AMIZADE NOS LIVROS SAPIENCIAIS (Parte 8)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará

Nos livros sapienciais encontramos a maioria das citações bíblicas sobre a amizade e a identidade do verdadeiro amigo. À diferença dos livros históricos, nos sapienciais não encontramos a narração de fatos sobre a experiência da amizade entre sujeitos, mas lindas reflexões com advertências, critérios, conteúdo e dinamismo da amizade.

Sem a pretensão de sermos exaustivos, queremos apenas evidenciar algumas características da experiência da amizade presentes em alguns dos livros sapienciais. No livro do Eclesiástico encontramos a maior concentração das referidas citações.

  1. Ser amigo das Virtudes

O homem que deseja ser fiel a Deus, conservando suas Palavras em seu coração e praticando os seus preceitos, é chamado a se fazer amigo da Sabedoria, dessa forma evitará ser seduzido pelo mal (cf. Pr 7,1-5). Esse mal pode se apresentar a nós também através de pessoas que espertamente desejam-se fazer nossos amigos. Mas o homem sábio é cauteloso em suas amizades (cf. Pv 12,26).

No cântico dos cânticos a bonita amada é também chamada de amiga (cf. Ct 6,3-4) que se encanta com a formosura estética e moral do seu amado e seu amigo (cf. Ct 5,16). É muito interessante essa relação íntima entre a beleza física e aquela moral. Como sempre se diz na filosofia: há uma íntima relação entre ética e estética. A estética das relações interpessoais é chamada ter um componente ético, ou seja, a paixão pelo bem. Por isso não é bem-vinda a relação entre amizade e criminalidade.

  1. A Amizade como sinal de Sabedoria

Na diversidade das citações sobre a Amizade no livro da Sabedoria e do Eclesiástico encontramos a relação entre a beleza da amizade e o sentido da vida.  Amizades autênticas contribuem para o enriquecimento das pessoas; a Amizade é uma relação que potencializa o sentido da vida e a alegria do viver.

Quem rejeita a experiência da amizade e da justiça, faz aliança com a morte (cf. Sb 1,16). “A sabedoria é um espírito amigo dos homens…” (Sb 7,6). O valor positivo da Amizade vem da sua conexão com a sabedoria e, esta por sua vez, está vinculada à verdade e a justiça. Por isso os Amigos rejeitam a murmuração e evitam a maledicência (cf. Sb 7,11). O espírito da Sabedoria é imaculado, lúcido, invulnerável, amigo do bem, sutil, livre, benéfico, amigo dos homens, estável, seguro (cf. Sb 7,22-23). Quem segue a Sabedoria pertence a Deus, o amigo da vida (cf. Sb 11, 2).

  1. Recomendações importantes

No Livro dos Provérbios encontramos várias recomendações muito significativas sobre a importância da Amizade. Quem é movido pela sabedoria detesta o perverso, mas é amigo dos justos (cf. Pr 3,32). “Quem busca amizade disfarça a ofensa; mas quem a repete afasta o amigo” (Pr 17,9). Esse versículo nos apresenta a importância da experiência da resiliência entre os amigos, que significa não levar em conta incômodos e males causados por eles, mas isso não pode se tornar um hábito, caso contrário os amigos se desgastam e se vão (cf. Eclo 22,20.22).

Apesar disso, um verdadeiro amigo ama em todas as circunstâncias (cf. Pr 17,17). Todavia, a mesma sabedoria adverte que a riqueza multiplica os amigos, pois todo mundo se faz amigo de quem gosta de dar presente e quer ser bajulado, a pobreza provoca abandono (cf. Pr 19,4-6). O texto nos adverte para a importância dos discernimento dos verdadeiros dos falsos amigos; há quem se apresente como nossos amigos somente na abundância; mas é na pobreza que a amizade se confirma.

Recomenda-se também a importância da firmeza para com os amigos como senso de educação: “O tapa do amigo é leal, mas o beijo do inimigo é mentiroso” (Pr 27,6). Isso significa que os amigos verdadeiros não ficam bajulando-se mutuamente, indiferentes aos males, mas são honestos e sinceros uns com os outros, e não pode admitir entre si a falsidade. Por causa da dimensão educativa da Amizade, “o conselho de amigo acalma o ânimo. Não abandone o seu amigo nem o amigo de seu pai” (Pr 27,8-10). “Mas quem se faz amigo dos corruptos envergonha seu pai” (Pr 28,7).

Há muitas outras recomendações valiosas e permanentes, como por exemplo: “Não troque um amigo por dinheiro” (Eclo 7,18); “Não abandone um velho amigo” (Eclo 9,10);  “O amigo não se revela na prosperidade” (Eclo 12,8);  “Faça o bem ao amigo e reparta com ele conforme suas posses” (Eclo 14,13).  Esses conselhos nos indicam o reconhecimento do valor da amizade, a importância da lealdade, a necessidade da prudência, da paciência e da prática da solidariedade entre os amigos.

  1. O perfil do verdadeiro amigo

A prudência no falar contribui para a longevidade da amizade. Por isso, recomenda-se: “Seja constante no modo de pensar e coerente na maneira de falar. Esteja pronto para ouvir e lento para dar a resposta… Falar pode trazer honra ou desonra, e a língua do homem é a sua ruína.  Não tenha fama de caluniador, nem use a língua para preparar armadilhas, porque para o ladrão existe a vergonha, e para o homem falso uma condenação severa. Evite erros grandes e pequenos, e de amigo não se transforme em inimigo” (Eclo 5,10-15). “Palavras afáveis aumentam os amigos, e fala amável encontra acolhida” (Eclo 6,5).

É preciso não ter pressa na amizade, por isso, adverte o Eclesiástico que é necessário saber escolher o confidente, pois o tempo e as circunstâncias provarão quem são os nossos verdadeiros amigos. “Tenha muitos conhecidos, mas um só confidente entre mil. Se você quiser um amigo, coloque-o à prova, e não vá logo confiando nele. Porque existe amigo de ocasião, que não será fiel quando você estiver na pior. Existe amigo que se transforma em inimigo, e envergonhará você, revelando suas coisas particulares. Existe amigo que é companheiro de mesa, mas que não será fiel quando você estiver na pior. Quando tudo correr bem, ele estará com você, mas quando as coisas forem mal, ele fugirá para longe” (Eclo 6,6-11).

“Amigo fiel é proteção poderosa, e quem o encontrar, terá encontrado um tesouro. Amigo fiel não tem preço, e o seu valor é incalculável. Amigo fiel é remédio que cura, e os que temem ao Senhor o encontrarão. Quem teme ao Senhor tem amigos verdadeiros, pois tal e qual ele é, assim será o seu amigo” (Eclo 7,15-17).

A amizade é sagrada relação de confiança; por isso o Eclesiástico nos apresenta uma séria reflexão sobre a confidencialidade; a ruptura da confiança gera a perda da amizade. “Quem revela o segredo destrói a confiança, e nunca mais encontrará um amigo íntimo. Ame o seu amigo e seja fiel a ele. Contudo, se você revelou os segredos dele, não o procure mais. Porque, assim como se perde uma pessoa que morre, da mesma forma você perdeu a amizade do seu próximo. Como pássaro que escapa da mão, você deixou escapar seu amigo, e não conseguirá mais apanhá-lo” (Eclo 27,16-19).

A amizade implica fidelidade em todas as circunstâncias: “Todo amigo declara amizade, mas existe amigo que é amigo só de nome… O companheiro se alegra com o amigo na felicidade, mas no momento da desgraça torna-se hostil. O companheiro sofre com o amigo por interesse, mas no momento da briga toma o escudo. Em seu coração não se esqueça do amigo; e não se esqueça dele quando você estiver na prosperidade” (Eclo 37,1.3-6).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Por que é importante a relação entre ética e estética na amizade?
  2. Por que a amizade é vista como sinal de Sabedoria?
  3. O que mais lhe chamou a atenção sobre o perfil do verdadeiro amigo?

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