Introdução
Por se tratar de um evento eclesial, o Sínodo sobre a Pan-Amazônia não deverá deixar de refletir sobre a questão da formação sacerdotal e subtemas relativos. A Igreja Católica na Amazônia sofre pela falta de sacerdotes que possam se fazer presentes na vasta área geográfica, dessa escassez, decorrem muitas consequências. Portanto, esta é uma ocasião mais que propícia para se fazer uma profunda e ampla reflexão sobre esse assunto, em vista de respostas mais consistentes e adequadas. Esse não é um tema extraordinário, mas ordinário para a vida de todas as prelazias e dioceses da Amazônia.
- Deus promete bons pastores
«Dar-vos-ei pastores segundo o Meu coração» (Jer 3,15). Com estas palavras através do profeta Jeremias, Deus promete ao seu povo que jamais o deixará privado de pastores capazes de servir de acordo com o seu coração. Os maus pastores põem as ovelhas a perder-se por causa das suas atitudes negligentes, interesseiras, insensíveis, agressivas, arrogantes… (cf. Ez 34,1-17).
Ao contrário, os bons pastores tem, como máxima preocupação, o cuidado com o rebanho, reunindo, alimentando, protegendo, guiando. Outras preocupações são consequências dessa opção fundamental: cuidar! Essa promessa divina é insistente: «Eu estabelecerei para elas (as minhas ovelhas) pastores, que as apascentarão, de sorte que não mais deverão temer ou amedrontar-se» (Jer 23,4).
Semelhante promessa encontramos também no profeta Ezequiel quando Deus contempla as consequências dos maus pastores oprimindo o povo: “procurarei aquela que se perder, trarei de volta aquela que se desgarrar, curarei a que se machucar, fortalecerei a que estiver fraca”; “vou salvar as minhas ovelhas, e elas não serão mais presa fácil…”; “providenciarei um só pastor para cuidar das minhas ovelhas” (Ez 34,16.22-23).
- A promessa divina e a ação da Igreja
Na Exortação Apostólica pós-sinodal “Pastores dabo vobis”, o papa São João Paulo II refletiu largamente sobre essa promessa divina e apontou sérias diretrizes para a formação sacerdotal nas atuais circunstâncias do mundo. Esse documento é uma referência fundamental para a gestão do processo formativo daqueles que aspiram ao sacerdócio na Igreja Católica. Não serve qualquer um e, “qualquer um”, não serve como convém!
O versículo de Jeremias, “pastores dabo vobis” = “eu vos darei pastores”, com o qual se abre o referido documento, é profundamente estimulante, pois nos diz que Deus não deixará seu povo no abandono, sem bons pastores, sem bons sacerdotes e bons líderes!
Essa promessa, por ser divina, tem validade para todos os tempos e contextos. Portanto, ela é válida também para a Amazônia que sofre profundamente por falta de sacerdotes. Mas o acento da profecia não é sobre o aumento dos pastores, mas sim o envio de bons pastores (qualidade) que atuem segundo o coração divino, o dono da messe. Significa pastores capazes de compaixão pela promoção do rebanho que exige plena dedicação.
Portanto, a meu ver, o Sínodo sobre a Amazônia deverá antes de tudo, avaliar o perfil dos nossos sacerdotes. Sobre isso tem a palavra o nosso povo! Qual diocese e prelazia já fez isso? O que atualmente o povo diz dos nossos sacerdotes e de nós bispos? Sem essa sincera avaliação, corremos o perigo de conservar vícios e atitudes profundamente avassaladoras. Não basta aumentar o número, é preciso conversão, renovação, paixão apostólica!
É justamente nesse ponto que a Igreja é chamada em causa! Não devemos esperar! A Igreja Católica com as suas mais variadas instâncias organizativas e institucionais, é quem deverá se esforçar para que essa profecia se cumpra em todos os contextos (ribeirinho, caboclo, indígena e quilombola), no campo e na cidade.
Ela está em sintonia com a oração de Jesus, quando disse: «A colheita é grande, mas os trabalhadores são poucos! Por isso, peçam ao dono da colheita que mande trabalhadores para a colheita» (Mt 13,27-38).
- Nossa responsabilidade formativa
A promessa divina continua, mas devemos incessantemente assumir a nossa responsabilidade pelo perfil da formação de novos sacerdotes para a evangelização na Amazônia. Somente levando em contas as atuais demandas, com seus próprios, e dos mais diversificados desafios (clima, distâncias, comunicação, culturas, isolamento, pobreza…) é que poderemos, com precisão rever o perfil da formação sacerdotal.
Fico profundamente preocupado quando vejo um padre jovem, com poucos anos de sacerdócio, sendo rejeitado pelo povo por causa das suas atitudes de arrogância, autorreferencialidade, centralizadora, depreciadora dos leigos, envolvido em fofocas, afetivamente frio, isolado, sem senso de comunhão com o Plano Pastoral da (arqui)diocese e nem com o presbitério; acomodado, cansado, doutrinalista, distante dos mais pobres, moralista e perfeccionista na liturgia. Este tema, muito sugestivo e inquietante, é algo para ser questionado e refletido com sinceridade: qual é o perfil dos sacerdotes-pastores que o povo amazônida deseja?
Os padres sinodais nesta sublime ocasião são chamados a refletir sobre o perfil do futuro da Igreja na Amazônia. Não adianta soltarmos gritos contra os problemas sociais, quando na base a nossa missão está fria, o povo se dispersando, com a fé adormecida ou acomodada! Sem presença no meio do povo, o nosso rebanho se dispersa! “Não é do rebanho que os pastores deveriam cuidar?” (Ez 34,2). “Esperamos em novo Pentecostes que nos livre do cansaço, da desilusão, da acomodação ao ambiente; esperamos uma vinda do Espírito que renove nossa alegria e nossa esperança” (D.AP, 262).
- Um sacerdócio com o rosto amazônico
Trata-se de um tipo que seja profundamente encarnado no mundo amazônico; e quem melhor do que os próprios filhos da terra com suas sensibilidades, estilos de vida, linguagem, valores… MAS, com uma condição “sine qua non”: se forem bem formados!
Um sacerdote que vá ao encontro das pessoas, que sinta empatia com a psicologia dos povos amazônicos, marcados pela simplicidade, afetividade, serenidade, resistência, capacidade de adaptação, senso coletivo e comunitário, capacidade de convivência, paciência, firmeza de ânimo, capacidade de esperar, espírito de liderança e iniciativa…
Um sacerdote capaz de aproximação psicológica e afetiva. Onde há um líder religioso próximo ao povo e que sabe se relacionar com ele, esse deixa profundas marcas no coração de sua gente, promovendo assim sintonia, comprometimento com a missão… Os povos amazônicos gostam de sentir os seus líderes próximos!
Um sacerdote equilibrado, aberto, rico de capacidade de relações humanas, com visão pastoral empreendedora e criativa; um sacerdote portador de profunda paixão pela Palavra de Deus para poder estimular a mesma paixão no povo tão vulnerável por causa da ignorância bíblica; um sacerdote missionário, capaz de sobriedade e adaptabilidade em qualquer contexto amazônico; um sacerdote capaz de valorizar os leigos, formá-los e respeitá-los em sua vocação e missão; um sacerdote portador de profundo senso de amor à Igreja, capaz de obediência e comunhão.
Os bispos e formadores em cada seminário devem continuamente se questionar sobre qual perfil de sacerdote estão formando e estimulando. Os seminários devem ser laboratórios da promoção do perfil do sacerdote-pastor que o povo amazônico deseja e de acordo com cada realidade local. E o próprio clero deve ser envolvido!
A formação humana deve ser sempre a base fundamental da preparação sacerdotal visando a promoção de uma personalidade equilibrada, proativa, sensível, generosa, comunicativa, robusta, capaz de compaixão e entusiasmo pela missão.
A formação sacerdotal, em suas mais diversas fases deve estimular uma forte experiência de vida fraterna, comunhão e sentido de pertença à diocese e prelazia. Enfim, o estilo de vida no seminário não deve se distanciar da dinâmica de vida do nosso povo e sua cultura.
PARA A REFLEXÃO:
- O que significa ser “pastor de acordo com o coração de Deus”?
- Quais demandas atuais percebemos do povo em relação ao perfil dos sacerdotes?
- Qual deve ser o diferencial da formação sacerdotal dos padres que atuam na Amazônia?
POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB
Bispo Auxiliar de Belém - PA