Por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá – PA

A Igreja compreende-se comunidade em saída e a Campanha da Fraternidade está nesta dimensão, porque Jesus multiplicou os pães, envolvendo também os seus discípulos e Ele os enviou ao mundo para anunciarem a boa nova do Reino de Deus para todos os povos (Mc 16,15). Decorrente da Palavra, que é o Mestre, a missão é fundamental na vida dos seguidores e das seguidoras do Senhor, sendo uma Igreja em busca de outras pessoas, sobretudo as mais necessitadas. Os Papas colocaram a importância da Igreja em saída para uma correspondência perfeita ao Senhor. O Papa Francisco exortou as pessoas para que a Igreja esteja em saída, missionária, indo ao encontro das pessoas, sobretudo das simples, humildes, pobres. A pessoa cristã e a comunidade hão de discernir qual é o caminho que o Senhor lhe pede, mas a todos insiste o Papa Francisco, são convidados a aceitar esta chamada para sair da própria comodidade e ter a coragem de alcançar as periferias que necessitam da luz do Evangelho[1]. São Paulo VI afirmou que a comunidade eclesial existe para evangelizar, constituindo a graça e a vocação própria da Igreja, a sua mais profunda identidade. Ela é chamada a pregar e ensinar, ser o canal do dom da graça, reconciliar os pecadores com Deus e perpetuar o sacrifício de Cristo na santa missa, que é o memorial da sua morte e gloriosa ressurreição[2].

A Campanha da Fraternidade e a Igreja em saída.

A Campanha da Fraternidade 2023 estimula todas as pessoas que acreditam no Senhor Jesus Cristo a ser uma Igreja em saída. São milhões as pessoas que passam fome. Muitas paróquias e comunidades possuem ações caritativas em favor dos pobres. A comunidade de fé vai ao encontro das pessoas pobres. Ela não só espera que as famílias necessitadas de alimento solicita-lhe ajuda, mas a comunidade mesma interessa-se para a vida das pessoas famintas, muitas vezes levando a cesta básica para o povo e a Palavra do Evangelho.

A missão de Jesus ocorreu no deserto.

Jesus assumiu a vida humana, a encarnação para redimir a humanidade. O sentido da missão ocorreu também no deserto. Ao ouvir que João Batista foi morto por Herodes, Jesus se dirigiu para um lugar afastado com os seus discípulos. Jesus desejava um recolhimento. Porém ele não conseguiu ficar sozinho porque quando as multidões souberam onde Jesus estava, saíram das cidades e o seguiram a pé (Mt 14, 13). As multidões estavam abandonadas e exploradas pelas suas lideranças políticas e religiosas de modo que elas receberam um cuidado por parte de Jesus[3]. O seu olhar foi compassivo. Jesus viu uma grande multidão e encheu-se de compaixão curando os que estavam doentes (Mt 14,14). Jesus não fugiu e nem as mandou embora, mas se encheu de compaixão por elas de modo que a sua missão ocorreria também no deserto.

A missão nas palavras dos discípulos e de Jesus.

É preciso perceber como a missão foi compreendida por parte dos discípulos e também por parte de Jesus, porque enquanto os discípulos ficaram indiferentes à situação de fome do povo, Jesus assumiu a missão naquele momento de vida e de salvação. Já sendo fim de tarde os discípulos disseram a Jesus para despedir as multidões, mas Jesus compreendeu aquele momento que não era de despedida, de modo que as pessoas não necessitavam ir embora, pois eles mesmos poderiam dar de comer (Mt 14, 16).  De fato eram duas posições em contraposição, mas aquela de Jesus dava-se na misericórdia, no amor de verdade para com uma humanidade sofredora. A missão está em unidade com o Senhor para ocorrer tudo bem, conforme a vontade de Deus. A comunidade que segue a Jesus não fica indiferente à fome no mundo[4]. Jesus nos ensina que a missão realiza-se para o bem material e espiritual do povo cristão.

Os cinco pães e os dois peixes.

A missão é dada também nos poucos alimentos que a multidão carregava para que houvesse com Jesus a abundância dos mesmos para que todos comessem do necessário. Se a quantidade era pequena, mas era tudo que tinham, Jesus agiu diante da situação ao dizer que era para trazê-los até Ele (Mt 14,18). A questão foi resolvida quando Jesus pediu aos discípulos que colocassem à disposição tudo o que tinham, apesar do pouco. A missão das poucas coisas a serviço de todas as pessoas se torna muito[5]. Os discípulos receberam a responsabilidade de curar a fome, sendo feito pela partilha, mas tudo passou por Jesus que fez o milagre, ao multiplicar os pães. Jesus tomou os cinco pães e os dois peixes, ergueu os olhos ao céu e pronunciou a benção, partiu os pães e deu aos discípulos, e os discípulos os distribuíram às multidões (Mt 14,19).

A iniciativa de Jesus.

Jesus foi o missionário por excelência do Pai. Ele veio ao mundo para nos conceder vida e salvação. Ele quer que a Igreja seja também missionária, indo ao encontro das pessoas, tomando iniciativas em favor da paz, do perdão, do amor, da superação da fome. O fato é que a fome no Brasil não é só ocasional, mas é um fenômeno social, coletivo, estrutural, reproduzido no curso ordinário da sociedade, que naturaliza a desigualdade, sendo um projeto de manutenção da miséria em vista de perpetuação no poder[6]. Jesus agiu como verdadeiro pastor diante da realidade necessitada de pão para aquela multidão.

Os sinais relacionados à última Ceia.

Os mesmos sinais que Jesus fez na multiplicação dos pães, o Senhor os assumiu na última Ceia e são também os mesmos gestos que todo o sacerdote cumpre quando está celebrando a Sagrada Eucaristia[7]. A comunidade nasce e renasce pela participação eucarística. Desta forma a vivência da comunhão com Cristo não coloca a pessoa para a passividade ou a indiferença à vida com as pessoas de uma forma cotidiana. A pessoa ao alimentar-se de Cristo, com a Eucaristia se transforma em corpo de Cristo e alimento espiritual para os irmãos[8]. Os gestos de Jesus de olhar para o céu, abençoar, repartir e distribuir são passos que a comunidade cristã é chamada a dar como vivência cotidiana, sobretudo onde tem multidões de pessoas famintas[9].

É uma Igreja sempre em saída.

As necessidades são muitas no mundo das pessoas que passam fome, de modo que o pouco que é feito com amor, ameniza a questão da problemática da fome. As pessoas buscam produtos de modo que as cestas básicas ajudam para repartir com os que passam fome, o alimento para as vidas de seus familiares. Existem iniciativas muito boas como as Cáritas diocesanas, as paróquias, as comunidades, o projeto social Santa Dulce dos Pobres ajudam muito com a distribuição de alimentos para as pessoas famintas e moram nas ruas. É esta Igreja em saída que sempre está a acolher os mais necessitados e procura levá-los às condições melhores de vida.

[1] Cfr. https: Evangelii Gaudium: Exortação Apostólica sobre o anúncio do Evangelho no mundo atual (24 de novembro de 2013) | Francisco (vatican.va), n. 20.

[2] Cfr. https: Evangelii Nuntiandi (8 de dezembro de 1975) | Paulo VI (vatican.va), n. 14.

[3] Cfr. CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023. Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2022, pg. 20.

[4] Cfr. Idem, pg. 20.

[5] Cfr. Idem, pg. 21.

[6] Cfr. Idem, pg. 24.

[7] Cfr. Idem, pg. 21.

[8] Cfr. Francisco. Audiência Geral, 17 de agosto de 2016. In: Idem, pg. 22.

[9] Cfr. Texto-base, pg.. 22.