Por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá – PA.

A Campanha da Fraternidade 2023, da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil trata de um assunto muito importante: a questão da fome. É fundamental fazer uma análise sobre as causas da fome mas, sobretudo realizar os encaminhamentos de ações para a superação da fome no País. Ela está atingindo milhões de pessoas, muitas vezes sendo algo visível, mas que as pessoas insensíveis tornam-na invisível, sendo esta uma realidade gritante em nosso meio. É a terceira vez que a Conferência Nacional dos Bispos do Brasil a trata sendo um sinal profético, de anúncio do bem e de denúncia do mal da ganância e da miséria humanas. Nós percebemos ações boas em favor da superação da fome realizadas por muitas pessoas, Igreja católica e outras comunidades eclesiais, organizações não governamentais, instituições de caridade. É preciso agir sempre mais para que o nosso País saia da lista das nações, dos povos que passam pelo fenômeno da fome.

Toda a comunidade é convocada ao trabalho diante da fome.

Sendo um tema importante, a comunidade cristã, católica é chamada em sua realidade social a perceber a realidade da fome. Trata-se de ver pessoas que passam por insegurança alimentar, que não tem a comida ao meio dia, ou à noite, ou mesmo sofrem a fome quase que de uma forma diária. A atitude humana é a ajuda para que as pessoas tenham uma comida necessária, e encaminhá-las para um emprego para assim ter o pão de cada dia. No Pai nosso dizemos com fé, o pão nosso de cada dia dai-nos hoje sendo uma súplica ao Pai de todas as pessoas, mas também o fiel pede ao Pai, o pão de que tanto necessitamos em cada dia e em cada hora.

A atitude de Jesus Cristo.

Pelo Evangelista Mateus, Jesus viu uma grande multidão e se compadeceu dela (Mt 14,14). Estas são as atitudes que todos os discípulos, missionários, discípulas, missionárias são chamados a assumir, pois quando se vê a realidade onde milhares de pessoas passam por fome, não existe a indiferença, mas a compaixão a exemplo de Jesus para com a grande multidão que estava com fome. O fato é que milhares de pessoas não sabem quando terão a próxima refeição. Desta forma é preciso ver a realidade que nos cerca como Jesus a viu, pela compaixão e pela ação.

O direito humano à alimentação.

O texto-base da CF 2023, da CNBB, tem presentes os direitos humanos, e dentre eles o direito à alimentação básica, em vista de uma vida digna, à liberdade, à terra, à educação, à uma comida normal e digna[1]. A fome é uma realidade de negação da alimentação e de outros direitos humanos. O direito humano à alimentação é indispensável em vista de sua sobrevivência, na qual a pessoa não passaria pela fome para a realização de outros direitos humanos. O Estado é fundamental para a existência do direito à alimentação[2], pois ele é o garante deste direito para milhares de pessoas que moram nas nossas ruas, praças, nos centros das cidades, nas suas periferias, e também nos campos, nas águas e nas florestas. Se nós manifestamos a nossa fé em Deus Uno e Trino, é também importante afirmar que a fé nos aponta para os irmãos e irmãs que passam por necessidades alimentares, corporais.

O porquê da fome.

São muitas as justificativas que levam as causas da fome no Brasil. Uma das primeiras causas relacionam a estrutura fundiária, a ocupação da terra de uma forma irregular pelo favorecimento da concentração de terras no poderio de poucas pessoas, na qual urge uma redistribuição justa da terra[3]. Se as famílias não têm um pedaço de terra para plantar o milho, a mandioca, a verdura, e outras sementes que resultarão em alimentos bons, passam por dificuldades, pela fome, porque não têm meios ou dificuldades, para adquirir as coisas para comerem com as pessoas próximas. Outra questão que possibilita a fome no Brasil é o desemprego[4]. São milhares de pessoas que não tem emprego ou possuem um trabalho passageiro, de modo que não conseguem garantir periodicamente o pão de cada dia para si e para os seus familiares. Outra causa é escassez de água[5]. Se a água é dom de Deus, as pessoas são chamadas a preservação do dom de Deus que é água. A falta da mesma gera a fome. A fome e a falta de água andam juntas , porque a insegurança alimentar leva à insegurança na falta de água. As nascentes e as águas necessitam de preservação para gerar alimentação e vida.

A dimensão social da fé.

Sendo pessoas que participamos da comunidade cristã, ouvimos a Palavra de Deus, comungamos ou sacramentalmente ou espiritualmente, somos chamados a atuar no mundo de hoje para amenizar a questão da forme. É a dimensão social da fé, que leva a todos nós até Deus mas é preciso atuar no mundo de hoje. O amor a Deus passa pelo amor ao próximo como a si mesmo. O Pai deve ser glorificado pelas ações boas que os seus discípulos e discípulas realizaram no mundo de hoje (Mt 5,16). Quando a pessoa acredita em Deus, trabalhará ainda mais pelo bem da humanidade, pois Deus mesmo é glorificado pela ação de seus discípulos e discípulas.

A política e a fome.

A fome poderia ser resolvida quando a política for vista como bem comum, dado para todas as pessoas. Nos anos de 1990, Herbert de Souza afirmava que a situação dos famintos era uma questão política, dizendo que a alma da fome é a política[6]. Quando existirem a valorização de políticas públicas por parte dos governos, às situações de pessoas mais vulneráveis irão melhorar. É claro que existem diversas políticas que ajudam os pobres a irem para frente mas é preciso boa vontade da parte das autoridades para que todos vivam bem e com dignidade. Existe o silêncio em todos os sentidos da fome, parecendo algo que incomoda quando se fala da realidade da fome, como o Papa Francisco afirma em seus documentos. Se a fome é criminosa, a alimentação é um direito inalienável[7].

A educação familiar e a fome.

A educação familiar é básica na vida humana porque é na família que a pessoa aprende os hábitos de alimentação saudável, o lugar da partilha, a valorização da solidariedade, a fraternidade e a superar a indiferença pelo exemplo dos pais, dos avôs e das avós[8]. Na escola os estudantes aprofundarão estes valores. O texto base coloca que o Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) é uma das melhores políticas públicas no combate à fome e à insegurança alimentar, porque para milhões de estudantes terão a única refeição do dia de modo que é essencial incentivar esta política pública em favor de todos os estudantes que passam pela realidade da fome[9].

Dai-lhes, vós mesmos de comer (Mt 14,16).

Foi a ordem de Jesus diante do pedido dos discípulos para que o Senhor despedisse a multidão faminta. Os discípulos viram que entre a multidão havia alguma coisa para comer, cinco pães e dois peixes. Jesus fez o milagre da multiplicação dos pães e dos peixes, tomando-os, abençoando-os e distribuiu-os aos discípulos e os discípulos à multidão. A ordem de Jesus estimula a todas as pessoas para fazerem ações para o bem das pessoas famintas, seja pela participação das pessoas famintas em políticas públicas, pelo incentivo ao emprego, a ter uma renda para ajudar as famílias a ter o necessário para a sua subsistência, seja também com obras de caridade, de amor. È a responsabilidade mútua onde compaixão e ação andam juntas pela palavra de Jesus de dar de comer a quem tem fome[10].

A palavra de Deus.

A vivência da palavra de Deus estimula-nos à vivência de ações concretas. A palavra divina, como dizia Bento XVI ilumina a existência humana[11], pois ela objetiva caminhos de paz e de amor. A Igreja coloca-se a serviço do Evangelho de Jesus Cristo para ouvir a sua voz que clama pelas pessoas famintas no momento atual e a realizar ações de paz e de amor. A palavra de Deus leva as pessoas à conversão de vida, de modo que será sempre importante fazer indagações a respeito da alimentação dada para muitos enquanto milhões e milhões passam fome no Brasil e no mundo. A palavra de leva à ação para o bem, para a paz e ao amor, pois a indiferença pela fome é a grande injustiça que clama aos céus, porque as pessoas, as entidades não foram sensíveis à responsabilidade mútua, social enquanto as pessoas simples, e muitas vezes pobres ajudaram com ações boas, caritativas em favor das mais, desprovidas de alimentação.

A Campanha da Fraternidade e a sua notoriedade.

A Campanha da Fraternidade 2023 aponta para a sua notoriedade, pois é realizada sempre durante a Quaresma, convocando a todas as pessoas, os cristãos, os fiéis leigos e leigas para participar do grande mutirão conta a fome, em vista de amenizar a realidade de pessoas que passam por dificuldades na alimentação. Quanto mais as pessoas forem sensíveis à realidade da fome, tanto mais serão humanas e viverão a alegria da Palavra de Deus, dando a cada uma de comer, e encontram a felicidade neste mundo e um dia na eternidade, na vida eterna.

[1] Cfr. CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023. Texto-Base. Brasília: Edições CNBB, 2022, pgs. 25-27.

[2] Cfr. Idem, pg. 27.

[3] Cfr. Idem, pg. 31.

[4] Cfr. Idem, pg. 33.

[5] Cfr. Idem, pg. 37.

[6] Cfr. Idem, pg. 44.

[7] Cfr. Francisco. Carta Encíclica Fratelli Tutti: sobre a fraternidade e a amizade social. Documentos Pontifícios, 44., n. 189. Brasília: Edições CNBB, 2020. In: CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023. Texto-Base, pg. 46.

[8] Cfr. Idem, pgs. 49-50

[9] Cfr. Idem, pg. 50.

[10] Cfr. Idem, pg. 68.

[11] Cfr. Bento XVI. Exortação Apostólica Pós-Sinodal Verbum Domini: sobre a Palavra de Deus na vida e na missão da Igreja. Documentos Pontifícios, 6, n. 99. Brasília: Edições CNBB, 2011.. In: CNBB – Conferência Nacional dos Bispos do Brasil / Campanha da Fraternidade 2023. Texto-Base, pg. 60.