por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá
Procuro homens para viagem arriscada. Salário baixo, frio enregelante, longos meses de completa escuridão, perigo constante, retorno duvidoso. Honra e reconhecimento em caso de sucesso.” – Ernest Shackleton
Sir Ernest Shackleton (1874-1922) explorador inglês da Antártica, colocou este anuncio nos jornais de Londres em 1900, quando preparava a Expedição Antártica Nacional (que não chegou a alcançar o Polo Sul). A propósito da procura de voluntários, Shackleton disse mais tarde que “a julgar pelo volume de respostas, parecia que todos os homens da Inglaterra estavam decididos a me acompanhar”.
No evangelho do 24º Domingo do Tempo Comum encontramos a versão de Marcos da bem conhecida pergunta de Jesus aos discípulos: “Quem dizem os homens que eu sou?”. Não é uma simples indagação ou uma mera curiosidade. As palavras e o agir de Jesus estão chamando a atenção do povo. Ele tinha jeito de profeta, talvez fosse mesmo o “messias” tão esperado, aquele líder poderoso que finalmente resgataria a grandeza de Israel. Assim devia pensar Pedro quando respondeu afirmando a messianidade daquele homem por causa do qual tinha deixado tudo para segui-lo. Mas a história de Jesus será bem diferente. Ele começa a falar “abertamente” do seu sofrimento, rejeição, morte e ressurreição. Estas palavras inesperadas acabam com as ambições de Pedro que, à parte, desabafa e repreende aquele Mestre que o estava decepcionando. Talvez tinha a pretensão de convencê-lo a mudar aquele plano sombrio. A reação de Jesus foi imediata. Quem devia mudar era o próprio Pedro. Ele mesmo e aqueles pensamentos de poder não eram de Deus, mas tentações humanas. Quem quiser seguir a Jesus não pode buscar o seu interesse pessoal, defendendo a própria vida à custa dos outros. Esta seria uma vida perdida, sem sentido. Ao contrário, por causa dele e do Evangelho, os discípulos, devem escolher o caminho amorosos da cruz e, assim, promover uma vida diferente de serviço e gratuidade. Para Jesus, a vida que não se perde é aquela oferecida, que motiva e torna luminosa, bela e grande toda pessoa que sabe amar por simples e humilde que seja.
Por que aquele “devia sofrer” do Filho do Homem nos espanta tanto? Por que pensamos que “tomar” a própria cruz seja somente algo negativo? Se refletimos sobre os evangelhos, podemos ver que Jesus sempre se preocupou pela vida daqueles que o procuravam. Aliviou os sofrimentos dos enfermos, satisfez a fome pobres, enxugou as lágrimas dos pequenos, convidou à conversão e ofereceu o perdão aos excluídos da religião oficial por causa dos pecados deles. O Deus de Jesus não foi um patrão exigente, um juiz pronto a condenar e a castigar, mas um Pai bondoso e misericordioso com todos, sobretudo com os mais humildes e desprezados pelos poderosos deste mundo. Condenado à morte de cruz, se tornou solidário com os malfeitores para dar esperança também a quem tinha errado tudo na vida. Suportou a violência e a morte para que nunca mais esquecêssemos que “toda vida importa”, que a injustiça, a ganância, o poder e a indiferença continuam, ainda hoje, matando inocentes. Carregar a cruz para nós cristãos significa deixar de ficar acomodados esperando pelos outros, significa assumir a nossa parte de responsabilidade com o risco de ser também criticados, talvez crucificados, porque considerados incômodos e inúteis. Começamos a carregamos a nossa cruz quando saímos de nós mesmos, quando enxergamos os outros como nossos irmãos e nos interessamos pele bem de todos. Isto a partir de onde estamos, nas nossas famílias, lá onde trabalhamos, onde encontramos as pessoas que de tantas formas sofrem e gemem na espera de socorro. Aos voluntários, sir Shackleton prometia dificuldades e perigos; talvez o reconhecimento em caso de sucesso. Pelo jeito tantos homens queriam ser os primeiros heróis a alcançar o Polo Sul do mundo. A verdadeira viagem desafiadora é sair dos nossos interesses para servir e amar os irmãos. Para esta obra de amor estão faltando voluntários corajosos e destemidos. Ainda procura-se.