Introdução

O profeta Oseias compartilha conosco a sua experiência da ternura de Deus. Visto que Deus é mistério, o profeta a vivenciou através do sofrimento. Todavia foi capaz de perceber o amor preveniente de Deus. Assim fala o Senhor: “Quando Israel era criança, eu já o amava…” (Os 11,1). Somos como crianças amadas e cuidadas por Deus e sem saber!

A menção ao ser criança amada nos induz a pensar que o amor de Deus é gratuito! O amor de Deus para conosco é preveniente, ou seja, que se antecipa, que chega antes, que nos surpreende; é por isso providente, dá respostas, é proativo, é dinâmico e, por isso preventivo. Nestes meses, vimos e ouvimos falar de tantos males e sofrimento. Mas Deus não nos abandonou.

     1- Deus cuida de nós

Às vezes em momentos difíceis somos tentados a dizer: “Deus me abandonou, o Senhor me esqueceu!” (Is 49,14). Era o que o povo dizia no tempo do profeta Isaías. A resposta do profeta ao povo é fantástica, apelando para a ternura divina e questionando essa atitude de enganosa acusação e verdadeira injúria por falta de fé: “Mas pode a mãe se esquecer do seu nenê, pode ela deixar de ter amor pelo filho de suas entranhas? Ainda que ela se esqueça, eu não me esquecerei de você” (Is 49,15).

Mas o mesmo também já tinha acontecido no tempo da travessia do deserto quando, enraivecido e murmurando contra Deus e Moisés, o povo acusava a Deus que o tinha abandonado para morrer no deserto de fome e sede (cf. Ex 15,23-25; Nm 11,1-6; 14,1-2). Nos momentos difíceis a nossa primeira tendência instintiva é murmurar.

     2- Tatuados nas mãos de Deus

Deus com tino pedagógico comunica ao povo através do profeta Isaías a certeza da sua contínua assistência dizendo: “Eu tatuei você na palma da minha mão” (Is 49,15). A expressão é linda! Tatuagem nas mãos… Uma imagem como objeto de recordação no “próprio corpo”! A mão é o membro que nos possibilita expressão de ação: de cuidado, de carinho, de carícia, de acolhida, de sustento, de segurança, de trabalho…

A “tatuagem” significa sinal de relação incondicional, inseparável, constante. Sinal de recordação, de compromisso, de aliança de amizade que tudo supera. Deus está em nós! Ele é a condição do nosso existir. Com essa expressão o profeta diz ao povo que Deus cuida dos seus em todas as circunstâncias, que jamais esquece seus filhos; contudo, se há algo errado na sociedade, o povo deve fazer uma profunda revisão de vida, porque a culpa não é divina. Por outro lado, somos pequenos para entender tudo.

     3- Fé, confiança e tranquilidade

Também hoje em muitas circunstâncias somos tentados a acusar a ausência de Deus em nossa vida e no meio da sociedade. Enganamo-nos! Um grave erro no qual podemos cair é aquele de pensar Deus como nossa “vareta mágica” que deve resolver todos os nossos problemas e sempre nos conservar numa redoma de “paz e tranquilidade”. Essa postura propõe dois graves erros: o primeiro é a negação da liberdade e responsabilidade humana. Pois, se Deus em tudo intervém, por que deu ao homem a liberdade? (cf. Eclo 15,14-20).

O segundo é a negação da fé. Se Deus for concebido como “supermercado” onde tudo se compra (oração!?) para que serve a fé? A atitude de fé saudável postula um firme testemunho da presença de Deus mesmo na ausência de seus evidentes sinais de bondade aos nossos olhos. A ausência de sinais ou a incapacidade de enxergá-los, não se identifica com a negação de Deus. Mas a fé não é um dom que nos livra dos problemas e dificuldades da história. Simplesmente, ela nos ajuda a darmos um sentido para as provações e sofrimentos. A fé mais que isenção de problemas é capacidade de superá-los! A fé nos ajuda a manter-nos na viva consciência de estarmos “tatuados” no coração divino e, por, isso jamais se esquece de nós. De nossa parte, resta a confiança e a serenidade.

     4- A Providência Divina

O discípulo de Jesus, em todas as circunstâncias, deve preservar a primazia divina em sua vida. Quando Jesus fala “não vos preocupeis com a vida, com o que havereis de comer, de beber, nem com o vosso corpo, com que havereis de vestir…” (Mt 6, 25) não está negando as evidentes e básicas necessidades humanas.

Quando Jesus fala de elementos da natureza, por exemplo, dos pássaros, das flores e das ervas dos campos, não está convidando seus ouvintes a negarem sua racionalidade. Sim, quer evidenciar o fato de que Deus é Providente e, sua sabedoria despenseira, assiste a todas as criaturas segundo a sua espécie, necessidades, beleza, duração, ambiente… e, dentro desse universo das criaturas, o ser humano é aquela que recebe os mais especiais cuidados divinos por causa da sua singularidade: “valeis muito mais que os pássaros do céu… fará ele muito mais por vós” (Mt 6,26.30). O ser humano reflete a grandeza de Deus (cf. Sl 8) e de saber e inteligência a divina providência nos dotou (cf. Ef 1,8). Sim, ele sabe de tudo e nos acompanha de perto! Mas visto que nos criou como seres inteligentes, também permite que passamos por momentos de turbulências para nos educar.

Dessa forma, mais do que angústia e desespero, nos momentos difíceis devemos nos questionar: que proveito posso tirar de tudo isso? Se é verdade que “tudo concorre para o bem daqueles que amam a Deus” (Rm 8,28), então os momentos dramáticos são tempos de abundância de mensagens divinas. Somos chamados ser intérpretes dos gritos de Deus através dos acontecimentos. Às vezes esses gritos nos chegam também através da voz da natureza de muitas formas: enchentes, terremotos, furacões, tsunamis, secas, doenças, vírus e bactérias.

     5- O sofrimento é educativo

Deus que é Pai Providente e Bondoso, também é exigente educador. Educar é uma consequência do amor. Se somos filhos cuidados com generosa providência, também por ela precisamos ser educados. A Divina providência é pedagoga! “Meu filho, não desprezes a educação do Senhor, não te desanimes quando ele te repreende; pois o Senhor corrige a quem ele ama e castiga a quem aceita como filho”. É para a vossa educação que sofreis, e é como filhos que Deus vos trata. Pois qual é o filho a quem o pai não corrige” (Hb 12,5-7).

Nessa perspectiva educativa somos chamados a acolher as dificuldades como experiências de amadurecimento humano e espiritual. “Meus irmãos, fiquem muito alegres por terem que passar por todo tipo de provações, pois vocês sabem que aprendem a perseverar quando sua fé é posta à prova. Mas é preciso que a perseverança complete a sua obra em vocês, para que sejam homens completos e autênticos, sem nenhuma deficiência” (Tg 1,2-4). ”Feliz o homem que suporta com paciência a provação! Porque, uma vez provado, receberá a coroa da vida, que o Senhor prometeu àqueles que o amam” (Tg 1,12).

 

PARA REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Você já sentiu vontade de dizer alguma vez: “Deus me abandonou, o Senhor me esqueceu!”?
  2. Como você sente o cuidado de Deus para com você e sua família?
  3. Neste tempo de pandemia, como você tem percebido a providência divina?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2