
por Carlos Henrique Silva / Comunicação CPT Nacional
com informações de Daniel Camargos /Réporter Brasil)
Obra é resultado de uma pesquisa feita nos arquivos da CPT, pelo advogado José Batista Afonso e o professor Airton Pereira, entre os anos de 1980 a 2024
A violência no campo e a impunidade permanecem como feridas abertas na história da Amazônia. No bioma que concentra quase metade das mais de 50 mil ocorrências de conflitos no campo, segundo dados do Atlas de Conflitos da Comissão Pastoral da Terra (CPT), o estado do Pará lidera em número de registros de violência por terra, trabalho escravo e violência contra a pessoa, principalmente nos casos de assassinatos, tentativas e ameaças de morte.
Buscando elucidar um pouco esta realidade, aconteceu na última quinta-feira, 20 de novembro, na Casa da COP do Povo, em Belém/PA, o lançamento do livro “Assassinatos e Impunidade no Campo no Pará: 1980–2024”, escrito pelo advogado José Batista Afonso, da CPT Marabá, e pelo historiador e professor da Universidade do Estado do Pará (UEPA), campus de Marabá, Airton dos Reis Pereira.
Em suas 800 páginas, a obra se torna essencial para compreender as dinâmicas de conflito, disputa territorial e violações de direitos humanos no estado, sendo importante para o resgate da memória, a denúncia de violências e o fortalecimento da luta pela justiça no campo. Para além dos números, há inúmeras pessoas com suas histórias de vida, mas temos o grito contra a impunidade que permite que nem 10% dos crimes e de seus autores sejam julgados e condenados, devido aos indícios da complacência das autoridades.
Dos 1.003 assassinatos – a maior parte sem inquérito concluído -, apenas 61 chegaram a julgamento, com a denúncia de mandantes em 30 destes casos (sendo a metade deles com os acusados absolvidos), enquanto 42 pistoleiros foram condenados como executores. Mais de 70% dos casos ocorreram no Sul e Sudeste do Pará, regiões marcadas por altos índices de conflitos por terra, grandes empreendimentos agropecuários e forte presença de pistoleiros.
O ponto de partida é a execução do dirigente sindical e agente da CPT, Raimundo Ferreira Lima, conhecido como “Gringo”, ocorrido no ano de 1980. O livro é dividido em quatro capítulos temáticos: camponeses e indígenas; lideranças rurais; chacinas e massacres: e peões mortos em conflitos trabalhistas ou em situações de escravidão contemporânea. A obra traz ainda a lista das vítimas, acompanhada de textos de análise dos autores e de pesquisadores convidados.
Conheça a história e o martírio de Raimundo Ferreira Lima em nossa seção “Mártires da Terra”.
Dentre os casos de massacres, é detalhado o caso de Eldorado dos Carajás, em 1996, quando 19 integrantes do MST (Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra) foram mortos em operação policial na Curva do S. Dos 19 mortos, dez receberam tiros à queima-roupa. O Massacre de Pau D’Arco, ocorrido em 2017, também aparece como marco recente da violência no campo. Dez trabalhadores (sendo 9 homens e 1 mulher) foram mortos dentro da Fazenda Santa Lúcia por um grupo formado por policiais civis e militares e agentes privados de segurança, durante operação que alegava o cumprimento de mandados de prisão.
Também chama a atenção a quantidade de 245 vítimas sem identificação e sem contatos com familiares, o que demonstra uma forte ligação, em sua maioria, com casos de migrantes de outros estados, em tentativas de fuga de trabalho escravo.
O livro tem a colaboração de especialistas e representações dos movimentos sociais ligados à luta pela terra, a exemplo do padre e professor da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), Ricardo Rezende, do professor da UFPA, Girolamo Treccani, de Luzia Canuto, do Comitê Rio Maria e de Ayala Ferreira (MST/PA).
Durante o lançamento, Luzia Canuto falou sobre o assassinato de seu pai, João Canuto de Oliveira, morto em 1985. Seu caso está registrado no livro como uma das mortes de lideranças sindicais no período. “Quem perdeu um parente sofre, tem sentimentos e ão aceita a impunidade”, disse.
Claudelice Santos, irmã de Zé Cláudio e cunhada de Maria, ambientalistas assassinados em 2011, reforçou o sentido político da publicação. “”Aos nossos mortos nenhum minuto de sulêncio, mas toda uma vida de luta”, afirmou. Claudelice é uma das organizadoras da Casa do Povo, junto da CPT, espaço criado paralelo à COP30 que reúne atividades das comunidades amazônicas. “Não é apenas um livro. É um dossiê. Ele foi feito para preservar a memória dessas pessoas, que não podem ser esquecidas, afirmou o advogado Josè Batista.
Sobre o mesmo tema, os autores e movimentos sociais do Pará lançaram em 2022, o livro “Luta pela terra na Amazônia: mortos na luta pela terra! Vivos na luta pela terra!”, com 776 páginas, que pode ser conferido neste link.
Sobre os autores
José Batista Afonso é advogado da CPT em Marabá. Já fez parte da coordenação nacional da instituição. Possui mestrado em Dinâmicas Territoriais e Sociedade na Amazônia pela Unifesspa (Universidade Federal do Sul e Sudeste do Pará). Milita na região há mais de 30 anos. Entre os inúmeros processos em que participou, consta o conturbado processo do Massacre de Eldorado do Carajás, que completa 30 anos em 2026.
Airton Pereira, natural do estado de Goiás, chegou a atuar na CPT nas dioceses de Conceição Araguaia e Marabá. Em seguida tornou-se professor da UEPA. Suas pesquisas retratam as disputas pela terra no sul e sudeste do Pará. Regiões consideradas as mais letais do país. O professor é autor de inúmeros artigos e livros sobre o assunto. A tese de doutoramento de Pereira, apresentada na Universidade Federal de Pernambuco, foi finalista do Prêmio Nacional da CAPES.
Serviço:
Livro “Assassinatos e impunidade no campo do Pará: 1980-2024” – Editora Dialética, 800 páginas
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