por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do Pará
Introdução
Na Igreja há movimentos com fortes tendências espiritualistas que negam, de diversas formas, os fundamentos e a necessidade da Doutrina Social da Igreja (DSI). E por isso questionam a sensibilidade da Igreja para com as realidades sociais. Todavia, tal postura na verdade, carece profundamente de base favorecendo a insignificância da Igreja no mundo, bem como negando suas origens.
A catequese deve ser uma fonte viva de promoção de um processo de formação sistemático, integral e contínuo dos discípulos de Jesus Cristo para que possam compreender a beleza e a profundidade do que significa ser “sal da terra” e “luz do mundo” (Mt 5,13-14). Por isso, nestas próximas reflexões recordemos brevemente os fundamentos da DSI, começando pelas dimensões antropológica e ética.
- Fundamento antropológico
A Igreja não é formada por anjos, mas por seres humanos e pela humanidade se interessa. Portanto, a partir da sua própria identidade e constituição, a Igreja tem um fundamento antropológico.
Portanto a Igreja se interessa pelo social porque o ser humano, formado de matéria e espírito, é uma “totalidade unificada”, de corpo e alma, com muitas dimensões. Nenhuma dimensão humana é isolada, paralela, neutra, avulsa; são todas interdependentes e o espírito (alma) perpassa a totalidade delas.
A Igreja, formada por seres humanos, deles se ocupa e por isso é profundamente humana e não pode deixar de se interessar por tudo aquilo que é naturalmente humano. Quando a pessoa abraça a fé, esta dinamiza a totalidade da sua vida.
Essa dimensão social da fé se expressa muito bem no preceito do amor a Deus que é inseparável do amor ao próximo. O amor ao próximo tem uma dimensão social; ou seja, as pessoas não vivem isoladamente, mas em família, em sociedade, em comunidade; por isso é preciso a preocupação com o bem comum que são todas as realidades e estruturas sociais que contribuem para a promoção e a vivência da justiça, da paz, harmonia, fraternidade etc. Inserido nessa realidade o discípulo de Jesus Cristo é chamado a testemunhar a sua Fé, a Esperança e Caridade. As virtudes teologais tem uma dimensão intrapessoal, interpessoal, social, ambiental, universal.
Ao centro das preocupações antropológicas da DSI está a sacralidade da vida da pessoa humana: a vida humana é o dom de Deus mais precioso; o ser humano, “criado à imagem e semelhança de Deus” é sagrado e deve ser incondicionalmente acolhido, respeitado, tutelado e promovido em todas as fases da sua existência. Jamais perde a sua dignidade. O ser humano é pluridimensional e todas as suas dimensões (intelectual, moral, afetiva, sexual, social, econômica, política, cultural, espiritual… etc), são envolvidas pela fé. A Igreja, portanto, deve se interessar pela totalidade do ser humano.
- Fundamentos éticos
Desse primeiro fundamento (antropológico) decorre um segundo que diz respeito ao tratamento do ser humano. O reconhecimento e a acolhida do ser humano, geram muitas consequências sobre as preocupações para com a pessoa, tais como: sua realização vocacional, a qualidade do seu agir, as condições em que vive, seus direitos fundamentais, a promoção do bem comum etc. Todas as realidades sociais, como a economia, a política, as ciências, a educação etc. estão dentro deste bojo de preocupações éticas. Seria uma grande incoerência se a Igreja, teoricamente professasse a dignidade humana, mas não se interessasse por suas consequências concretas. Portanto, todos os males sociais como a violência, a corrupção, a injustiça, a negação da saúde, o descaso pelo Bem comum etc, atentam contra a dignidade humana.
Vejamos algumas dessas preocupações concretas que fazem parte da DSI e, por isso, devem estar no cotidiano pastoral da Igreja:
- Os direitos humanos: o ser humano é portador de direitos naturais, inalienáveis, que não dependem da sua condição existencial e por isso devem ser incondicionalmente respeitados, como o direito à vida, ao justo tratamento, e todos os direitos que lhe devem assegurar as condições de vida digna;
- A promoção do bem comum: são todos os bens da natureza e frutos do labor humano, por isso, tem uma destinação universal, para todos; o bem comum é tudo aquilo que está a serviço da dignidade humana (não só os bens naturais, mas também a educação, economia, política, meio ambiente, paz, justiça…);
- A participação social: vem do reconhecimento do homem como sujeito livre e responsável e, por isso, deve ser responsabilizado pela promoção do bem comum respeitando a justa ordem e paz social, os princípios éticos e as exigências morais onde vive; por isso, a Igreja defende e incentiva os leigos a estarem engajados em questões sociais onde possam testemunhar a própria fé (no mundo da economia, da política, das ciências, da cultura, dos esportes, das comunicações etc);
- Do dever da participação social decorre uma consequência importante que é a subsidiariedade: trata-se da justa relação entre o sujeito livre e responsável e as instituições da sociedade que estão a serviço da promoção do bem comum. As instituições contribuem com a promoção dos direitos individuais inalienáveis sem negar o bem comum. O Estado ajuda! O indivíduo deve fazer a sua parte!
- O desenvolvimento humano integral: crendo no ser humano como portador de grandes potencialidades, a Igreja estimula o desenvolvimento humano em todas as dimensões, em harmonia com as necessidades humanas. O verdadeiro progresso coloca e pessoa humana em primeiro lugar, promovendo a justiça e a paz. Por isso, não basta a promoção do desenvolvimento técnico, científico e nem econômico; é necessário que a pessoa humana seja a beneficiada integralmente tendo melhores condições de vida. Por isso, afirmou o Papa Paulo VI, que o desenvolvimento integral contribui para a promoção da Paz e da Justiça. Não há paz, onde não há justiça.
PARA REFLEXÃO PESSOAL:
- Como na vida pastoral a Igreja testemunha que se interessa pela totalidade do ser humano?
- Qual aspecto das realidades sociais mais desafia a Igreja hoje?
- Por que há carência de leigos comprometidos no testemunho da própria fé, atuando na política, na economia, nas ciências?
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