Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)
“Eis o tempo de conversão, eis o dia da salvação! Ao Pai voltemos, juntos andemos! Eis o tempo de conversão! Os caminhos do Senhor são verdade, são amor, dirigi os passos meus, em vós espero, ó Senhor! Ele guia ao bom caminho quem errou e quer voltar, ele é bom, fiel e justo, ele busca e vem salvar. Viverei com o Senhor, ele é o meu sustento, eu confio, mesmo quando minha dor não mais aguento! Tem valor aos olhos seus meu sofrer e meu morrer, libertai o vosso servo e fazei-o reviver!” Com este canto litúrgico, queremos refletir e assumir novos compromissos na Quaresma que se inicia.
O ritmo da vida cristã é marcado pelos tempos litúrgicos, com os quais o mesmo mistério de Cristo, Morto e Ressuscitado, se descortina diante dos olhos da fé, sempre rico e fecundo, de modo a alimentar todos os homens e mulheres de fé. Como numa dança sublime, este ritmo é marcado por tempos mais fortes, como acontece agora com a Quaresma que se inicia. Queremos entrar numa quarentena especial e receber o remédio advindo da penitência, revendo corajosamente os rumos de nossa existência. É oportunidade preciosa para refazer as nossas escolhas, tendo como ponto de referência o fato de que Deus nos ama de verdade. A prova é o envio de seu Filho amado, que se abaixou, visitando todas as profundezas do mistério humano, para iluminar todos os seus recantos, resgatando os que foram feitos escravos do pecado, a fim de viverem a gloriosa liberdade dos filhos de Deus. “Não percamos este tempo de Quaresma favorável à conversão! Pedimos pela intercessão materna da Virgem Maria, a primeira que, diante da grandeza da misericórdia divina que lhe foi concedida gratuitamente, reconheceu a sua pequenez (Cf. Lc 1, 48), confessando-se a humilde serva do Senhor” (Cf. Lc 1, 38; Mensagem do Papa Francisco para a Quaresma de 2016). Abre-se, pois, o caminho de preparação para a Páscoa. E Quaresma é tempo de conversão: “Convertei-vos e crede no Evangelho” (Cf. Mc 1,14-15). Todos somos convidados a renascer em Cristo com mudança de mentalidade e de atitudes.
“Ao Pai voltemos, juntos andemos! Eis o tempo de conversão!” Voltar-nos para o Pai, reconhecendo que somos filhos amados. Trata-se de acolher o abraço misericordioso do Pai, cujo olhar cheio de compaixão olha as curvas das estradas da vida, ansioso pelo retorno do filho, do qual nunca se esqueceu. Todos nós e todos juntos somos chamados a nos ajudar mutuamente no caminho de volta, pois conversão é sempre apelo atual, enquanto estivermos na peregrinação terrena.
“Os caminhos do Senhor são verdade, são amor, dirigi os passos meus, em vós espero, ó Senhor!” Um olhar honesto e reto indicará, com toda certeza, as correções de rotas a serem feitas durante a Quaresma. Uma delas será a busca da reconciliação e o exercício do perdão, sempre ajudada pelo Sacramento da Penitência, com o qual se restaura a vida marcada pelo pecado, conduzindo à vivência eucarística, pois “ele guia ao bom caminho quem errou e quer voltar, ele é bom, fiel e justo, ele busca e vem salvar”! Assim fazendo, nosso olhar será de maior esperança diante dos desafios de nosso tempo.
“Viverei com o Senhor, ele é o meu sustento, eu confio, mesmo quando minha dor não mais aguento!” Nossos pés podem ficar machucados pelas agruras das estradas. Ninguém pretenda ser suficientemente forte para enfrentá-las, pois só a graça de Deus é auxílio para enfrentar as dores físicas, psicológicas e espirituais que a vida oferece. Seguindo com Cristo sua Via Sacra, aprenderemos de novo a transformar dor em amor, oferecendo tudo, em união com o seu sacrifício, pois “tem valor aos olhos seus meu sofrer e meu morrer”. Por isso suplicamos confiantes: “Libertai o vosso servo e fazei-o reviver!”
Com este espírito de penitência e conversão, o tempo forte da Quaresma pede de todos nós três práticas de vida cristã (Cf. Mt 6,1-6.16-18). Intensificar a vida de oração, seja pessoal ou comunitária, participar da Eucaristia e procurar o Sacramento da Penitência durante a Quaresma. Depois, para educar os nossos sentidos, exercitar a mortificação, a abstinência e o jejum. Se muitas pessoas passam por processos de regimes ou dietas por motivos de saúde ou razões estéticas, nós o fazemos como caminho de educação e equilíbrio de nossos instintos e de nosso temperamento, para que este seja controlado pelo Espírito Santo. Terceira prática é a prática da caridade com os irmãos, que vai além do que muitas vezes entendemos por “esmola”.
Para isso, a Igreja Católica no Brasil inteiro realiza na Quaresma a Campanha da Fraternidade “Fraternidade e fome”, com o lema “Dai-lhes vós mesmos de comer” (Cf. Mt 14,16). A Campanha sempre trata de assuntos graves, urgentes e de interesse do bem comum na sociedade. Ela não nos dispensa de viver a Quaresma e sua Liturgia. Neste ano somos chamados a renascer na responsabilidade de prover alimento aos irmãos que passam fome. As estatísticas mostram que mais de trinta e três milhões de brasileiros sofrem fome. O objetivo geral da Campanha da Fraternidade é sensibilizar a nós, à Igreja e a sociedade para enfrentar o flagelo da fome e nos comprometer a transformar essa realidade a partir do Evangelho de Cristo. E desejamos contribuir para desvendar as causas da fome no Brasil, acolher a Palavra de Deus e nos comprometer à corresponsabilidade fraterna, investir em gestos concretos individuais e comunitários para superar a miséria e a fome, incentivar a agricultura familiar e a produção de alimentos e exigir políticas públicas de alimentação, garantindo que todos tenham vida. Tudo isso vai reforçar o espírito comunitário dos cristãos, e comprometê-los em favor da vida e reavivar a consciência da responsabilidade de cada um na construção de uma sociedade justa e solidária.
A Campanha da Fraternidade tem propostas muito concretas para cada um de nós. Aqui estão algumas, que podem ser ampliadas com nossa criatividade: Partilhar o pouco ou o muito que temos com o faminto e o necessitado; jejuar, e o que se economizou, dar aos famintos; colaborar nas campanhas de arrecadação de alimentos; abolir o desperdício de alimentos, pois o que jogamos fora faz falta na mesa dos mais pobres; fazer doação significativa no Domingo de Ramos, sabendo que sessenta por cento da coleta ficam na Arquidiocese para assistência aos pobres; cobrar Políticas Públicas contra a fome do Município, do Estado e do país; participar de projetos, como aqueles que são organizados pela Cáritas, com cozinhas comunitárias, hortas comunitárias e domésticas, envolvendo o município no fornecimento de terra própria, de mudas, de adubo orgânico; incentivar o voluntariado em ações sociais concretas contra a fome; educar para a solidariedade nas escolas, colégios e universidades; incentivar a produção diversificada e a compra direta do produtor para escolas; lembrar sempre a Palavra de Jesus: “Todas as vezes que fizestes isso a um destes mais pequenos, que são meus irmãos, foi a mim que o fizestes!” (Mt 25,40).