por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá
O chamam Mister Smile, o embaixador do sorriso, porque, faz muitos anos, percorre o mundo para doar sorrisos a crianças nos orfanatos, nas ruas das favelas, nos hospitais de áreas em guerra do Iraque até a Ucrânia. Já passou por mais de 100 países e a sua fama chegou à ONU onde, em 2016 foi convidado a falar por ocasião da Jornada Mundial da Felicidade. O nome dele é Andrea Caschetto, 33 anos, nascido na Sicília (Itália). Quando Andrea tinha 15 anos foi submetido a uma cirurgia para retirar um câncer no cérebro. Isso reduziu a sua capacidade de memória. Do que viveu de 15 a 19 anos não lembra quase nada e pensou até em tirar a sua própria vida. Depois, com outros jovens com problemas, visitou uns orfanatos no Sul da África. O encontro com aquelas crianças mudou a vida dele. Começou a viajar pelo mundo. A pouca memória não lhe impediu de formar-se em Comunicação e conseguir um mestrado em Cooperação Internacional. Pela atividade que desenvolve não recebe dinheiro e dos direitos autorais dos livros que escreveu (três) uma parte é gasta em beneficência e outra é investida nas viagens. Prepara com afinco os encontros e sabe lidar maravilhosamente com as crianças “descalças” que chama de “meus professores”. É uma pessoa feliz porque consegue fazer felizes os outros.
Achei conveniente introduzir a minha reflexão sobre a página do evangelho de Mateus deste 30º Domingo do Tempo Comum apresentando uma história real, de alguém que, apesar das próprias limitações, decidiu gastar a sua vida em prol de outros também sofredores. Desta vez não para lamentar ou reclamar juntos, mas para comunicar alegria, felicidade e esperança, bens que só podem estar juntos com muito amor e generosidade. É sobre o mandamento do amor que nos fala o evangelho. Os fariseus, decidiram “experimentar” Jesus querendo saber qual era o maior mandamento da Lei. A resposta, ou as respostas, eram objeto de disputas acirradas entre os doutores da Lei. No entanto, teria sido difícil não reconhecer a total superioridade do amor devido ao próprio Deus. Em Deuteronômio 6,5 estava escrito de amar a Deus “de todo o teu coração, de toda a tua alma e com toda atua força”. O próprio Jesus reconhece isso. (Mt 22,38). Podia ainda sobrar amor? Verdade que em Levítico 19,18 estava escrito “Amarás o teu próximo como a ti mesmo”, mas até na formulação os dois mandamentos eram muito diferentes e nunca acabava a discussão sobre quem era, afinal, o próximo a ser amado.
Jesus, o Mestre, consegue a proeza e a novidade de juntar os dois mandamentos. Eles são “semelhantes”, ou seja, só o compromisso real de amar a Deus e ao próximo pode dar unidade à nossa vida como pessoas e como cristãos. De outra forma corremos o perigo de nos considerar muito amorosos com Deus por obedecer rigorosamente àquelas que acreditamos serem suas ordens e, talvez, depois, mantemos atitudes ou sentimentos de desprezo, indiferença ou coisas piores com os nossos irmãos feitos de carne e ossos como nós. Reparemos que a Bíblia não fala de “amor”, como uma ideia ou um conceito, mas de “amar” a Deus e ao próximo: uma ação, um fazer, um construir. De fato, não existe o amor em si, andando por aí, mas pessoas que amam e com isso fazem a experiência dos frutos do bem vivido, doado, partilhado. Somos nós que criamos complicações separando os dois mandamentos e vivendo, assim, uma vida cristã dupla. O fazemos por comodismo, porque o próximo nos inquieta e corremos para Deus. Ou, simplesmente, porque temos uma ideia mesquinha do Altíssimo, de um juiz e cobrador mais que de um Pai misericordioso e compassivo, um Deus que somente ama. Por isso, o próprio Jesus se identificou com os famintos, os desamparados, os sofredores: “foi a mim que o fizestes” (Mt 25 ). Continuamos a não conhecemos bem a Deus e aquele que veio para nos fazê-lo compreender melhor, uma vez por todas, Jesus Cristo. Continuamos pensando que Deus julgue e avalie as realidades humanas com os nossos critérios de merecimentos, aparências, sucessos e resultados. Não, ele reconhece o coração de quem ama, porque é ali mesmo que todos somos, ou não, “semelhantes” ao nosso Criador.
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