O bispo auxiliar de Belém, dom Antônio de Assis Ribeiro, participa desde o último dia 07 em Roma, do II Seminário Sul Sínodo Pan-Amazônico. O evento é promovido pela Pontifícia Universidade Salesiana e reúne diversos religiosos e leigos que, nestes dias, aprofundam os conhecimentos sobre a Igreja na Amazônia.

Dom Antônio foi convidado a palestrar na manhã desta sexta-feira, 08, sobre o tema: “Amazônia e Caridade: Serviço de Promoção Humana”. Confira, na íntegra, o discurso do bispo diante de dezenas de pessoas presentes no encontro:

Introdução

Quero iniciar esta reflexão manifestando os meus parabéns à Universidade Pontifícia Salesiana por essa iniciativa tão importante e oportuna, que revela o seu profundo senso de Igreja e sintonia com os grandes temas em debates da atualidade. É dentro desse contexto que se apresenta o tema da promoção humana, um tema que ultrapassa as fronteiras amazônicas. A realização de um Sínodo é sempre uma convocação
para que todo povo católico caminhe em sinergia, falando a mesma linguagem, em comunhão de ideais e partilhando experiências da paixão pela promoção do Reino de Deus.
De fato, a experiência da Caridade na Amazônia, se manifesta na promoção humana como o mais eloquente compromisso de promoção do Reino de Deus. Não há Reinado de Deus, onde não se respeita, não se tutela, não se defende e nem se promove a dignidade humana. Assim narra o evangelista Mateus descrevendo a ação missionária de Jesus intimamente vinculada à promoção da vida: «Voltem e contem a João o que vocês estão ouvindo e vendo: os cegos recuperam a vista,
os paralíticos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres é anunciada a Boa Notícia” (Mt 11,4-5). 
A Igreja, onde quer que esteja, segue fielmente o dinamismo pastoral de Jesus. A missão da Igreja transcendendo a pregação e a liturgia, se compromete com a promoção do Reino como exigência do amor a Deus e ao próximo. Por isso, a Caridade nos move a promover em qualquer lugar no planeta os mais variados serviços de promoção humana. A Caridade inspira o dinamismo pastoral da Igreja presente na Amazônia.

  1. Referências fundamentais
    O nosso olhar sobre a promoção humana na Amazônia está condicionado por três fontes de referências: o Evangelho, a Doutrina Social da Igreja e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
    São referências de fundamentação da nossa sensibilidade e dinâmica pastoral e que tem como função nos estimular a:
     Contemplar a beleza da dignidade e da vocação humana;
     Inspirar projetos, métodos de ação, critérios de avaliação atividades hierarquizadas;
     Estimular o compromisso de preservar e promover o mais precioso dos tesouros, o ser
    humano;
     Discernir as situações de ambiguidades mostrando onde nossa opção deve ser radical;
     Direcionar o nosso coração e a nossa mente para o cuidado com o desenvolvimento
    humano integral.
    Por isso somos convidados ao exercício de um olhar sobre a Amazônia com uma sensibilidade que supere os parâmetros meramente jornalísticos e sociológicos. O nosso olhar sobre a Amazônia não é científico e nem técnico, mas ético, teológico, eclesial e pastoral. O fundamento de tudo, sobre o qual se baseia a promoção humana pela Igreja, é o ardor da Caridade Pastoral.
  2. A complexidade da Amazônia
    Não podemos falar com seriedade da promoção humana na Amazônia sem considerarmos a complexidade dessa realidade em suas diversas dimensões:

 Dimensão Geográfica: a Amazônia abrange mais de sete milhões e meio de quilômetros quadrados, compreendendo nove países: Brasil, Bolívia, Colômbia, Equador, Guiana, Peru, Suriname, Venezuela, Guiana Francesa; nessa área geográfica há planuras, rios, lagos, pântanos, campos, montanhas e diversidade de climas;
 Dimensão Biológica: a Amazônia é o maior santuário da biodiversidade do mundo; o ser humano está em profunda relação com esse universo biológico; concentra 25% de todas as espécies vivas do planeta;
 Dimensão Antropológica: a Amazônia é um santuário de povos, culturas, nações, línguas; são povos indígenas, caboclos, negros, mestiços, europeus; só de povos indígenas a Amazônia está constituída por cerca de 400 povos e nacionalidades diferentes;
 Dimensão Política: são nove países diversos entre si, isso significa governos, leis, sensibilidades e contextos históricos de nacionalidade diferentes;
 Dimensão Econômica: a Amazônia é um ambiente onde há grandes tensões econômicas: agronegócio, economia doméstica, extrativismo, turismo, indústria, riqueza, pobreza, miséria, agricultura familiar, desequilíbrio de investimentos; por outro lado nenhum país tem a mesma situação econômica do outro;
Dimensão Social: na Amazônia há uma grande variedade de contextos sociais, não é somente um universo de fauna e flora. Em toda a Pan-amazônia somam 34,1 milhões de pessoas e constitui a região com a população economicamente mais pobre de todo o continente americano; por outro lado, cada ambiente desses tem uma história;
 Dimensão Religiosa: na Panamazônia não existe somente o cristianismo católico, mas também o protestante e neopentecostal; há um grande universo religioso formado por religiões indígenas, movimentos religiosos naturalistas, religiões de origem africana, o judaísmo, o islamismo e um variado sincretismo religioso;
 Dimensão dos atores sociais: a promoção humana na Amazônia não depende, exclusivamente, da Igreja católica, há nessa imensa região uma grande diversidade de sujeitos que, de diversas formas promovem a dignidade humana: governos, instituição de controle social, Igrejas, ONG, movimentos sociais, empresas, organizações populares, instituições internacionais;
 Dimensão dos contextos existenciais: no que diz respeito à promoção humana, não basta falar da diversidade dos povos e culturas, devemos também considerar a variedade de contextos existenciais: o indígena, ribeirinho, rural, negro (quilombola) urbano, urbano periférico, urbano central de classe média. Há uma psicologia que caracteriza cada contexto.

  1. A interdependência dos sujeitos, problemas e dos recursos
    O serviço de promoção humana desenvolvido pela Igreja Católica, nos mais variados contextos e países amazônicos, não está dentro de uma redoma, muito pelo contrário, tratasse de um serviço encarnado numa complexa teia de relações entre sujeitos com mentalidades, interesses e meios diferentes de atuação. Nada está isolado, tudo está em relação; tudo está interligado, tanto na natureza quanto nas relações humanas.
    Não podemos conceber uma relação de intervenção passiva sobre qualquer realidade na Amazônia. Nenhum ator social é portador de soluções para todos os problemas. Por isso, não podemos conceber nenhuma forma de “heroísmo solitário!”. A sabedoria da Igreja, fiel aos seus princípios e missão, se manifesta na capacidade de interação dialogal com outros sujeitos. Mas é chamada a ser coerente com os seus ideais, testemunhando sua postura profética firmeza e destemida.
    Também somos conscientes de que nenhum recurso técnico ou grupo de recursos humanos, constitui o remédio para todos os males presentes na Amazônia. Por isso a Igreja no exercício da promoção humana deve sempre ter presente a necessidade da interação com outros atores sociais.
    Outra questão muito importante que devemos considerar na promoção humana, é o fato de que a Amazônia de hoje não é uma realidade puramente natural: já temos vários séculos de intervenção humana, de exploração predatória da natureza e de agressividade nas relações entre povos e nações.
    Diante dessa realidade histórica, a promoção humana em sua profusão deve também considerar a gênesis de cada situação, por exemplo, da pobreza, do isolamento, da frágil consistência das políticas públicas, enfim, de todo e qualquer atentado contra a dignidade humana.
  2. A necessidade do duplo foco: socio-ambiental
    Não podemos mais tratar questões Amazônicas com uma mentalidade extrativista (fonte de recursos), naturalista (tudo é natural), ambientalista (míope atenção à biodiversidade), economicista (laboratório de produção: carne bovina, grãos, geração de energia, montagem industrial). Todos esses modelos são reducionistas, pois não levam em consideração a
    questão da transversalidade das relações.
    A dimensão antropológica é intrínseca ao ecológico e ao ambiental. A questão da promoção humana abraça a totalidade das dimensões da existência do ser humano, independente do seu contexto.
    Por isso, a promoção humana, não significa uma atividade diretamente voltada e restrita à pessoa, mas para a totalidade das condições da vida humana, portanto, faz parte dela também o cuidado com a “casa comum”. Nessa perspectiva “eco-antropológica” a promoção humana significa o desenvolvimento da ecologia integral.
  3. Exigências da promoção humana na Amazônia
    As exigências fundamentais da promoção humana são sempre as mesmas em qualquer lugar do mundo, todavia, é necessário, considerarmos o contexto existencial das pessoas presentes em cada realidade. Há sempre uma variedade de fatores que condicionam a gestão, a metodologia e o dinamismo dos projetos, ideias e sonhos. No caso da Amazônia mencionamos:
     A promoção humana não pode ser desvinculada da questão ambiental; não se trata de um puro critério de equilíbrio sócio-ambiental, mas sobretudo, na base do pensar o desenvolvimento humana deve-se considerar o contexto específico da ecologia (o ser humano como parte integrante da biodiversidade);
     Acolher a pessoa humana na sua totalidade de dimensões: pluridimensionalidade natural (visão holística); na Amazônia muitos modelos de desenvolvimento já faliram, justamente porque não consideraram a complexidade das suas dimensões: ambiental, climática, antropológica, cultural, psicológica, religiosa;
     A promoção humana é um compromisso que, abraçando a totalidade da pessoa humana, em todos os contextos e situações, exige ação conjunta: nenhum ator social é, isoladamente, o responsável pela acolhida, tutela, defesa e promoção da pessoa humana; a Amazônia, por sua própria, natureza, exige interação, senso de corresponsabilidade, ação conjunta, parcerias. Infelizmente ainda na gestão da promoção humana na Amazônia, nem sempre os diversos atores sociais convergem e se esforçam para serem bons parceiros, colaboradores uns dos outros; onde há modos variados de compreensão da dignidade humana (e do valor da vida humana), há conflitos, inimizade, antagonismo,
    polarização;
     A promoção humana exige intervenção em todos os contextos socioculturais: indígena, negro, rural, ribeirinho, urbano (centro e periferia); é preciso exorcizar os fortes resquícios de uma concepção fragmentada e demonizada de alguns atores sociais que cria barreiras e gera antipatias (governos, empresas, fazendeiros, militares, ONGs…); cada ator social
    tem uma profunda responsabilidade que deve ser resgatada por sua dignidade vocacional; onde cresce o mundo do antagonismo todos perdem e se enfraquecem, e se relaciona em estado de “guerra fria”;
     A promoção humana, enquanto desenvolvimento integral, exige a superação de alguns limites: o romanticismo amazônico (“Amazônia paraíso”, “Amazônia turística”, “Amazônia eldorado”, “Amazônia das fontes abundantes”, “Amazônia província energética” e também conceitos opostos como aquele do “Amazônia inferno verde”), o ambientalismo
    minimalista (progressista), o ambientalismo radical (conservador), o extrativismo predatório, a superação da demagogia ambientalista que descarta o desenvolvimento integral e iguala a dignidade da pessoa humana à das árvores e animais; a superação da mentalidade fatalista que ainda esta fortemente presente na mentalidade do povo (indígena e caboclo interiorano – influxo dos mitos) e do longo tempo de opressão; a superação do forte sentimento de inferioridade.
  4. Compromissos importantes da Igreja Católica para a promoção humana na Amazônia
     Estar numa atitude de “contínua saída” para contemplar a realidade; a Amazônia é uma realidade complexivamente dinâmica que está em contínua evolução, sobretudo, como consequência da ação humana; não podemos conservar uma visão fixista, ou estática da Amazônia; a Igreja é chamada a ser hermeneuta desse dinamismo;
     Como boa samaritana da humanidade a Igreja é chamada a aproximar-se, “descer”, a “encarnar-se” sempre mais, a ouvir os clamores e a estender a mão aos sofredores e ameaçados em sua dignidade (cf. Ex 3,7-10);
     Escutar a realidade não significa dar atenção somente aos gritos de dor, mas também é acolher as alegrias, as conquistas, os dons, as riquezas, as oportunidades, os sonhos;
     Testemunhar a alegria do Evangelho, da esperança e da serenidade, sobretudo nos contextos sócio-pastorais mais hostis, evitando assim a “pastoral da raiva” (o conflito desnecessário, os antagonismos, a postura agressiva, as iniciativas ideologizadas, atitudes maniqueístas, antipáticas e polarizadas);
     Estabelecer parcerias saudáveis com outros atores sociais que assumem causas saudáveis que tenham afinidade com os valores do Evangelho, juntos podemos dialogar, somar, contribuir, promover em rede a cultura da vida e da ecologia integral; e onde há opressor, eles são chamados à conversão; para isso precisam ser evangelizados. A vontade divina
    não é a morte do opressor, mas sua conversão (cf. Jr 35,15; Ez 18,23); precisamos evangelizar os ricos
    (cf. Lc 16,19-31; Lc 19,1-10);
     Assumir a atitude de compaixão diante dos dramas humanos e socio-ambientais, testemunhando ousadia, iniciativas proféticas, corajosas, provocantes e sermos capazes de pronta intervenção, sobretudo, em situações de grave vulnerabilidade social (ocupações, periferias, violência… Igreja boa samaritana, Igreja Marianamente apressada);
     Evitar a arrogância e a frieza, cultivando a simplicidade e a humildade nas iniciativas pastorais, na pregação, na liturgia, nas organizações eclesiais;
     Conservar a paciência dinâmica e estimular a cultura de processos de transformação;
     Evitar e combater o assistencialismo social que gera dependência e estimular a mentalidade empreendedora e cooperativista, superando a tendência ao comodismo e ao isolamento;
     Evitar o “paternalismo pastoral” que é uma forma de evangelizar e catequizar que não favorece o crescimento das pessoas, não forma sujeitos, nem promove líderes;
     Evitar o messianismo sociorreligoso que se manifesta como aquela atitude de arrogância na promoção humana que deprecia todos os outros atores sociais e radicaliza a postura, meios e as ideias da Igreja como solução para tudo.
  5. O que a Igreja Católica já vem fazendo?
    A Igreja Católica na Amazônia, em todos os países, tem uma atuação que dura já quatro séculos de evangelização e promoção humana; evangelização e promoção humana sempre caminharam juntas ao longo de toda essa história. Todavia, é necessário considerarmos os contextos históricos. Por isso podemos afirmar que nem tudo aconteceu da mesma forma e com a mesma sensibilidade de hoje.
    A contribuição da Igreja para o desenvolvimento humano na Amazônia no passado foi marcante através da promoção da Saúde (hospitais), educação (escolas formais, escolas  agrícolas, internatos (educação integral), ensino superior, centros sociais e de formação profissionais), da promoção da economia (tecnologia, produção), da comunicação e cultura
    (rádios, TV), da defesa da vida, dignidade dos povos indígenas e negros escravos, das organizações sociais (associações, grupos, conselhos, assembleias, foruns…). 
    A Igreja Católica na Amazônia tem contribuído com a promoção humana através das mais variadas organizações pastorais: pastoral da educação, pastoral da saúde, pastoral dos enfermos, pastoral da mulher, pastoral carcerária, pastoral da comunicação, pastoral da criança, pastoral da juventude, pastoral do menor, pastoral da itinerância, pastoral afro, pastoral indigenista; pastoral da mobilidade humana, pastoral da pessoa idosa, pastoral da sobriedade, pastoral da terra, pastoral dos moradores de rua, pastoral do surdo, pastoral do turismo, pastoral dos pescadores, pastoral dos refugiados, pastoral familiar, pastoral universitária… Cada uma dessas pastorais representa uma resposta da Igreja a uma situação humana específica.
    Além das pastorais, a Igreja Católica, atua na promoção humana através de organismos tais como: a Caritas, o CIMI (Conselho Indigenista Missionário), a CPT (Comissão Pastoral da Terra), CDDH (Centro de defesa dos direitos humanos), as CEBs, as Congregações religiosas, os Movimentos, as Associações, os Institutos de Vida Apostólica, Novas Comunidades…
    Graças a essa ampla, secular, convicta presença e testemunho da Igreja na promoção da dignidade humana, temos hoje muitos mártires; pessoas que deram a vida pelo povo defendendo a dignidade humana, testemunhando o Reino de Deus.
  6. Graves situações que atentam contra a dignidade humana na Amazônia
     Violências: doméstica, sexual, abusos, violência no campo, na religião, desprezo pela identidade cultural indígena;
     Narcotráfico: que promove a mortes de jovens, intolerância, vícios, dependência, ameaças;
     Alienação popular: enfraquecimento do protagonismo (dos povos), alienação,
    messianismo, demagogia populista, clientelismo político, comodismo, dependência das bolsas do governo, frágil inquietude;
     Alcoolismo: esfriamento dos vínculos familiares, conflitos, vícios, hostilidade, negligência, separação, desagregação familiar, abandono do lar;
     Injustiça econômica: geradora do abismo entre ricos e pobres; pobreza indígena, cabocla e ribeirinha, pouco investimento no campo, inexpressividade da economia solidária;
     Êxodo rural: crescimento das periferias das grandes cidades, agronegócio violento (envenenamento do solo e poluição dos recursos hídricos); pouco investimento tecnológico no campo para os pequenos produtores;
     Analfabetismo: cultural (não conhecimento da própria cultura), moral (crise de valores), religioso (não conhecimento doutrinal, devocionismo, superstições), político, jurídico, manipulação, alienação das pessoas…
     Migração: maus tratos, xenofobia, criminalização de migrantes e refugiados; o tráfico de pessoas, especialmente de mulheres para fins de exploração sexual e comercial;
     Deficitário investimento na saúde pública no interior, falta de educação higiênica e preventiva;
     Desenvolvimento economicista: que prioriza a produção econômica, o lucro, o extrativismo predatório, a exportação, os grandes negócios, as grandes empresas, os grandes projetos deixando de lado a força do trabalho dos pobres, negação da agricultura familiar, fraca economia solidária…
     Violação de direitos humanos: a impunidade, sistema judiciário que favorece os economicamente poderosos por causa da possibilidade da apelação para recursos de instância superior a pagamento; cárcere privado, exploração trabalhista no campo…
     Ausência da autoridade do Estado: corrupção nos Órgãos públicos, indiferença, desperdícios de recursos, miopia na gestão do bem comum, interesses privados…
     Crise do sentido comunitário: individualismo, crise de lideranças, enfraquecimento do tecido social e comunitário, crise das associações de moradores, colapso dos conselhos (comunitários, municipais, estaduais), personalismo…
  7. Metas desafiadoras da promoção humana na Amazônia?
    A meta das atividades de promoção humana é o desenvolvimento integral. Devido a complexidade da abrangência dessa questão proponho metas a partir dos seguintes eixos ou campos de ação:
    RELACIONAMENTO: aproximação e acolhida – cultivar a boa samaritanidade;
     Exercitar-se continuamente no ato de sair, de ir encontro, de aproximar-se da realidade existencial dos outros, de interessar-se pela situação deles;
     Cultivar uma atitude de empatia, simpatia, abertura, ternura;
     Ser presença solidária em todas as circunstâncias da vida do povo, e não simplesmente como consequência de uma denúncia;
     Alimentar a amizade, o bom relacionamento através da visita gratuita e perspicaz;
     A promoção humana não deve ser vista como ação técnica! É relacionamento humanizante! Por isso a promoção humana, não pode ser um frio serviço! É preciso
    conciliar o técnico-metodológico com o afetivo-relacional.
    PROMOÇÃO DA IDENTIDADE (crise): dignidade humana, valores, sentido da vida…
     Integrar na evangelização um profundo e explícito compromisso com a sacralidade e dignidade da vida humana;
     Educar para a assimilação e promoção dos valores morais, cristãos…
     Promover experiências de reflexão e estudo sobre a dignidade humana;
     Educar para o pensar e fortalecimento da identidade do povo simples, em vista da superação do medo, da timidez, do anonimato;
     Despertar as pessoas para uma visão empreendedora da existência, experiência da
    liberdade e da responsabilidade diante dos condicionamentos (culturais, naturais,
    religiosos);
     Educar para a promoção da auto-estima, da inquietude social, da projetualidade que contribui para a geração da cultura da autossustentabilidade;
    PROMOÇÃO DA ÉTICA NA POLÍTICA: gestão e liderança
     Estimular nas comunidades o sentido de pertença: do bem comum;
     Promover o acompanhamento da qualidade dos serviços públicos;
     Assessoria aos conselhos municipais (de saúde, educação, segurança, direitos das crianças e adolescentes, assistência social…);
     Estimular a promoção de cursos de liderança e gestão.
    EDUCAÇÃO PREVENTIVA: analfabetismo e passividade
     Favorecer o conhecimento da realidade amazônica (há muita ignorância);
     Promover a presença evangelizadora e educativa estimulando a assimilação da dignidade humana e desenvolvimento humano integral; nas diversas iniciativas pastorais;
     Potencializar a dimensão moral da catequese, da pregação, das pastorais (compromissos
    éticos), movimentos e organismos;
     Educar para a projetualidade visando a superação da mentalidade presentista, imediatista, passiva e acomodada;
     Educar para ao cuidado e a rejeição da exploração predatória dos recursos naturais.
    CULTURA DOS DIREITOS HUMANOS: violências
     Promover a cultura da “ecologia integral” e “eco-antropologia (o ser humano integrado);
     Integrar na ação pastoral cotidiana, o conceito de dignidade humana e direitos humanos, como consequência do mandamento do amor a Deus e ao próximo;
     Educar para os Direitos humanos e estimular a necessária acolhida da dimensão social da fé e da caridade;
     Acompanhar as ações do Estado e o cumprimento das leis (ausência, negligência,
    corrupção, incompetência);
     Defender, tutelar e promover a identidade e os direitos naturais e conquistas legais;
     Combater a cultura da impunidade promovendo o senso de corresponsabilidade social.
    ESPIRITUALIDADE: cansaço, medo e desvios
     Jesus não foi um ativista dos direitos sociais, mas promotor do Reino de Deus; viveu sua missão em profunda comunhão com o Pai e, por isso, alertou seus discípulos dizendolhes: “Sem mim vocês nada podem fazer” (Jo 15,5);
     A consciência de promoção humana de Jesus estava em profunda intimidade com o Espírito Santo: «O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me consagrou com a unção, para anunciar a Boa Notícia aos pobres; enviou-me para proclamar a libertação aos presos e aos cegos a recuperação da vista; para libertar os oprimidos, e para proclamar um ano de graça do Senhor» (Lc 4,18-19).
     “Jesus era conduzido pelo Espírito através do deserto” (Lc 4,1); Jesus inicia seu mistério entre os pobres da Galileia movido pela força do Espírito (cf. Lc 4,14);
     O compromisso de promoção humana da Igreja Católica não pode se reduzir a um puro serviço social; sem vida espiritual há desvio da missão, violência, erros, incoerências, inconsistência, cansaço, perda da integridade, mal-estar, fragmentação pessoal, pessimismo, irritação, perda da esperança, ideologização da pastoral, estresse, “síndrome
    de bournout!” (esgotamento). Isso tem sido a causa de muitos abandonos na vida sacerdotal e religiosa para muitos e até da fé; 
     A Vida Espiritual nos proporciona a experiência de sermos contemplativos na ação, capazes de resiliência e de manutenção da comunhão com a Igreja sem cairmos mas malhas das ideologias. A luta pela promoção humana não deve se reduzir a um mero trabalho social. Somos todos servidores do Reino de Deus.

  8. Novas pautas da Agenda Pastoral da Promoção Humana na Amazônia:
    Falando de “Novas pautas da agenda pastoral da promoção humana” significa compromissos que a Igreja deve reforçar na sua dinâmica de promoção humana. Vejamos alguns:
     Trabalhar mais a questão da preventividade em relação aos graves problemas sociais, como por exemplo, o fenômeno da violência, drogadição, corrupção, individualismo; 
     Abordagem interdisciplinar e interinstitucional na promoção da dignidade humana;
     Promover a autossustentabilidade da promoção humana, ainda há uma grande vulnerabilidade das iniciativas e dependência do clero e religiosos (as);
     Comprometimento das IES – Instituições de Ensino Superior (Católicas, privadas e governamentais) na promoção da dignidade humana; ainda não temos uma ação conjunta entre as universidades; as universidades presentes na Amazônia são convidadas a converter seu olhar cientifico para a promoção humana na Amazônia, sobretudo, estimulando os estudantes a abraçarem temas de pesquisa profundamente relacionados à realidade regional com tantas demandas específicas; é necessário o aprofundamento acadêmico da amazonicidade, da caboclicidade e da indigenicidade;
     Avançar no desafio da relação entre ecumenismo e promoção humana;
     Formar de lideranças políticas e sociais (conselheiros, secretários, vereadores, prefeitos, deputados, senadores);
     Promover a Responsabilidade Social das empresas: o Documento de Aparecida nos propôs a promoção da evangelização dos empresários (cf. DA, 492) e fala do desenvolvimento da espiritualidade dos empresários (cf. DA, 285, 404);
     Criar um Fórum permanente ou Observatório da promoção humana na Amazônia;
     Promoção da cultura da reflexão sobre a dignidade humana, superando o pragmatismo intervencionista; infelizmente, ainda trabalhamos com o foco nos fatos; continua sendo um desafio a promoção da cultura de processos de desenvolvimento humano; 
     Promoção da cultura da honestidade e da transparência na gestão de recursos públicos (combate à corrupção);
     Estimular a cultura do voluntariado, somos semeadores de esperança!
  9. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
    BECKER, Bertha. As amazônias: ensaios sobre geografia e sociedade na Amazônia. Volume 3. Rio de Janeiro: Editora Garamond, 2015.
    BOFF, L. Ecologia: Grito da Terra, Grito dos Pobres. Rio de Janeiro: Sextante, 2004.
    CELAM: Carta Pastoral do Conselho Episcopal Latino-americano. Discípulos missionários, guardiões da casa comum: discernimento à luz da Encíclica Laudato Sì. Bogotá, Colômbia, Janeiro de 2018.
    CELAM: V Conferência Geral do Episcopado Latino-americano. Documento de Aparecida. São Paulo: Edições Paulinas, 2007.
    CNBB REGIONAL NORTE II. Vida sustentável na Amazônia. Novos Caminhos para a Igreja e para uma ecologia integral. CREAM – Comissão para a Evangelização na Amazônia. Caderno N. 6, Ano 2018.
    CNBB REGIONAL NORTE II. Os cristãos e as eleições. “Alegres por causa da Esperança” (Rm 12,12). Cartilha de Orientação Política. CNBB REGIONAL NORTE II: Belém (Pa), 2018.
    CNBB REGIONAL NORTE II. Fermentando a Paz. Projeto Fundo Nacional de Solidariedade. CEPAST – Comissão Episcopal para a Ação Social Transformadora, S/D.
    CNBB REGIONAL NORTE 1,2: Linhas prioritárias da pastoral da Amazônia. “Cristo aponta para a Amazônia”. IV Encontro da Pastoral da Amazônia. Santarém, 1972.
    CNBB: Igreja na Amazônia: Memória e Compromisso. Conclusões do Encontro de Santarém. Brasília: Edições CNBB, 2012.
    CNBB: IV Congresso Missionário Nacional. Missão permanente: reflexões e propostas. Brasília: Edições CNBB, 2017.
    CNBB: Missionários para a Amazônia. Coleção Estudos, documento 100, 2ª Edição. Brasília: Edições CNBB, 2011.
    CNBB. Texto Base da Campanha da Fraternidade, 2007. Fraternidade e Amazônia: Vida e missão neste chão. São Paulo: Editora Salesiana, 2006.
    COMISSÃO EPISCOPAL PARA A AMAZÔNIA. Seminário Nacional sobre evangelização dos povos indígenas. Brasília: REPAM, 2017.
    CONGREGAÇÃO PARA A EDUCAÇÃO CATÓLICA. Educar ao humanismo solidário para construir uma civilização do amor: 50 anos após a “Populorum o Progressio”. Orientações. Brasília: Edições CNBB,
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    CONGRESSO INTERNACIONAL DA VIDA RELIGIOSA. Paixão por Cristo, paixão pela humanidade. CRB – Conferência dos Religiosos do Brasil. São Paulo: Edições Paulinas, 2005.
    CORREA, Dom Alberto Taveira. O que pretende a Igreja? In: Jornal Voz de Nazaré. I Caderno, Edição 863, de 15 a 28 de fevereiro de 2019, pag. 3.
    DA SILVA, Osiris Araújo; HOMMA, Alfredo Kingo Oyama (Org.). Pan-Amazônia: Visão Histórica, Perspectivas de Integração e Crescimento. 1ª Edição. Manaus: Federação das Indústrias do Estado do Amazonas (FIEAM), 2015. 
    DIRETÓRIO PASTORAL DA ARQUIDIOCESE DE MANAUS: Ano 2015.
    PAPA FRANCISCO. Exortação Apostólica Evangelii Gaudium. A alegria do Evangelho. Sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual. Brasília: Edições CNBB, 2013.
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    KRAUTLER, Erwin. No coração da Amazônia. Comissão Episcopal para Amazônia. S/D.
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    PONTES, Felício. Povos da floresta: cultura, resistência e esperança. REPAM. São Paulo: Edições Paulinas, 2017.
    VERZELETTI, Dom Carlos. Uma Igreja que se aproxima, escuta, ilumina a família, os jovens e as periferias. Carta Pastoral. Diocese de Castanhal, 2019.
    MODINO, Luis Miguel. Migração, tráfico de pessoas e sínodo. In: Boletim do Sínodo sobre a Amazônia. N. 4, pag. 7, 20/09/2018 – Assessoria de Imprensa da REPAM-Brasil e Comissão Episcopal Especial para Amazônia/CEA.
    Video: https://youtu.be/LxdZ1XyWGmc

DOM ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO

Bispo Auxiliar de Belém-PA