Um casal de pessoas sem nenhuma fé tinha uma filha. Nunca tinham falado para ela de Deus. Uma noite, quando a criança tinha cinco anos, brigaram. A violência chegou a tal ponto que ele atirou na mulher e depois cometeu suicídio. A criança viu tudo. Depois de algum tempo, ela foi adotada por uma família que a acolheu com amor. A mãe adotiva era cristã e começou a levar a criança para a igreja. No primeiro dia da catequese, a boa senhora avisou a catequista que a criança nunca tinha ouvido falar antes de Jesus e que, portanto, tivesse paciência com ela. Ao começar o encontro a catequista apresentou uma imagem de Jesus e perguntou: – Alguém de vocês sabe quem é este homem? – A menina disse: – Eu sei quem é. É o homem que me segurou nos braços na noite na qual morreram os meus pais -.
Visão, sonho, ilusão de criança? Difícil responder. No entanto, no momento da dor e do abandono, despontam também a acolhida e o amor. Talvez, sofrimento e consolo andam, ou deveriam andar, mais juntos: força e esperança para todos nós. Nos domingos do Tempo de Páscoa, a liturgia nos faz refletir sobre aquelas que chamamos de “aparições pós pascais”. Segundo o evangelista João, a primeira aconteceu logo, no domingo mesmo, “ao anoitecer daquele dia”. Como os demais evangelhos não se trata de simples relatos ou de explicações para curiosos. Precisa comunicar um evento novo e surpreendente, capaz de mudar a vida dos discípulos, daqueles que, depois, acreditarão neles e, em seguida, também, a história da própria humanidade.
Entre os apóstolos reunidos e de portas trancadas por medo dos judeus, desponta a figura de Tomé. Ele não acredita nas palavras dos demais, quer ver e tocar. Jesus ressuscitado volta a aparecer, naquele ritmo semanal que é também o ritmo dominical da Páscoa. Convida o apóstolo a conferir as marcas da paixão e da cruz e lhe pede de ter fé. Depois de ouvir Tomé proclamar: “Meu Senhor e meu Deus!”, Jesus diz: “Acreditaste porque me viste? Bem-aventurados os que creram sem terem visto!” (Jo 20,28-29).
Somos nós, os que devem acreditar sem ver o que Tomé viu, mas… Vendo outras coisas. Duas que, penso, nunca podem estar separadas. Segundo o evangelista João, Jesus convida Tomé a tocar nas suas chagas. O que o apóstolo viu por primeiro? O ressuscitado, provavelmente! Mas Jesus quer que ele veja também os sinais da Paixão. Não teria acontecido a Ressurreição sem, antes, a Cruz. Jesus não é somente o glorioso, é também o crucificado. Para poder acreditar que Jesus é o nosso “Senhor e Deus” precisamos vê-lo e encontrá-lo nos irmãos que passam fome, frio, que vivem na miséria e no esquecimento, nos muitos “crucificados” da história. Quem pensa somente no seu bem-estar, no seu lucro e no seu sucesso; quem despreza os desvalidos da vida, não pode entender a novidade da Ressurreição, porque não sabe o que é ter compaixão, doar a própria vida, servir e amar. Ficará preso em si mesmo, porque somente pensa em si. Ao contrário, quem “morre”, aos poucos, ao próprio egoísmo, quem desce do seu orgulho, que se abaixa para curar as feridas e consolar as dores dos irmãos, este, sim, se abre para a vida nova de Jesus. Por isso, podemos e devemos saber reconhecer o Senhor nos gestos de quem também doa a sua vida, consciente ou não, cristão ou não. Todo gesto de amor e doação é Vida Nova, é Ressurreição hoje e nos faz ver e acreditar no Cristo vencedor do pecado e da morte.
Quem não quer enxergar a Cruz e as cruzes dos irmãos, não reconhece e não entende o amor de Jesus. Igualmente, quem não quer ver o bem, a generosidade, o serviço, a doação, não vê e não acredita na vitória da vida sobre a morte, do amor sobre o ódio. Quem não sabe estender os seus braços para abraçar o irmão, dificilmente acreditará nos braços de Jesus estendidos na cruz e no seu poder de consolar e doar esperança a todos os que o procuram de coração sincero. A começar pelos pequenos, pelas crianças, também se ainda não o conhecem. Depois daquela Páscoa, Jesus está presente e vivo em cada gesto de amor. É uma luz que não se apaga mais.
Dom Pedro José conti
Bispo de Macapá-AP