Por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá – PA
A Campanha da Fraternidade 2023 cujo tema é a fome lembra-nos o dever para fazer múltiplos gestos de caridade em favor das pessoas que sofrem com este flagelo no Brasil e no mundo. A caridade é uma palavra latina: caritas-atis, cujo significado é o amor que une os seres humanos com Deus[1]. A caridade faz a pessoa abrir-se ao outro que mais sofre que a pessoa por estar em condições dignas de vida para assim prestar-lhe ajuda, amor. A fome impulsiona-nos ao desafio constante para a ação, porque não é possível permanecer parado diante do grito da realidade brasileira, sabendo que a ordem de Jesus é: Dai-lhes vós mesmos de comer (Mt 14,16). A caridade é também a assunção da dimensão social da fé que exige atitudes caritativas na busca de soluções para o drama da fome.
O coração do Bom Pastor[2].
Jesus foi o bom Pastor que esteve sempre ao lado dos pobres, das multidões abandonadas pelas suas lideranças. O seu coração pulsava o amor para com todas as pessoas, sobretudo as mais abandonadas. Os evangelistas falam que ele sentia compaixão ao ver a situação das pessoas e das multidões, pois não tinham uma liderança como Jesus para se agarrar e ser orientado com amor (Mt 14,14; Mt 15, 32; Lc 7,13). Vemos Jesus como o Bom Pastor que dá a vida pelas ovelhas, diferentemente do mercenário que ao ver o lobo chegar, abandona as ovelhas porque ele não se importa com as ovelhas. Mas Jesus é o bom Pastor que conhece as ovelhas e as ovelhas o conhecem (Jo 10,11-12). Ele nos ensina a sermos bons pastores no mundo de hoje.
A mobilização dos discípulos de Jesus.
Jesus mobilizou os seus discípulos para uma ação pontual que resolvesse a questão da comida, não fosse a partir da lógica do dinheiro, da indiferença, mas a partir da lógica de Jesus e do seu Evangelho[3]. Nós temos como objetivo geral da Campanha da Fraternidade 2023 a sensibilização da sociedade e da Igreja para o enfrentamento do flagelo da fome, do qual sofre uma multidão de irmãos e irmãs através de compromissos que transformem a realidade a partir do Evangelho de Jesus Cristo[4]. Se ontem o Senhor Jesus mobilizou os seus discípulos para ações concretas de caridade, na realidade atual ele impulsiona a cada um de nós para trabalharmos pelo bem de todas as pessoas, sobretudo as famintas.
A palavra de Deus e eucaristia ajudam-nos a agir pela solidariedade.
A participação da pessoa cristã à comunidade possibilita à unidade da vida com a palavra de Deus e com a eucaristia, como pontos fundamentais para uma existência de seguimento a Jesus Cristo e à Igreja. Tudo faz-nos lembrar que o pão é para todos, não simplesmente para algumas pessoas. É decorrente disso a oração do Pai Nosso quando nós nos voltamos ao Pai do céu como Criador de todas as coisas e pedimos para que o seu Reino venha e faça-se sempre a sua vontade. Na segunda parte nós pedimos o pão de cada dia para que ele não falte a ninguém, bem como o perdão de nossos pecados e também para que nós perdoemos os outros. A medida que a pessoa, o fiel segue ao Senhor pela Palavra de Deus e pela eucaristia também vive a solidariedade junto aos outros, sobretudo com pessoas famintas e pobres.
A Campanha da Fraternidade e a caridade.
A Campanha da Fraternidade estimula a práticas de caridade, porque é próprio da pessoa fiel viver o amor aos outros. A relação com Deus, para ser verdadeira passa pelo amor ao próximo. O Senhor Jesus Cristo nos disse que somos chamados a amar-nos uns aos outros (Jo 13,34). Ainda o Apóstolo São João diz que quem ama a Deus, mas não ama o próximo, o seu amor é mentiroso, porque se não ama o irmão que vê, como pode amar a Deus a quem não vê? (1 Jo 4,20). A caridade é fundamental diante da realidade da fome. As pessoas passam por dificuldades de comer, de modo que a ajuda na comida ou em políticas públicas é essencial. A indiferença ou a omissão seriam coisas que não ajudariam em nada diante da possibilidade da caridade a ser percebida pela realidade da fome.
A caridade é o distintivo do discipulado do Senhor.
A caridade faz a pessoas seguir a Jesus Cristo. Ele deu a sua vida pela salvação da humanidade. Ele também disse que quem quiser salvar a sua vida vai perdê-la mas quem a perde por causa de Jesus a encontrará (Mt 16,25). É preciso perder algo de si mesmo para o bem das pessoas que passam fome. Quando se tem amor pelos pobres como Jesus teve na evangelização (Lc 4, 18), tudo tem sentido na ajuda aos famintos e famintas. É o amor-caridade[5] que faz a pessoa sair de si mesma para ir ao encontro de quem passa fome ou possui a necessidade para comer.
A caridade em vista do julgamento final.
Jesus afirmou o julgamento final será sobre ações concretas feitas em nome dele ou não realizadas em nome dele. A caridade será o ponto fundamental porque ele estava com fome e as pessoas deram de comer, ele estava com sede e as pessoas deram de beber. Os justos e as justas até ficarão surpresos com o convite para participar do Reino de Deus, porque eles e elas se perguntarão quando é que foram realizadas as coisas, quem sabe irão até recordá-las, por serem ações humanas, necessárias, porque viram um faminto pedir comida ou um pão, e a pessoa deu-os com maior alegria e amor. No entanto naquela pessoa não era apenas um necessitado que vinha socorrido, mas era o próprio Cristo que foi dado a ajuda de modo que ele dirá foi a mim o fizestes ou a mim, não o fizestes, no caso da recusa (Mt 25,40;45).
Ações de misericórdia
A Campanha da Fraternidade aponta para ações caritativas, ações de misericórdia, nas quais se fará o julgamento final das pessoas e dos povos. É impossível não fazer coisas boas diante da realidade brasileira da fome. Muitas paróquias, comunidades estão fazendo obras de amor, de caridade, de misericórdia. As iniciativas são muitas pela pastoral da caridade, do pão. Isto torna a pessoa mais solidária com os sofredores desta vida. É claro que nós também desejamos políticas públicas que fazem as pessoas necessitadas de pão, que estão com fome, poderem um dia ter um emprego, vida digna para assim prosseguir a vida humana e cristã.
A caridade jamais acabará.
São Paulo disse que a caridade jamais acabará (1 Cor 13,8). Na verdade tudo passa neste mundo, mas a caridade permanece para sempre porque Deus é amor (1 Jo 4,8). Ela nos une a Deus e aos irmãos e irmãs, sobretudo as sofredoras. A ajuda dada fica na lembrança das pessoas não só de quem ajuda mas também da pessoa ajudada. A caridade é a maior das virtudes teologais que faz o ser humano abrir-se para o outro, diante da situação de fome pelo qual ele passa. Tudo é medido pela caridade demonstrada para com os outros e para com Deus.
Dimensão social da fé.
A caridade alarga a visão pela fé demonstrada para com Deus, pois ela dá o realce à dimensão social da nossa crença em Deus. A pessoa vê o sofrimento da fome de milhares de pessoas de modo que ela se torna solidária, ajuda os outros, supera o egoísmo, pois colabora com a graça de Deus em melhorar o mundo, a sociedade. A relação com Deus é fundamentada pelo amor aos outros. A Doutrina Social da Igreja tem presente à dimensão social da fé, porque ela possibilita a caridade a ser feita sempre mais, pois o Senhor está na vida das pessoas, nos pobres e nas pessoas famintas.
Nós somos chamados a viver a graça da caridade neste tempo da Quaresma e da Campanha da Fraternidade 2023, na realidade atual diante do problemática da fome para que o mundo se torne melhor com nossas ações e o Deus Uno e Trino seja glorificado.
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[1] Cfr. Carità. Il Vocabolario Treccani. Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 272.
[2] Cfr. CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023. Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2022, pg. 80.
[3] Cfr. Idem, pg. 80.
[4] Cfr. Idem, pg. 09.
[5] Cfr. Idem, pg. 81.