Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Introdução

Na Igreja, mesmo se não somos todos líderes e com funções de coordenação, somos servidores. Mas liderar os outros é servir. É uma das mais significativas e exigentes formas de serviço eclesial. Para bem entendermos o dinamismo do serviço de liderança é importante considerarmos a sua dimensão teológica. A teologia do serviço nos leva a olhá-lo na perspectiva da fé que, naturalmente traz consigo consequências próprias.

A teologia do serviço está intimamente ligada ao dinamismo das virtudes teologais, a fé, a esperança e a caridade. Na teologia do serviço, somos todos servos, pois só Jesus Cristo é o Senhor! Todo poder e autoridade lhe foram dados por Deus Pai (cf. Mt 20,18).

Somos todos convocados então a fixar os nossos olhos nas atitudes de Jesus Cristo enquanto líder servidor promotor do Reino de Deus. Logo, podemos dizer que toda e qualquer atitude que não se harmoniza com a mentalidade e o dinamismo da liderança de Jesus, deve ser evitada.  Portanto, quem se voluntaria para servir na Igreja, mas não tem fé, vai promover desgraças, sendo movido pela vaidade, prepotência, busca dos próprios interesses, negligência, autorreferencialidade etc.

 

  1. O horizonte teológico do serviço na Igreja

Para a Igreja, “serviço” é o termo que designa a totalidade das nossas atitudes de fé e amor em relação a Deus e ao próximo. Por isso, diz a Sagrada Escritura: “Quem é Apolo? Quem é Paulo? Apenas servidores, através dos quais vocês foram levados à fé; cada um deles agiu conforme os dons que o Senhor lhe concedeu. Eu plantei, Apolo regou, mas era Deus que fazia crescer. Assim, aquele que planta não é nada, e aquele que rega também não é nada: só Deus é que conta, pois é ele quem faz crescer. Aquele que planta e aquele que rega são iguais; e cada um vai receber o seu próprio salário, segundo a medida do seu trabalho” (1Cor 3,5-8).

Mais ainda, completa São Paulo: “Que os homens nos considerem como servidores de Cristo e administradores dos mistérios de Deus” (1Cor 4,1). Aqui não se fala de cargos; essa é uma questão secundária! O autor está falando para o povo em geral. Trata-se antes de tudo, de testemunho de vida, de dedicação aos outros, ou seja, de testemunho da fé que se faz abertura e testemunho de vida.

Serviço para quem tem fé é, antes de tudo, testemunho da Caridade. Não é cargo, função específica, missão delegada por alguém. É o dinamismo que brota da fé! É a prática do amor ao próximo que se traduz em gestos e atitudes de acolhida incondicional, perdão, promoção da justiça, cuidado, educação, escuta, acompanhamento… boas iniciativas! Serviço é muito mais que função!

O dinamismo da nossa fé não deve cair num aprisionamento funcionalista. Muitos na Igreja, perdendo seu cargo, já a abandonaram. Mas porque não tinham fé e nem entenderam a relação entre fé, serviço e cargo. Na perspectiva da fé, somos chamados a viver servindo, a ser servidores! Isso é muito mais que uma questão funcional, é vocacional. Nesse horizonte vocacional, seguindo a Cristo promovendo o Reino de Deus, formamos um Reino de Sacerdotes para Deus, ou seja, de pessoas que gratuitamente O servem através do testemunho da Caridade na terra (cf. Ap 1,8;5,10).

 

  1. O serviço vem antes das funções

A consciência vocacional de sermos servidores do Senhor, é a condição fundamental para vivência do sentido da vida e de qualquer responsabilidade que assumimos na Igreja. Portanto, “Servir” é manifestação de subjetividade, liberdade, responsabilidade, generosidade, abertura ao sacrifício; servir implica descentralização, saída de si, ir ao encontro do outro, des-concentrar-se, des-envolver-se (sair do fechamento pessoal). Quem serve nessa perspectiva sempre cresce. Isso é um desafio para todos nós!

“Servir” é um ato de obediência ao amor que nos pede disponibilidade e abertura despretensiosa.  O ato de servir da Igreja, como expressão de consciência vocacional, nos descortina a profundidade da experiência do voluntariado, da gratuidade, bondade, magnanimidade, generosidade.

Na vida comunitária somos chamados a experimentar não só a gratuidade, mas também quando possível, a reciprocidade no servir! Recordemos a atitude de Simão Pedro que não queria ser servido, mas só servir (cf. Jo 13,14-11), as duas atitudes (servir e ser servido) requerem senso de humildade! Não é bom impedir o outro de nos servir quando o quer fazer de bom grado e com boa consciência. Jesus educa a Pedro! Essa reciprocidade nos alerta para o necessário revezamento no serviço: renúncia, deixar cargos, colocar-se de lado… ser somente um “bom cirineu”. O discípulo de Jesus, desapegado de si, coloca-se a serviço dos outros e torna-se servo de Cristo honrado por Deus Pai (cf. Jo 12,25-26). Viver é servir!

A experiência do servir é para toda a nossa existência, mas nem sempre do mesmo modo, e nem com a mesma dinâmica. Somos chamados por Deus a servir segundo a nossa condição existencial: de idade, saúde, maturidade, formação, contexto de vida, meios que temos e condicionamentos vários, etc. “Cada um dê conforme decidir em seu coração, sem pena ou constrangimento, porque Deus ama quem dá com alegria” (2Cor 9,7). Para os idosos, vejamos o exemplo da idosa profetisa Ana: a oração! (cf. Lc 2,36).

 

  1. Algumas atitudes da teologia do serviço
  • Servir de todo o coração: “Quanto a você, Salomão, meu filho, reconheça o Deus do seu pai e o sirva de todo o coração e com generosidade de espírito, pois Javé sonda todos os corações e penetra todas as intenções do espírito” (1Cr 28,8-9; Dt 10,12). O coração é a sede dos sentimentos, da interioridade da pessoa, sua consciência… Servir de todo o coração significa servir com a mais consciente dedicação, generosidade, paixão…
  • Servir com inteligência: Davi passando seu poder e autoridade para seu filho Salomão lhe diz: “Basta que Javé lhe conceda bom senso e inteligência para governar Israel, cumprindo a lei de Javé, seu Deus” (1Cr 22,12). Onde há amor para servir deve haver também inteligência (cf. Sl 136,5). Isso significa que a boa qualidade do serviço de liderança não combina com a ingenuidade, mas requer sabedoria e discernimento.
  • Servir com alegria: “Sirvam ao SENHOR com alegria” (cf. Sl 100,2). “Não sirvam somente quando vigiados ou para que os homens os elogiem, mas sejam como servos de Cristo, que cumprem de todo o coração a vontade de Deus. Sirvam de bom grado, como se servissem ao Senhor, e não a homens. Vocês sabem que cada um, escravo ou livre, receberá do Senhor o bem que tiver feito” (Ef 6,6-8); os apóstolos testemunhavam estar cheios de alegria e do Espírito Santo (cf. Atos 13,52). Na Exortação Apostólica “Evangelium Gaudium”, o Papa Francisco nos diz que a evangelização é um caminho e serviço marcado pela alegria! (cf. EG, 1). “Não deixemos que nos roubem a alegria da evangelização!” (EV, 83). Em nome de Deus não se deve servir murmurando!
  • Servir com zelo generoso: “O Senhor cuida daqueles que o amam” (Eclo 34,16). “Como um pastor, ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos no colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam» (Is 40,11); “Quanto ao zelo, não sejam preguiçosos; sejam fervorosos de espírito, servindo ao Senhor. Sejam alegres na esperança, pacientes na tribulação e perseverantes na oração. Sejam solidários com os cristãos em suas necessidades e se aperfeiçoem na prática da hospitalidade” (Rm 12,11-13). A dinâmica e as modalidades do servir a Deus e aos irmãos, que brotam da fé e do amor, não tem fronteiras. Somos mesquinhos quando, por medo ou comodismo, reduzimos nosso horizonte de serviço à pura atribuições técnicas perdendo a espontaneidade do amor, a criatividade e a sensibilidade para com as circunstâncias (cf. Lc 10,25-36).

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que você entendeu sobre a “teologia do serviço”?
  2. O que significa dizer que o serviço vem antes das funções?
  3. Qual dessas atitudes da teologia do serviço mais lhe chama a atenção?