Concluiu-se no domingo passado, dia 27 em Roma, o Sínodo Pan-Amazônico. Gostaria de apresentar-lhe meu breve testemunho desse evento tão significativo para a Igreja e a sociedade. Enquanto caboclo missionário que já trabalhou nos “quatro cantos” da Amazônia brasileira em contextos de povos, culturas e condições diferentes, tenho referências para dar uma palavra sobre a importância desse Sínodo. 

Só poderá entendê-lo quem já leu a encíclica Laudato Si, conhece a íntima relação entre fé cristã e meio ambiente, bem como considera a delicada situação da Igreja na ampla realidade amazônica com os seus mais variados clamores. Não há verdadeira evangelização onde não acontecem processos de imersão na realidade do povo. Ressalto alguns aspectos desse evento de escuta para o Papa Francisco. 

  1. EVANGELIZAÇÃO INCULTURADA: a missão da Igreja é evangelizar contribuindo para a promoção do advento do Reino de Deus. Para que a semente do Evangelho possa brotar é necessário que seja plantada no chão de cada realidade; não há verdadeira evangelização sem a encarnação no concreto de cada realidade sociocultural. E, a realidade sociocultural para ser evangelizada precisa ser acolhida, conhecida, assimilada, respeitada, estudada… Assim fez o Filho de Deus! (cf Jo 1,14). O evangelizador deve ser capaz de diálogo, pois quando a evangelização não leva em conta a realidade, ela a agride!
  2. PLURALIDADE AMAZÔNICA: no contexto amazônico há múltiplas realidades antropológicas, culturais, religiosas, econômicas, políticas… Há situações com exigências diferentes: o mundo urbano, ribeirinho, rural, indígena, afrodescendente, caboclo… Cada evangelizador assume uma particular sensibilidade a partir do contexto em que vive. Não podemos pensar a Amazônia de forma monolítica caindo no reducionismo.
  3. VIOLÊNCIAS NA AMAZÔNIA: o Sínodo fez um profundo diagnóstico da situação amazônica; mostrou que a vida na Pan-Amazônia sofre ameaças, há muitas injustiças e sangue derramando. O fenômeno das múltiplas violências é uma realidade dramática presente em todos os contextos. A violência está presente no meio ambiente, destruindo a fauna e a flora; está no campo e na cidade e vitimiza todas as faixas etárias: crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos; homens e mulheres, povos e culturas; a violência atinge a família, etnias e instituições. A ganância econômica é o principal fator gerador das múltiplas formas de opressão e injustiça.
  4. FRATERNIDADE: o Sínodo Pan-amazônico foi uma maravilhosa experiência de liberdade, respeito e de fraternidade eclesial, onde cada padre sinodal expressou-se com liberdade e sinceridade revelando a todos, aquilo que pensava e sentia a respeito dos desafios da evangelização a partir da sua experiência de vida. Nos intervalos dos trabalhos sinodais a serena convivência acusava o forte espírito fraterno presente e testemunhado na Igreja Católica.
  5. COMUNHÃO E OBEDIÊNCIA: o Sínodo Pan-amazônico evidenciou e consolidou a beleza da comunhão e da obediência ao sucessor de Pedro. Foi forte testemunho de caminhar juntos, ou seja, de sinodalidade! A constante presença e o testemunho de paciência do Papa Francisco foi eloquente. A diversidade de experiências pastorais, de sentimentos, expectativas e nem a divergência de ideias, em nada abalaram o sentido e a consciência de unidade eclesial. A Igreja é sólida! Todos se manifestaram convictos de estar “com Pedro e submissos a ele”.
  6. DISCERNIMENTO: a evangelização é um processo dinâmico! O essencial e permanente, ontem, hoje e sempre, é Jesus Cristo! Por isso, é dever dos pastores da Igreja estimular o repensamento, o redimensionamento e a reestruturação respeitosa e criteriosa daquilo que perdeu a sua significatividade. O discernimento é um dom do Espírito Santo que sempre renova a Igreja com suas ideias, atividades, critérios e estruturas pastorais. A tônica foi o compromisso de conversão! O tema do Sínodo apontou para a busca de novos caminhos para a evangelização na Amazônia e para a ecologia integral.
  7. PROCESSO: a Igreja não se renova abruptamente; isso não estaria em conformidade com a natureza da Revelação Divina. Por isso a renovação da Igreja é lenta, percorre processos, e isso requer de todos, um profundo respeito, uma atitude de prudência e muita paciência! Requer assimilação das novidades e nova aprendizagem. Por isso, na Igreja haverá sempre uma saudável tensão entre o “antigo e o novo”, o “passageiro e o permanente!”.
  8. MISSIONARIEDADE: a paixão missionária não deve se esfriar e deve corresponsabilizar a todos os sujeitos eclesiais que tem muitos rostos (indígena, camponês, afrodescendente, migrante, jovem…). As mulheres foram profundamente reconhecidas como grandes sujeitos, virtuosas e com forte contribuição na vida da Igreja. Sentiu-se o desejo da instituição de novos ministérios para os leigos, redimensionamento do diaconato e sacerdócio! Todos os discípulos de Jesus Cristo devem se sentir comprometidos em discernir “o que o Espírito pede à Igreja” em cada situação e diante dos novos desafios apresentados.
  9. CONVERSÃO: o Sínodo Pan-Amazônico convocou toda a Igreja ao compromisso da Conversão em diversos níveis: a conversão integral, conversão pastoral, conversão cultural, conversão ecológica e conversão sinodal (caminhar juntos!). Isso requer processos de mudança de mentalidade em vista da promoção da espiritualidade da comunhão e da harmonia. Exige um repensamento das nossas estruturas eclesiais, atividades, formas de presenças, bem como a criação de novos organismos de serviços eclesiais e parcerias.
  10. FORMAÇÃO: os processos de mudança (conversão) para serem efetivos exigem da Igreja em todos os níveis (comunitário, paroquial, diocesano e nas conferências episcopais) um sério investimento na promoção da educação ecológica, da espiritualidade da escuta, no diálogo ecumênico e intercultural; é necessário dar especial atenção à Palavra de Deus, à catequese e a teologia inculturada; é preciso investir na comunicação e dar muita atenção à pastoral juvenil, à pastoral vocacional e cuidar do perfil da formação sacerdotal autóctone e dos diáconos permanentes; é muito importante incentivar novos modelos de desenvolvimento sustentável, cuidar da presença eclesial no mundo urbano, político e universitário.

O Sínodo Pan-amazônico, por si mesmo, sem pensar nas consequências, foi um maravilhoso e ousado marco da presença da Igreja na Amazônia. Somos uma grande família e queremos conservar a nossa significatividade pastoral, comunhão, fidelidade e sinergia!  

REFLEXÃO:

  • Quais Estados e contextos socioculturais da Amazônia você conhece? Qual é a relação entre Fé e contexto existencial? 
  • Você já conviveu ou ao menos visitou algum povo indígena? Conhece seus desafios?
  • Qual seria a atitude de Jesus diante dos dramas amazônicos (as múltiplas violências, o desmatamento, a pobreza, a injustiças…)? Qual seria a opção dele?

 

 

 

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA