por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Esse é o tema do Círio de Nossa Senhora de Nazaré de 2024 em sintonia com o caminho de preparação do ano jubilar 2025. O Círio de Nossa Senhora de Nazaré em Belém do Pará é uma maravilhosa ocasião para uma catequese sobre a mariologia e a vida da Igreja. Neste ano os fiéis católicos são convidados a profundar a necessidade da perseverança na oração a partir da experiência de Maria.

  1. A virtude da perseverança

A perseverança é a virtude pela qual uma pessoa se mantém firme em seus propósitos e compromissos; a perseverança, em geral, é sinônimo de firmeza de ânimo, permanência, afinco, pertinácia, constância, determinação, estabilidade de luta, persistência, tenacidade. A perseverança é a virtude, consequente da fortaleza (virtude cardeal), através da qual uma pessoa, predispõe a sua força de vontade e inteligência para manter-se íntegro diante de suas metas, projetos, sonhos, enfrentando problemas, provocações e dramas da vida, preservando seus ideais. Dessa forma, promove a justiça para consigo mesmo, evitando agir puramente levado pelas paixões (sentimentos). Sendo assim, perseverar é muito mais que persistência e obstinação. Por isso, a autêntica perseverança, na perspectiva da moral cristã, está vinculada à fidelidade, bondade, justiça, honradez, verdade, caridade.

De fato, na etimologia da palavra perseverança, não só encontramos a ideia de permanência, persistência, firmeza, mas também a estabilidade naquilo que é sério, verdadeiro, justo, honroso. Dessa forma, autêntica perseverança cristã significa, o esforço dinâmico de se permanecer no Amor e na verdade. Como consequência da fé e da esperança, a perseverança é profundamente positiva.

  1. Desafios à perseverança

A experiência da virtude da perseverança, que se identifica com a fidelidade dinâmica, pressupõe uma série de condições fundamentais: o desenvolvimento da vontade e da liberdade, a paixão pela Verdade, a formação da consciência moral, o exercício do discernimento pautado por princípios, a construção de uma hierarquia de valores, um projeto de vida… Sem esses referenciais um sujeito fica à deriva da vulnerabilidade das circunstâncias.

A virtude da perseverança, então, pressupõe a educação moral, porque ao nascer e, durante grande parte da nossa infância (segundo Laurence Kolberg, 1937-1987), permanecemos totalmente dependendo das emoções, das circunstâncias e do apelo dos adultos. Da criança não se pode exigir a virtude da perseverança.

Tudo isso significa que a experiência da virtude da perseverança pressupõe a formação humana: reconhecimento das próprias potencialidades (dimensões), não deixar-se desanimar, aprender a arte da superação dos problemas e fracasso (resiliência), assumir ideais, vida espiritual, cultivar uma atitude de redimensionamento permanente das próprias motivações e boas intenções etc.

Além dos desafios profundamente humanos e naturais para a experiência da perseverança, encontramos também aqueles de natureza socioculturais. Na era contemporânea, vivemos sob o influxo de diversas ideologias que não contribuem para o nosso crescimento na virtude da perseverança, tais como: o imediatismo, o presentismo, o automatismo, o hedonismo, o tecnicismo etc. O imediatismo descarta a virtude da perseverança porque rejeita a necessidade de processos e etapas; por isso o imediatismo é presentista já que não se importa com o futuro e, sem visão de futuro, não há perseverança.

A cultura hedonista rechaça necessidade da virtude da perseverança porque ela se baseia na pura experiência do prazer e da autossatisfação. Todavia, a experiência da perseverança, pressupõe naturalmente, o enfrentamento da Cruz, sacrifícios, renúncias. Também a ideologia tecnicista se distancia da experiência da virtude da perseverança porque exige resultados imediatos, automáticos, prontos e se importa com aquilo que é tecnicamente possível e não com aquilo que é verdadeiro e justo. Por isso, podemos acrescentar, que a “síndrome do pensamento acelerado” pode constituir um sério empecilho para a experiência da perseverança que pressupõe, também a paciência.

  1. A perseverança na oração

Diz o salmista que são felizes os que habitam a casa do Senhor e o louvam sem cessar (cf. Sl 84,5). Na parábola do juiz insensível Jesus nos apresenta a necessidade da perseverança na oração, sem nunca desistir (cf. Lc 18,1); Jesus orientou seus discípulos dizendo-lhes que, “quem perseverar até o fim e esse será salvo” (Mt 24,13). Essa frase está dentro do contexto das grandes provações pelas quais passarão os discípulos de Jesus antes da plena realização do Reino de Deus: deverão enfrentar conflitos, guerras, fome, catástrofes naturais, perseguição, escândalos, frieza religiosa, falsos profetas, maldades… mas deverão testemunhar a própria fé com coragem (cf. Mt 24,4-14).

São Paulo escrevendo aos Romanos os exorta a serem “alegres na Esperança; fortes na tribulação e perseverantes na Oração” (Rm 12,12); São Tiago afirma que “a oração do justo, feita com insistência, tem muita força” (Tg 5,16). São muitas as citações sobre a perseverança na oração presentes na Sagrada Escritura.

Para o discípulo de Jesus, a experiência da oração não deve ser uma atividade isolada e esporádica, mas configurar-se como um diálogo permanente com Deus. Por isso, isso exige perseverança. A oração exige perseverança por diversos motivos: antes de tudo porque Deus é o senhor de nossas vidas e “nele nos movemos, vivemos e existimos” (At 17,18). Isso significa que a qualidade e a consistência da nossa vida, muito depende do contínuo diálogo com Deus, pois assim também Jesus alertou seus discípulos dizendo: “sem mim vocês nada poderão fazer” (Jo 15,5).

A manutenção desse vínculo com Deus requer perseverança porque somos tentados à dispersão, ao ativismo, ao materialismo, ao desânimo, à desconfiança, ao pessimismo etc. A experiência da oração requer a participação da nossa inteligência, consciência, vontade, liberdade; a oração não acontece sem decisão pessoal, sem autodisciplina e nem silêncio interior.

A experiência da oração requer perseverança porque nem tudo o que pedimos Deus nos concede. Deus também silencia diante dos nossos clamores, como bem questiona o salmista: “Javé, até quando me esquecerás? Para sempre? Até quando esconderás de mim a tua face? Até quando terei sofrimento dentro de mim, e tristeza no coração, dia e noite? Até quando meu inimigo vai triunfar?” (Sl 13,2).

  1. Perseverar na oração com Maria

A oração do fiel católico não é genérica, mas tem características específicas, próprias da identidade da Igreja. O fiel católico não ora isoladamente, mas reza com a Igreja e em comunhão com ela! O tema “Perseverar na oração, com Maria, Mãe de Jesus”, nos convida a fazer a experiência da perseverança na oração em sintonia com as atitudes de Maria e de seu filho Jesus Cristo. Perseverar na oração “com Maria” significa, mais que consciência de companhia, é senso de comunhão com ela e com Jesus Cristo, seu filho.

Para podermos perseverar na experiência da oração com Maria, é necessário fazer memória da experiência da virtude da perseverança da mãe de Jesus. São Lucas afirma que os apóstolos com Maria eram perseverantes na oração (cf. At 2,14). Somos chamados, então, a aprofundar a importância da virtude da perseverança na oração com Maria.

Partindo dessa primeira citação, observamos que a perseverança de Maria não acontece simplesmente na oração, mas na participação da vida da Comunidade e também no dinamismo de vida fraterna. Maria, não só fez a experiência da oração com os discípulos e os discípulos com Maria, mas ambos participavam ativamente da primeira comunidade, estavam comprometidos, engajados, envolvidos! Quem muito reza e promove as “mil Ave Marias”, mas não se esforça para imitar as atitudes de Maria de que adianta!? Oração e compromisso comunitário caminho juntos! Mas a experiência virtudes da perseverança por parte de Maria, vai muito além dessa referência. Maria é a mestra da perseverança na oração e na caridade! São Lucas afirma que “Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, às pressas, a uma cidade da Judéia” (Lc 1,39). Em Caná da Galiléia, na festa de casamento, Maria foi ao encontro das necessidades da festa para que os noivos não passassem vergonha (cf. Jo 2,1-11).

  • Isabel também faz referência à perseverança de Maria quando afirma: “Bem-aventurada aquela que acreditou, porque vai acontecer o que o Senhor lhe prometeu” (Lc 1,46);
  • Após o diálogo com o anjo, Maria assume o compromisso da maternidade e plena disponibilidade a Deus que a comprometeu na perseverança (cf. Lc 1,38);
  • Maria persevera na experiência de serviço a Isabel, ficando com ela servindo-a, todo tempo necessário da sua gravidez, não foi uma rápida visita: “Maria ficou três meses com Isabel; e depois voltou para casa” (Lc 1,56); era o tempo necessário!
  • Diante do mistério de Deus que assume a forma humana Maria persevera no silêncio orante e meditativo: “E todos os que ouviam os pastores, ficaram maravilhados com aquilo que contavam. Maria, porém, conservava todos esses fatos, e meditava sobre eles em seu coração” (Lc 2,18-19);
  • Como esposa, Maria perseverou na sua aliança matrimonial, somando com José e vivendo com ele em perfeita parceria (cf. Mt 2,1-23; Lc 2,44-46);
  • Maria, enquanto boa fiel, perseverava na peregrinação, indo todos os anos a Jerusalém para participar da festa da Páscoa (cf. Lc 2,41);
  • Maria e José, inquietos, perseveraram na busca pelo menino Jesus quando deixou a caravana, ficou em Jerusalém e foi encontrado no templo (cf. Lc 2,44-47);
  • Maria é a Mãe fiel à sua maternidade e nela persevera até o pé da cruz (cf. Jo 19,25-26).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Quais são os desafios da experiência da oração?
  2. Por que a perseverança na oração e na caridade caminham juntas?
  3. O que aprendemos com a vivência da virtude da perseverança de Maria?