
por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará
Introdução
A amizade é a qualidade de um relacionamento estável alicerçado no Amor. Visto que a missão da Igreja é testemunhar a vivência do mandamento do Amor vivido por Jesus Cristo, ela está profundamente comprometida com a promoção dessa experiência, seja para si, internamente quanto diante de toda humanidade com as suas mais variadas formas de associações e instituições.
A Igreja, perita em humanidade (cf. PP,13) ou seja, profundamente conhecedora da natureza humana com todos os seus autênticos anseios, fragilidades, problemas e potencialidades, reconhece, defende e incentiva tudo aquilo que é autenticamente humano. Essa sensibilidade humanista estimula continuamente a Igreja a não se fechar em si, mas através da contemplação das realidades humanas, vai missionariamente, com atitude dialogante, ao encontro dos homens nos seus mais variados contextos existenciais, assim como Cristo caminhou com a humanidade por diferentes ambientes se relacionando com todos promovendo o Reino de Deus. O único sujeito descartado de acolhida e atenção por parte de Jesus foi Satanás.
Na Doutrina Social da Igreja percebemos a tensão da abertura a todos, que revela a sua consciência de sempre levar a sério a missão que recebeu de Jesus Cristo (cf. Mt 28,18-20).
- Estímulos do Concílio Ecumênico Vaticano II
A Igreja sempre apreciou e estimulou a experiência da amizade como valor humano e, isso, podemos demonstrar através de inúmeros documentos do magistério da Igreja. Mas essa visão da amizade não está restrita ao relacionamento entre pessoas, mas também entre grupos, instituições, culturas, nações, autoridades, movimentos e organizações nacionais e internacionais em geral. A experiência da amizade é um caminho para a promoção da justiça e da paz.
O tema da “Amizade Social” proposto com clareza pelo Papa Francisco na Carta Encíclica “Fratelli Tutti” encontra fundamento, antes de tudo, nas atitudes de Jesus Cristo que não se fechou no grupo dos Doze apóstolos, mas foi sempre aberto promovendo o dinamismo do Reino de Deus a todos indo além-fronteiras.
A Constituição Apostólica Gaudium Et Spes (Alegrias e Esperanças) do Concílio Ecumênico Vaticano II fundamenta ainda mais essa proposta do Papa Francisco já alicerçada nos Evangelhos. A Gaudium Et Spes nos convida a aprofundar o fato de que há uma íntima união da Igreja com toda a família humana afirmando: “As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos aqueles que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo; e não há realidade alguma verdadeiramente humana que não encontre eco no seu coração” (GS, 1). Portanto, um projeto de fraternidade universal é possível, mas exige necessariamente a promoção da Amizade Social.
Outro documento que nos estimula a trilhar o caminho da amizade social, também do Concílio Vaticano II, é a Declaração Nostra Aetate (cf. NA,5) sobre a relação da Igreja
e as religiões não-cristãs; estamos vinculados pelas grandes aspirações e a fraternidade universal, reprova toda discriminação racial e religiosa; não podemos invocar Deus como Pai comum de todos, se nos recusamos a tratar como irmãos, criados à Sua imagem; o amor é fundamento das religiões, pois «quem não ama, não conhece a Deus» (1Jo 4,8). Por isso, nos alerta São Pedro sobre a necessidade da boa conduta dos discípulos de Jesus no meio dos homens (cf. 1 Pd 2,12).
Também o Decreto Unitatis Redintegratio refletindo sobre o ecumenismo estimula os fiéis da Igreja católica com prudente paciência a trabalharem em vista da promoção da concórdia, da colaboração, do espírito fraterno, da união (cf. UR – I capítulo). O caminho da amizade não produz unidade doutrinal, mas favorece a experiência da comunhão fraterna para poderem viver como irmão unidos pela mesma fé em Cristo.
- O desenvolvimento integral dos povos
A Igreja, onde quer que esteja, deve testemunhar o dinamismo pastoral de Jesus. A sua missão transcende a pregação e a liturgia. Na Carta encíclica Populorum Progressio (PP), o Papa Paulo VI (1967), refletindo sobre o desenvolvimento integral dos povos, nos apresenta algumas ideias sobre o dinamismo e o significado de “amizade social” que nos ajudam a perceber a pré-história desse tema proposto pelo Papa Francisco. A transformação das pessoas e do mundo em geral não vem pela força da imposição de ninguém, mas pela conquista da Amizade e da colaboração recíproca.
Onde corações se endurecem e os espíritos fecham-se, os homens já não se reúnem pela amizade mas pelo interesse, que bem depressa os opõe e os desune. A busca exclusiva do
ter, forma então um obstáculo ao crescimento do ser e opõe-se à sua verdadeira grandeza: tanto para as nações como para as pessoas, a avareza é a forma mais evidente do egoismo (cf. PP, 19). Tudo isso, e outros males, acontecem onde não existe amizade!
A promoção de condições mais humanas para os povos pressupõe a reflexão e a busca de um “humanismo novo, que permita ao homem moderno o encontro de si mesmo, assumindo os valores superiores do amor, da amizade, da oração e da contemplação. Assim poderá realizar-se em plenitude o verdadeiro desenvolvimento, que é, para todos e para cada um, a passagem de condições menos humanas a condições mais humanas” (PP, 20).
Na experiência da amizade o homem se encontra consigo mesmo e descobre no outro o seu irmão com o qual é chamado a colaborar: “Nesta compreensão e amizade mútuas, nesta comunhão sagrada, devemos começar também a trabalhar juntos para construir o futuro comum da humanidade. Por isso, sugeríamos a busca de meios de organização e de cooperação, concretos e práticos, para pôr em comum os recursos disponíveis e realizar, assim, uma verdadeira comunhão entre todas as nações” (PP, 43).
A amizade entre os povos promove a possibilidade de acordos bilaterais ou multilaterais, supera ressentimentos vindos do passado, estimula a promoção de programa de colaboração mundial, elimina a desconfiança (cf. PP, 52); a amizade entre povos possibilita a solidariedade mundial, as relações internacionais, a consciência de interdependência, o cuidado com aquilo que é comum… (cf. PP, 65).
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- O que significa para você o primeiro parágrafo da Gaudium Et Spes?
- Qual é a relação entre Amizade Social e a missão da Igreja?
- Por que o desenvolvimento integral dos povos pressupõe a experiência de amizade nas relações internacionais?
Artigos Anteriores
DOM ANTÔNIO ASSIS – Educação católica: princípios de fidelidade da educação católica (parte 4).
EDUCAÇÃO CATÓLICA: PRINCÍPIOS DE FIDELIDADE DA EDUCAÇÃO CATÓLICA (Parte 4) Introdução A Igreja Católica se interessa pela educação porque ela faz parte do processo de evangelização. Como já refletimos no primeiro artigo desta série, não existe profunda evangelização...
Dom Antônio Assis- Educação Católica: a identidade do educador (Parte 3)
Educação Católica: a identidade do educador (Parte 3) Introdução Refletindo sobre o binômio inseparável “evangelização e educação” nos deparamos com sérias consequências que devem caracterizar a educação católica. Sem esse cuidado não seremos capazes de...
Dom Antônio Assis: “Evangelizar educando e educar evangelizando – um binômio inseparável” (Parte 2).
"Evangelizar educando e educar evangelizando": um binômio inseparável (Parte 2) Introdução Continuemos a nossa reflexão sobre a relação entre Evangelização e Educação. Na primeira reflexão apresentamos a justificativa pela qual a Igreja se interessa pela...
Dom Antônio Assis: EVANGELIZAÇÃO E EDUCAÇÃO Parte 1
EVANGELIZAÇÃO E EDUCAÇÃO - Parte 1 Introdução Neste ano a Igreja do Brasil é chamada a renovar a sua atenção para com a educação. Temos dois fortes motivos que nos convidam a essa atitude. De um lado, temos a Campanha da Fraternidade deste ano que terá como...
Dom Antônio Assis: A importância da Cultura Projetual
A importância da Cultura Projetual Introdução Chegando ao final de mais um ano e ao nos aproximarmos de outro, reflitamos juntos sobre o tempo. Corremos o risco de pensar que o "tempo" é uma realidade concreta, objetiva, material da qual podemos dispor e...
Dom Antônio Assis: O NATAL E A FAMÍLIA
O NATAL E A FAMÍLIA Introdução Há uma íntima relação entre a celebração do Natal do Senhor e a família. Não devemos nos deixar cair na tentação de celebrar o Natal sem pensar no contexto em que nasceu o Salvador da humanidade. Não devemos centrar o nosso olhar na...
Dom Antônio Assis: MUITO ALÉM DO NATAL: A PARÓQUIA E SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL
MUITO ALÉM DO NATAL: A PARÓQUIA E SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL Introdução No artigo anterior refletimos sobre a realidade da pobreza em nossa sociedade e as diversas manifestações da sensibilidade típica do tempo do Natal. Elas são positivas, boas, ajudam, mas...
O Natal, os Pobres e a missão da Igreja
Introdução A cada ano, na proximidade da festa do Natal do Senhor, muitas pessoas e instituições despertam do sono da indiferença e, em poucos dias, querem forçosamente, sanar suas dívidas para com os mais pobres e sofredores. Também o mesmo pode acontecer com...
Pistas para a vivência do Tempo do Advento
Introdução A liturgia Católica é muito rica e dinâmica! Cada tempo litúrgico apresenta aos fieis uma oportunidade para o crescimento espiritual e moral. O crescimento na profundidade da fé em Jesus Cristo, por seu dinamismo próprio, estimula o fiel a qualificar...
A importância do Dízimo
Introdução No mês de novembro a Igreja no Brasil estimula os seus féis a uma especial reflexão sobre o dízimo. A palavra dízimo quer dizer a décima parte de alguma coisa, ou dez por cento. Na Bíblia o dízimo é a décima parte dos bens que cada família produzia e que...
Dom Antônio: ASSEMBLEIA ECLESIAL DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE
Introdução De 22 a 28 de novembro deste ano, no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, vai acontecer a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Esse evento foi convocado pelo Papa Francisco e vai procurar responder uma questão fundamental: quais...
Dom Antônio: SEMPRE TEREIS POBRES ENTRE VÓS (Mc 14,7)
RESUMO DA MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O V DIA MUNDIAL DOS POBRES Por Dom Antônio de Assis Ribeiro - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução A Igreja Católica celebrará no próximo dia 14, terceiro Domingo de novembro, o V dia mundial dos pobres. Como...
DEFUNTOS NA TERRA, MAS CIDADÃOS DO CÉU
Por Dom Antônio de Assis Ribeiro - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução Todos os anos a Igreja Católica, movida pela fé na Ressurreição dos mortos, nos convida a aprofundar o sentido da morte, bem como, a fazer memória daqueles que nos deixaram. O...
O CÍRIO COMO EXPERIÊNCIA DE EVANGELIZAÇÃO
Introdução Aproveitando o calor do Círio 2021, que pela segunda vez não aconteceu com todo o seu dinamismo e atividades como de tradição, gostaria de compartilhar com você, caro leitor católico e devoto de Nossa Senhora, algumas questões relativas à maior festa...
O SIGNIFICADO DO MANTO DE NOSSA SENHORA
(Dom Antônio de Assis Ribeiro, SDB) Introdução A imagem de Nossa Senhora de Nazaré é revestida com um manto! A imagem demanda o manto e, o manto por sua vez, perderia o sentido sem a imagem. Mas a imagem não existiria por si mesma se não representasse a...
“O EVANGELHO DA FAMÍLIA NA CASA DE MARIA”
Introdução "O Evangelho da Família na casa de Maria" é o tema do Círio de Nossa Senhora de Nazaré deste ano (2021). Com o objetivo de ajudar os fiéis a melhor entendê-lo e a vivenciá-lo com mais profundidade, apresento neste artigo um breve comentário. O tema do Círio...
A PEDAGOGIA DE DEUS E OS DESTINATÁRIOS DA CATEQUESE NO DIRETÓRIO CATEQUÉTICO (VII Parte)
Introdução Continuemos a nossa sintética apresentação do Diretório Geral da Catequese, desta vez levando em consideração a terceira (a pedagogia da fé), a quarta (os destinatários da catequese) e a quinta parte (a Catequese na Igreja Particular) desse documento. O...
A IDENTIDADE DA CATEQUESE NO DIRETÓRIO GERAL PARA A CATEQUESE (VI Parte)
Introdução O Concílio Ecumênico Vaticano II (de 1962-1965), muito sensível às questões derivadas da evangelização, pediu a elaboração de um Diretório para a orientação da catequese em todo o mundo com o objetivo de estar a serviço do Povo de Deus contribuindo para o...
A Catequese no Catecismo da Igreja Católica (V Parte)
Introdução O Catecismo da Igreja Católica (CIC) que é uma exposição sistemática da doutrina Católica publicado no ano de 1992. A apresentação do seu conteúdo está organizado em quatro partes, a saber, a fé professada (a explicação do Credo), a fé celebrada (a...
A CATEQUESE NA COMUNIDADE CATEQUIZADORA (Parte IV)
Introdução A quarta parte do documento Catequese Renovada (N. 281-319) nos apresenta a catequese como itinerário de educação à fé, profundamente inserida na vida da Comunidade. A Catequese não é uma atividade fragmentada e nem deve ser considerada um compromisso à...