Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo de Belém do Pará (PA)

Há poucos dias, acompanhamos Jesus ao Monte da Quarentena. Escolhemos permanecer com ele, fizemos a opção por viver este tempo privilegiado do encontro com Deus, chamado Quaresma. Conduzidos pelo Espírito Santo, procuramos superar todas as provas e caminhar com fidelidade na resposta à verdade do amor infinito e eterno de Deus, iluminados pela Palavra de Deus. Ao convite da Igreja, subimos agora a outro Monte, o Tabor, pois o Espírito quer conduzir-nos às alturas e queremos aprender a ouvir Jesus.

Com a palavra, o Papa Francisco: “O evangelho da Transfiguração é proclamado no Segundo Domingo da Quaresma. Realmente o Senhor nos toma consigo e nos conduz à parte. Embora os nossos compromissos ordinários nos peçam para permanecer nos lugares habituais, transcorrendo uma vida quotidiana frequentemente repetitiva e por vezes enfadonha, na Quaresma somos convidados a subir a um alto monte juntamente com Jesus, para viver com o Povo Santo de Deus uma particular experiência de ascese. A ascese quaresmal é um empenho, sempre animado pela graça, no sentido de superar as nossas faltas de fé e as resistências em seguir Jesus pelo caminho da cruz. Aquilo de que Pedro e os outros discípulos tinham necessidade! Para aprofundar o nosso conhecimento do Mestre, para compreender e acolher profundamente o mistério da salvação divina, realizada no dom total de si mesmo por amor, é preciso deixar-se conduzir por ele à parte e ao alto, rompendo com a mediocridade e as vaidades. É preciso pôr-se a caminho, um caminho em subida, que requer esforço, sacrifício e concentração, como uma excursão na montanha. Estes requisitos são importantes também para o caminho sinodal, que nos comprometemos, como Igreja, a realizar. Para o retiro no Monte Tabor, Jesus leva consigo três discípulos, escolhidos para serem testemunhas de um acontecimento singular. Ele deseja que aquela experiência de graça não seja vivida solitariamente, mas de forma compartilhada, como é toda a nossa vida de fé. Nós seguimos a Jesus juntos! E juntos, como Igreja peregrina no tempo, vivemos o Ano Litúrgico e a Quaresma, caminhando com quem o Senhor colocou ao nosso lado como companheiros de viagem. À semelhança da subida de Jesus e dos discípulos ao Monte Tabor, podemos dizer que o nosso caminho quaresmal é “sinodal”, porque o percorremos juntos, discípulos do único Mestre. Mais ainda, sabemos que ele mesmo é o Caminho e a Igreja não faz outra coisa senão entrar cada vez mais profunda e plenamente no mistério de Cristo Salvador. E chegamos ao momento culminante. O Evangelho narra que Jesus se transfigurou diante deles: o seu rosto resplandeceu como o sol, e as suas vestes tornaram-se brancas como a luz (Mt 17, 2). Aqui aparece o cume, a meta do caminho. No final da subida,  enquanto estão no alto do monte com Jesus, os discípulos recebem a graça de o verem na sua glória, resplandecente de luz, que não vinha de fora, mas irradiava dele mesmo. A beleza divina desta visão mostrou-se incomparavelmente superior a qualquer cansaço que os discípulos pudessem ter sentido quando subiam ao Tabor. Como toda a esforçada excursão de montanha, ao subir, é preciso manter os olhos bem fixos na vereda; mas o panorama que se deslumbra no final surpreende e compensa pela sua maravilha” (Cf. Mensagem do Papa para a Quaresma de 2023).

Entretanto, sabemos que o caminho feito com Jesus nos conduzirá a outro Monte, o do Calvário, o Monte da Redenção, da Morte e Ressurreição de Cristo, pelo que queremos refazer a nossa escolha de seguimento do Senhor Jesus. “Se alguém quer vir após mim, renuncie a si mesmo, tome sua cruz, cada dia, e siga-me. Pois quem quiser salvar sua vida a perderá, e quem perder sua vida por causa de mim a salvará. Com efeito, de que adianta a alguém ganhar o mundo inteiro, se vier a perder-se e a arruinar a si mesmo?” (Cf. Lc 9, 23-27; Cf. Lc 9, 44-45; Cf. Lc 18, 31-34).

Outros montes foram galgados por Jesus, como aquele do Sermão da Montanha, ou os lugares procurados por ele para a oração. Montes cujos nomes a Escritura indica como lugares do encontro com Deus tinham se tornado referência para o povo da aliança: Horeb, Sinai, Carmelo e daí por diante. De monte em monte, percorremos também nós os caminhos da fé, para chegar juntos à manhã da Ressurreição e fazer-nos anunciadores do mistério de Cristo, pela palavra e pelo testemunho.

Acolhamos o convite de Jesus, fazendo-nos companheiros de Pedro, Tiago e João, para testemunhar o episódio da Transfiguração. Quem se sentir discípulo, venha conosco! Subiram ao Tabor para rezar! Não se pode pretender um contato com Deus que não envolva a própria liberdade, aceitando um relacionamento pessoal com ele. A passividade não conduz a Deus! Discípulos se fizeram aqueles três, malgrado seus defeitos pessoais, mas se decidiram subir à montanha. A planície do acomodamento não lhes sustentava a vida!

A montanha tem o tamanho que tem! Quem conhece o lugar, que a tradição identificou no Tabor, sabe que não se trata de píncaros imensos, como outras partes do mundo podem oferecer. O tamanho do monte depende da liberdade com que o coração humano se abre para Deus, e ele oferece os desafios correspondentes à capacidade de cada um! Certamente os três não eram os melhores, mas certamente os escolhidos pelo amor do Senhor, que os tocou na profundidade da aventura pessoal em que se lançaram. Foram os três, unidos a Jesus! Fraternidade, amizade, companheirismo, solidariedade, chamemos como quisermos. Trata-se de caminhar juntos, e esta é a proposta do caminho sinodal da Igreja. A visão das coisas de Deus deixa de ser turva quando nos lançamos a viver como irmãos e irmãs, pois onde dois ou mais estão reunidos em nome de Jesus, ele está presente (Cf. Mt 18,20), e tudo se transfigura!

Ao testemunhar o fato, vemos que os três, ainda que sonolentos, carregados de humanidade, pareciam juízes de acontecimentos inusitados, tanto que foram chamadas em causa testemunhas qualificadas, Moisés e Elias, a Lei e os Profetas. O assunto do diálogo era a paixão do Senhor e sua glória futura. Deus se submete a estruturas humanas, abaixando-se para elevá-los além da própria montanha! E os humildes pescadores viram a glória de Deus! Entraram na nuvem, sinal da ação do Espírito Santo de Deus. Puderam entrever a vitória sobre o pecado e a morte, para testemunhá-la depois e anuncia-la até os confins da terra.

Ouviram então a voz do Pai: “Este é o meu Filho, o Eleito. Escutai-o!”. Também nós desejaríamos ficar ali, construir tendas, pois a experiência que fizeram se estende, como barracas estendidas pelos montes da história, para acolher Jesus, Moisés, Elias, nós todos! É bom estar com Deus, desfrutar a revelação da Trindade augusta, o Pai que fala, o Espírito que nos envolve e o Filho amado, a ser ouvido e seguido, pelos séculos afora, até a sua vinda gloriosa, no fim dos tempos.

Mas não dá para permanecer no alto da montanha. É preciso descer para a planície, para transformá-la de tal modo que sejam superadas todas as depressões físicas, emocionais ou espirituais que se apresentarem, para que tudo se transforme nas alturas da comunhão com Deus! É a riqueza de nossa vida cristã, desfrutada na graça da Quaresma!