Por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá – PA.
Deus criou o ser humano à sua imagem e semelhança(Gn 1,26), como dons a serem desenvolvidos na realidade do mundo e em vista da glória do Senhor. Esta unidade do homem com a mulher e da mulher com o homem alude ao desejo do próprio Criador de que o casal viva bem, junto na paz e no amor. Tudo é dado de uma forma simples e humilde o qual este processo não pode se dissolver, porque como diz a Escritura o homem deixará pai e mãe e se unirá à sua mulher e os dois formarão uma só carne (Gn 2,24). Jesus retomou o ideal e a objetividade do matrimônio na criação quando foi perguntado pelos fariseus se era permitido ao homem despedir a mulher por qualquer motivo, afirmou ele que o Criador os criou para viverem unidos, pois, o que Deus uniu o ser humano não separe (Mt 19,3-6). O casal é abençoado por Deus desde as origens no mistério do amor do Senhor Deus Uno e Trino para com a humanidade. Será muito importante ver como os padres da Igreja, os primeiros escritores cristãos elaboraram esta doutrina que ilumina as pessoas nos séculos posteriores até chegar à atualidade. O matrimônio é graça de Deus e é responsabilidade humana.
O matrimônio como unidade de duas pessoas.
O matrimônio era visto pelos padres da Igreja, como entrega de duas pessoas para uma vida em conjunto, tendo a benção de Deus para a sua unidade. Eles falaram de um acordo que foi ratificado por Deus que criou o homem e a mulher à sua imagem e semelhança (Gn 1,26). O Senhor conduz a esposa ao esposo e o esposo à esposa tendo como conseqüência as núpcias e ratificando a sua união, dada pela Igreja[1]. O princípio da unidade e da indissolubilidade estavam presentes nos padres da Igreja ganhando força a palavra do Criador destes valores cristãos ao matrimônio e o Senhor Jesus que também colocou o matrimônio no plano das origens, do Criador em vista das pessoas buscarem uma vida indissolúvel, uma só carne (Mt 19,4-5)[2]
A benção do matrimônio cristão.
Tertuliano, padre da Igreja no Norte da África dos séculos II e III afirmou a felicidade do matrimônio porque é a Igreja que ratifica a vivência de duas pessoas, une os jovens para viverem juntos sendo a imagem e semelhança de Deus (Gn 1,26). É uma espécie de hóstia eucarística, uma benção selada, que os anjos anunciam nos céus e o Senhor Deus aprovou?[3]. Tertuliano colocou a importância do casal na unidade de seus projetos e de suas vidas. Para ele seriam dois fiéis, homem e mulher unidos numa única esperança num só desejo, num único respeito, numa única vida de serviço e doação[4].
Única carne na vida e na Igreja.
Tertuliano reforçou também a unidade a partir do dado bíblico, proveniente do Senhor Jesus no qual o casal é dois numa única carne (Mt 19,6). Desta forma é uma só vida, sendo também um só espírito, onde juntos rezam, juntos se ajoelham, fazem as admoestações um ao outro, exortando-se um a outro, como também se confortam um ao outro[5].
Esta unidade na vida humana para ser uma só carne, é dada também na Igreja de Deus, no banquete do Senhor, da eucaristia, sendo também igual nas perseguições e nas consolações. O casal visita livremente os doentes, dá uma grande ajuda aos pobres. A cruz não se faz no esconderijo, a benção não é dada no silêncio na vida do casal. Ao ver e sentir estas coisas, o Senhor Jesus alegra-se, convidando-o à sua paz (Jo 14,27). Onde está o casal lá se encontra o Senhor (Mt 18,20) e onde Ele está, não há lugar para o mal[6].
O matrimônio: a união.
São Clemente de Alexandria, Padre dos séculos II e III disse que o matrimônio é a união de um homem e de uma mulher, segundo a lei, em vista do amor e da procriação. A pessoa casa com o tempo com uma pessoa que o ama e assim o casal tenha as condições para a geração de filhos e de filhas[7]. O casal é convidado a se querer bem um com o outro e também seja ciente na procriação dos filhos[8].
A superação da divisão.
São Clemente reforçava a idéia para os homens casados não buscarem a divisão com as suas próprias mulheres pela vida dos filhos e por ser uma opção que não favorece a lei do Senhor, a divisão é claro. O autor exortava para que se começasse a partir do matrimônio a mostrar em casa o valor de uma vida de santidade. É uma realidade excepcional a união conjugal, o matrimônio é uma grande graça para o serviço do Senhor no mundo[9].
A vivência da virtude e da unidade.
O autor alexandrino teve também presente na unidade do casal a vivência das virtudes, da fé, da caridade no homem e na mulher, pois se tratava do matrimônio cristão. O fato é que o mesmo Deus está em ambos, e é também para ambos, o mesmo Pedagogo, Jesus Cristo. Uma é também a Igreja, a temperança, comum é o alimento, o vínculo nupcial, um é o respiro, a vista, o conhecimento, a esperança, a obediência, o amor porque todas as coisas são iguais na unidade do matrimônio. As pessoas as quais tem comunhão de vida pelo matrimônio, terão em comum, a graça e a salvação[10].
Deus os criou homem e mulher.
Orígenes, padre alexandrino dos séculos II e III teve presente o dado bíblico de que o Senhor Deus criou o ser humano, homem e mulher, como imagem e semelhança suas, para que também crescessem, se multiplicassem, enchessem a terra e a dominassem (Gn 1,27-28). O Senhor abençoou os dois para que vivessem bem em unidade com as criaturas e com Deus[11].
A igualdade diante de Deus.
Orígenes ressaltou que a forma como Deus criou o homem e a mulher conduz a unidade do casal e à plena igualdade diante do Criador. Não existe uma superioridade de um para com o outro pelo fato de serem criaturas feitas pelo Senhor. Por isso Orígenes é contra a dominação no casal por que toda a relação com Deus seja digna pela vivência da unidade no matrimônio, uma vez que o Salvador disse que assim não são mais dois, mas uma só carne (Mt 19,21). Quando as coisas reinam no matrimônio, como a concórdia, a harmonia por parte do marido para com a mulher, e por parte da mulher com o marido, agindo em favor da unidade e da igualdade é possível que a palavra de Deus se realize no matrimônio, pois não se trará mais de dois. É Deus mesmo que une as duas pessoas em uma só, afim de que não sejam dois seres distintos, mas que vivam unidos entre si, com os outros e com Deus[12]. Para Orígenes é muito importante afirmar que quando o matrimônio respira a graça de Deus, deriva a harmonia, o amor no casal. O matrimônio constitui uma graça divina, quando não existe a instabilidade, mas quando reina a paz, dom de Deus para o mundo e para o casal[13].
O matrimônio é um dos sete sacramentos da vida eclesial. É a unidade de duas pessoas que se amam, projetam uma vida em conjunto, com a vida de filhos e filhas para assim formar uma só carne como Jesus falou aos seus discípulas, discípulos, missionárias e missionários. É preciso rezar por todos os casais, aqueles que estão bem os passam por algumas dificuldades de relacionamento, falta de emprego ou estão em segunda união. As autoridades olhem com carinho as famílias para que hajam políticas públicas em favor das mesmas. Os padres da Igreja tiveram presentes as palavras do Criador lá no início e a retomada do Senhor Jesus ao mesmo plano de unidade, de fraternidade para assim formar um só ser no mundo e um dia na eternidade.
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[1] Cfr. H. Crouzel – L. Odobrina. Matrimonio. In: Nuovo Dizionario Patristico e di Antichità Cristiane, diretto da Angelo di Berardino, F-0. Genova-Milano, Casa Editrice Marietti, 2007, pgs. 3133-3134.
[2] Cfr. Idem, pg. 3134.
[3] Cfr. Tertulliano. Alla sua sposa II, 8,6. In: La Coppia nei Padri. Introduzione, Traduzione e note di Giulia Sfameni Gasparro, Cesare Magazzù, Concetta Aloe Spada. Milano, Edizione Paoline, 1991, pg. 185.
[4] Cfr. Idem, 8,7, pg. 186.
[5] Cfr. Ibidem.
[6] Cfr. Idem, 8,8, pgs 186-187.
[7] Cfr. Clemente Alessandrino. Stromati II, 137-1-4. In: Idem, pgs. 200-201.
[8] Cfr. Idem, III, 58,1-2;, pgs. 202-203.
[9][9] Cfr. Clemente Alessandrino. Il Pedagogo, III,XI,84,1. In: Idem, pg. 203.
[10] Cfr. Idem, I,IV,10,1-2. In: Idem, pg. 205.
[11] Cfr. Origene. Omelie sulla Genesi I, 14. In: Idem, pg. 226.
[12] Cfr. Origene. Commento al Vangelo di Matteo XIV,16. In: Idem , pgs. 231-232.
[13] Cfr. Commento a 1 Cor., fr. 34e fr. 35: C. Jenkins, The Origen Citations in Cramer´s Catena on I Corinthians, JTS 9. In: Idem, pg 233.