a sustentação modificara-se por exortação de Basílio[12]. As suas ações caritativas e de seus monges, trouxeram vida nova e digna para todas as pessoas, mas, sobretudo para os pobres das cidades e dos campos.

O amor aos pobres.

São Fulgêncio de Ruspe, bispo, do norte da África, séculos V e VI afirmou o amor aos pobres na palavra de Cristo Jesus que é para vender os bens e sejam dados como esmola aos pobres (cfr. Lc 12,33). O bispo ressaltou que nesta vida, algumas ações são possíveis de serem feitas em vista da felicidade eterna. Muitas coisas foram recebidas pelo Senhor de modo que o fiel na ajuda aos pobres conquiste o Reino dos céus[13].

A vivência da pobreza.

[1] Cfr. M. G. Mara. Poveri-Povertà. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angelo Di Berardino, P-Z. Marietti, Genova, 2008, pg. 4244.

[2] Cfr. Ugo Falesiedi. Le Diaconie. I Servizi assistenziali nella Chiesa antica. Instituto Patristico “Augustinianum”. Roma, 1995, pg. 38.

[3] Cfr. Didaqué, 1, 5-6. In: Padres Apostólicos. Paulus, SP, 1995, pgs. 344-345.

[4] Cfr. Idem, 2,6, pg. 345.

[5] Cfr. Carta de Barnabé, 19, 8-9. In: Padres Apostólicos, pg. 315.

[6] Cfr. O Pastor de Hermas. Segunda Parábola, 51, 6-8. In: Idem, pg. 219.

[7] Cfr. Carta a Diogneto, 10, 4-6. In: Padres Apologistas, Paulus, SP, 1995, pgs. 27-28.

[8] Cfr. Cfr. Tertulliano, Apologetico, XXXIX, 5, a cura di A. Resta Barrile,. Oscar Mondadori, Bologna, 2005, pg. 137.

[9] Cfr. Idem, XXXIX, 6, pg. 137.

[10] Cfr. Ibidem.

[11] Cfr. Gregorio di Nazianzo. L´amore per i poveri, 36, 39-40. In: La teologia dei padri, v. 3. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pgs. 271-272.

[12] Cfr. Gregorio di Nazianzo. Panegirico di Basilio il Grande, 63. In: Idem, pg. 291.

[13] Cfr. Fulgenzio di Ruspe. Prediche, I, 7-8. In: Idem, pg. 273.