por Dom Pedro Jose Conti
Bispo de Diocese de Macapá
Diz-se que, mesmo antes de um rio cair no oceano ele treme de medo. Olha para trás, para toda a jornada, os cumes, as montanhas, o longo caminho sinuoso através das florestas, através dos povoados, e vê à sua frente o oceano tão vasto que entrar nele nada mais é do que desaparecer para sempre. Mas não há outra maneira. O rio não pode voltar. Ninguém pode voltar. Você pode apenas ir em frente. O rio precisa se arriscar e entrar no oceano. E somente quando ele entra no oceano é que o medo desaparece. Porque apenas então o rio saberá que não se trata de desaparecer no oceano. Mas tornar-se oceano. Por um lado é desaparecimento e por outro lado é renascimento. Assim somos nós, voltar é impossível na existência. Você pode ir em frente e se arriscar. Coragem, torne-se oceano.
Neste domingo, 28º do Tempo Comum, além da liturgia dominical celebraremos também o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. O trecho do evangelho de Marcos que proclamaremos nos relata um encontro emocionante entre Jesus e, talvez, um jovem, porque ele chega “correndo”. Esta pessoa chama Jesus de “bom Mestre” e faz uma pergunta importante: o que precisa fazer para ganhar a vida eterna? Pela conversa seguinte, conhecemos melhor este interlocutor. É alguém que cumpre os mandamentos da Lei e, portanto, espera, com isso, ter direito à “vida eterna”. No entanto, se o jovem pergunta, é porque reconhece que lhe falta alguma coisa. Jesus percebe as boas intenções dele e com um olhar amorosos lhe faz uma proposta surpreendente: “Vai, vende tudo o que tens e dá aos pobres, e terá um tesouro no céu. Depois vem e segui-me!” (Mc 10,21). Na prática, Jesus está dizendo a esta pessoa – e a todos nós – que a vida plena não será o resultado da obediência a normas, ela será sempre um dom de Deus Pai. A única coisa que faltava àquele “jovem” era entender isso e, portanto, aprender, por sua vez, a doar. Só o amor generoso e gratuito abre horizonte impensáveis para as nossas vidas. Aquela pessoa não aceitou a proposta de Jesus. Teve medo de arriscar e foi embora triste, preocupado com as suas riquezas. No final da página evangélica, os discípulos querem saber o que acontecerá com eles – e indiretamente com tantos outros nas mesmas condições – que deixaram tudo para seguir Jesus. Ele responde que ganharão muitos outros bens e “familiares”, porque, é fácil entender, serão irmãos e irmãs de todos na nova fraternidade dos seguidores de Jesus. Serão também perseguidos, mas, ao final, participarão da vida plena, aquela Vida que somente Deus pode doar.
Olhamos agora para outra jovem, Maria de Nazaré. Ao ser chamada, ela ouviu também as palavras: “Não tenhas medo”. Toda vocação exige coragem para ser respondida. Não só porque não é possível conhecer o que nos espera, mas, sobretudo, porque exige plena confiança naquele que nos chama. Seria muita superficialidade entregar a própria vida para alguém que não conhecemos ou do qual duvidamos. Acontece com os namorados. Precisa confiar muito no outro ou na outra para conseguir caminhar juntos. O medo e a incerteza acompanham a nossa existência. No entanto, quando encontramos alguém que nos inspira confiança, alguém pelo qual nos sentimos acolhidos e amados, assim como somos, com nossas potencialidades e fragilidades, algo novo e bonito acontece. Novos horizontes se abrem, não nos sentimos mais sozinhos, os temores desaparecem e começamos a imaginar uma vida completamente diferente. Quando Maria respondeu: “Eis aqui a serva do Senhor! Faça-se em mim segundo a tua Palavra” (Lc 1,38) estava entregando a sua própria vida nas mãos do Senhor para que fizesse dela o que precisasse. Ela ficou perturbada e pensativa, mas quando ouviu que “para Deus nada é impossível”, deixou para trás toda incerteza. Maria compreendeu que, por pequenos, humildes e desconhecidos que sejamos, Deus sempre chama para grandes aventuras, grandes obras. Com ele e por causa dele, o pouco oferecido se multiplica, todo gesto de bondade vale um tesouro no céu, toda pequena compaixão e misericórdia se tornam maravilhas. O pequeno rio entra a fazer parte do oceano infinito do amor de Deus.