Por Dom Vital Corbellini, Bispo de Marabá – PA.

 

Nós meditamos o terceiro pilar que é caridade ponto presente nas Diretrizes Gerais da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023, da CNBB. O texto coloca que a espiritualidade cristã centraliza-se na capacidade de amar a Deus e ao próximo, de modo que rezar e amar são realidades indispensáveis para os discípulos e as discípulas de Jesus Cristo. A oração e a caridade andam juntas na vida cristã[1]. São Paulo disse aos Coríntios que sem o amor, a caridade, as coisas não possuem o seu devido valor, porque o amor é magnânimo, é benfazejo, não é arrogante, não leva em conta o mal sofrido (1 Cor 13, 4-5). As virtudes teologais da fé e da esperança possuem o seu devido valor, mas a maior delas é caridade (1 Cor 13,13). São Pedro fala que a caridade, o amor cobrem uma multidão de pecados (1 Pd 4,8). O Senhor diz que o Reino dos céus será dado pelo amor dado ao próximo, sobretudo para os mais necessitados (Mt 25, 31-46). Vejamos como o Império romano e a Igreja antiga contribuíram com a prática da caridade, proveniente da palavra de Deus junto às suas populações, sobretudo as mais necessitadas de ajuda.

A caridade no Império romano.

É possível ver ações de caridade por parte das autoridades e povo do Império romano para com os pobres. Pela Lex Clodia Frumentária, de 58 a.C. consentia que os pobres romanos recebessem grãos com um preço bom ou de uma forma gratuita. O fato era que alguns imperadores romanos ajudaram os mais necessitados. O Imperador Trajano, séculos I e II foi um dos primeiros a organizar segundo Plínio, o Jovem Governador da Bitínia, uma assistência pública aos meninos abandonados em Roma, e tal ação se estendeu depois em toda a Itália, sendo uma das obras sociais mais dignas de louvor de seu governo[2]. Outros dois Imperadores como Septímio Severo e Aureliano ajudaram também os pobres com grãos de trigo e com alimentos[3]. Algumas doações em alimentos eram presentes em quase todos os lugares das províncias do Império, de modo que, as autoridades imperiais supriram com os parcos meios aqueles que passavam necessidades distribuindo alimento aos carentes, especialmente, com o trigo. Havia pessoas que ajudavam os seus concidadãos com roupas, mas, sobretudo com alimentos tentando abafar o mar dos pedidos de muitas comunidades[4].

A caridade na tradição judaica e cristã.

A caridade para com os mais necessitados estava presente também na tradição judaica. Mas é, sobretudo com Jesus Cristo, e a tradição cristã que se implementaram sempre mais a ação caritativa nas famílias e nas comunidades necessitadas. A palavra de Cristo colocava a ação de misericórdia para com os famintos, outras categorias de necessidades (Mt 25, 35-36) e também a Igreja primitiva seguia os passos do Senhor. No fim do primeiro século, a prática da comunhão de bens, que havia caracterizada a comunidade primitiva de Jerusalém (At 2,42-47), estava ainda presente em muitas comunidades cristãs, de modo que as ofertas dos fiéis eram a fonte principal da qual a Igreja alcançava as próprias atividades caritativas[5].

Os cristãos olhavam às classes humildes.

Aristides de Atenas, padre da Igreja, século II, colocava as ações dos cristãos diante dos pagãos no sentido que eles olhavam mais às classes humildes. Eles não desprezavam a viúva, não entristeciam o órfão. A pessoa que possuía fornecia abundantemente para aquela que nada tinha. Ao encontrar um forasteiro, eles o acolhiam sob o seu teto e alegravam-se com ele como verdadeiro irmão, porque os cristãos não se chamavam se chamavam de irmãos ou irmãs segundo a carne, mas segundo a alma em Cristo Jesus[6].

Depósito da comum piedade.

Tertuliano, padre da Igreja, séculos II e III, norte da África, afirmou a preocupação na sua comunidade cristã pela existência dos pobres de modo que havia uma espécie de caixa comum. Cada um trazia quando queria e tivesse condição na sua modesta contribuição mensal, e tudo se oferecia de uma forma espontânea. Eram estes os depósitos da comum piedade. Este dinheiro não era usado para banquetes, bebidas, mas para dar alimento aos necessitados, para socorrer meninos e meninas privados de sustentação e dos pais, e também aos idosos e aos náufragos. Além disto, a comunidade cristã socorria em nome da religião os condenados, os deportados nas prisões[7].

A caridade da Igreja romana.

Eusébio de Cesaréia, bispo na Palestina, século IV teve presente uma Carta de Dionísio, bispo de Corinto, século II, que o bispo de Roma, Papa Sotero, século II, beneficiou de várias maneiras a todos os irmãos, enviando auxílios a muitas Igrejas em cada cidade. Ele aliviou a penúria dos necessitados, sustentou as pessoas que trabalhavam nas minas através de recursos, enviados desde o começo. Ele enviou abundantes esmolas aos santos e consolando com felizes expressões as pessoas que o procuravam, conforme um pai ternamente amoroso faz para com os seus filhos[8].

Deus é o autor das coisas boas.

São Gregório de Nissa, bispo, século IV afirmou que é o próprio Deus o autor das obras de bondade e de misericórdia que as pessoas faziam para com os pobres. A criação da terra, o ornamento do céu, a sucessão ordenada das estações, o calor, o frio todas as outras coisas foram criadas por Ele para o bem humano. O Senhor mesmo dá o alimento aos sofredores através de suas obras criadas. Ele dá a caridade concebida de tudo o que é necessário ao ser humano. É claro que ele deseja que as pessoas ajudem os mais necessitados uma vez que também eles receberam do Senhor os bens necessários para a sua sobrevivência[9].

A presença de Cristo nas pessoas pobres.

São Gregório de Nazianzo, bispo, século IV atestou a presença de Cristo Jesus nos pobres. Seguindo a Sagrada Escritura que diz que quem despreza o pobre insulta quem o criou(Pr 17,5), ele disse também que a honra dada ao Criador parte daquele que há o cuidado de sua criatura, a necessitada. São Gregório seguiu outro trecho da Sagrada Escritura falando que quem se compadece do pobre empresta ao Senhor, e Ele o recompensará pelo bem que fez (Pr 19, 17), de modo que o cristão é chamado à compaixão e à fraternidade. Descrita por Mateus, a vida eterna é dada pelo amor aos pobres, já a condenação eterna, refere-se pelas pessoas que não tiveram cuidado de Cristo pelos necessitados (Mt 25, 35-46). Assim São Gregório ressaltou que enquanto os fieis tiveram tempo, visita-se, cuida-se, nutre-se, veste-se, hospede-se e fazem-se honras a Cristo, para que um dia eles e, sobretudo o Senhor Jesus acolham os justos e as justas nas moradas eternas[10].

O amor aos pobres.

São Fulgêncio de Ruspe, bispo, século V, norte da África, afirmou que o amor que se recebe de Deus deve ser dado a todas as pessoas, mas, sobretudo aos pobres. Quem recebeu do Senhor muitas virtudes, possa se desprender das coisas e dá-las aos mais necessitados. O bispo exortava aos seus fiéis para que não fossem lentos, nas boas obras, nenhum seja estéril, ninguém por amor dos bens presentes despreze os futuros[11]. Ele dizia que a caridade aos pobres é essencial no seguimento a Jesus Cristo.

A felicidade dada na ajuda.

A Carta a Diogneto, autor desconhecido, século II, colocou a doutrina que a felicidade é dada na ajuda aos mais necessitados. Esta não consiste na opressão ao próximo, ou querer estar por cima dos mais fracos, ou enriquecer-se e praticar a violência contra os inferiores. A imitação a Deus, a sua grandeza consiste na ajuda a quem for mais necessitado. Desta forma quem toma sobre si o peso do próximo, quem é superior beneficie o inferior. Aquele que dá aos necessitados as coisas que recebeu de Deus é como Deus para os que receberam de sua mão, tornando-se imitador de Deus[12].

Nós percebemos a importância da caridade, como pilar importante de nossa ação evangelizadora na qual possibilite muitas obras boas em favor do povo sofredor, sobretudo dos pobres e necessitados da sociedade. Cristo Jesus está presente neles de modo que é feito em nome dele. Ele mesmo nos julgará a respeito da caridade feita com as pessoas mais necessitadas que nós.

[1] Cfr. Diretrizes da Ação Evangelizadora da Igreja no Brasil 2019-2023. Brasília, Edições CNBB, 2019, pg. 58.

[2] Cfr. Plínio, Panegyr., 25-27; Cfr. A. G. Hamman, Le prime comunità cristiane, Milano 1998, 213. Grant afirma que Trajano fez a introdução dos alimenta, um sistema de subsídios econômicos para os meninos pobres. Cfr. M. Grant, Gli Imperatori Romani. Storia e Segreti. Milano, Grandi Tascabili Economici Newton, 1984, 71.

[3] Cfr. Ugo Falesiedi. Le Diaconie. I servizi assitenziali nella Chiesa antica. Roma, Istituto Patristico Augustinianum, 1885, pg. 35.

[4] Diz-se que Plínio, o Jovem, Governador da Bitinia e do Ponto, Ásia Menor, fez doações em favor dos meninos abandonados em diversas cidades, e particularmente na sua cidade de origem, Como. (Cfr. Plínio, Ep., VIII, 18 ).

[5] Cfr. Cfr. Ugo Falesiedi. Le Diaconie. Idem, pgs. 32, 38.

[6] Cfr. Aristides de Atenas, Apologia 15, 7. In: In: Padres Apologistas. São Paulo, Paulus, 1995, pgs. 29-30. pg. 52.

[7] Cfr. Tertulliano, Apologetico, XXXIX, 5-6, a cura di A. Resta Barrile. Bologna, Oscar Mondadori, Bologna, 2005, pg. 137.

[8] Eusébio de Cesaréia. História Eclesiástica, Livro Quarto, capítulo 23, 10. SP, Paulus, 2000, pgs. 209-210.

[9][9][9] Cfr. Gregorio di Nissa. L´amore per i poveri, 1. In: La teologia dei padri, v. 3. Città Nuova Editrice, Roma, 1982, pgs. 270-271.

[10] Cfr. Gregorio di Nazianzo. L´amore per i poveri, 36, 39-40. In: Idem, pgs. 271-271.

[11] Cfr. Fulgenzio di Ruspe. Prediche, 1, 7-8. In: Idem, pgs. 273-274.

[12] Cfr. Carta a Diogneto, 10, 5-6. In: Padres Apologistas, pgs. 29-30.