
por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará
O Papa Francisco através da Encíclica Fratelli Tutti (ano 2020) nos convida a contemplar novos horizontes para as relações humanas e descortinar a beleza da dimensão social da amizade com seu grande potencial beneficente e transformador da sociedade. As relações de amizade são chamadas à experiência do transbordamento.
“… O amor cria vínculos e amplia a existência, quando arranca a pessoa de si mesma para o outro. Feitos para o amor, existe em cada um de nós «uma espécie de lei de “êxtase”: sair de si mesmo para encontrar nos outros um acrescentamento de ser». Por isso, «o homem deve conseguir um dia partir de si mesmo, deixar de procurar apoio em si mesmo, deixar-se levar» (FT,88).
Essa saída é para todas as categorias de pessoas em todas as dimensões e contextos. Mas isso é tarefa educativa capaz de investir no desenvolvimento de hábitos solidários, na capacidade de pensar a vida humana mais integralmente, na profundidade espiritual, na promoção da qualidade das relações humanas (cf. FT 167).
1. Amizade social e abertura universal
Nessa Encíclica o Papa Francisco expõe amplamente seu pensamento sobre a amizade social. A Amizade Social é “fraternidade aberta, que permite reconhecer, valorizar e amar todas as pessoas independentemente da sua proximidade física, do ponto da terra onde cada uma nasceu ou habita” (FT,1).
Francisco confessa que a questão fraternidade e a amizade social sempre lhe causaram preocupações (cf. FT,5). A encíclica detém-se sobre a dimensão universal do Amor fraterno, que é um sonho de fraternidade e amizade social que não se limite a palavras (cf. FT,6). A experiência da amizade é uma das mais profundas respostas ao aprisionamento virtual e digital que favorece o risco de dependência, da perda da comunicação interpessoal, do isolamento e a diminuição progressiva de contacto com a realidade concreta (cf. FT,43). Isso significa que “a conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade” (FT,43).
As relações sadias e autênticas sempre nos favorecem a abertura nos provocando à saída do intimismo, individualismo e das relações puramente aparentes (cf. FT, 44). “O amor ao outro por ser quem é, impele-nos a procurar o melhor para a sua vida. Só cultivando esta forma de nos relacionarmos é que tornaremos possível aquela amizade social que não exclui ninguém e a fraternidade aberta a todos” (FT,94).
A amizade social é o amor que se estende sem fronteiras e nos possibilita a experiência da abertura Universal (cf. FT,99). A base da Amizade social e a Fraternidade Universal é o reconhecimento do valor permanente do ser humano em qualquer circunstância (cf. FT, 106-107). Por isso “é preciso olhar para o global, que nos resgata da mesquinhez caseira” (FT, 142).
“A fraternidade universal e a amizade social dentro de cada sociedade são dois polos inseparáveis e ambos, essenciais. Separá-los leva a uma deformação e a uma polarização nociva” (FT, 142).
2. Amizade Social e Política
A promoção da Amizade social que favorece a fraternidade entre as nações é necessária para o desenvolvimento de uma política do bem comum (cf. FT, 154). O reconhecimento de todo ser humano, como irmão e irmã, e a busca da promoção da Amizade social integrando a todos, não são meras utopias mas compromissos que exigem decisões políticas (cf. FT, 180). “Todo e qualquer esforço nesta linha torna-se um exercício alto da caridade” (FT, 180). Trata-se de avançar para uma ordem social e política, cuja alma seja a caridade social (cf. FT, 180).
3. Amizade social e diálogo
A experiência da Amizade social não é automática e nem gratuita, mas exige a decisão pessoal para se fazer um processo. É preciso: “aproximar-se, expressar-se, ouvir-se, olhar-se, conhecer-se, esforçar-se por entender-se, procurar pontos de contato: tudo isto se resume no verbo dialogar” (FT, 198).
Não é possível pensarmos no mundo sem diálogo; dessa forma certamente não haveria famílias e nem comunidades. Mas o diálogo perseverante e corajoso torna-se instrumento para resolução de conflitos discretamente (cf. FT, 198).
O diálogo social é instrumento que contribui para a formação de uma nova cultura. A resolução dos problemas sociais não se dá através da violência destrutiva e nem do protesto violento, mas através do diálogo como caminho de busca sincera da Verdade.
Um país cresce quando desenvolve a cultura do diálogo (cf. FT, 199). A promoção da cultura do diálogo que favorece a amizade social aproxima grupos sociais e contribui para o renovado encontro com os pobres e vulneráveis (cf. FT, 233). Muitas vezes, os últimos da sociedade foram ofendidos com generalizações injustas. A opção pelos pobres deve nos levar à amizade com eles (cf. FT, 234). Um princípio que é indispensável para construir a amizade social é este: “a unidade é superior ao conflito” (FT, 245).
4. Amizade social e religiões
“As várias religiões, ao partirem do reconhecimento do valor de cada pessoa humana como criatura chamada a ser filho ou filha de Deus, oferecem uma preciosa contribuição para a construção da fraternidade e a defesa da justiça na sociedade. O diálogo entre pessoas de diferentes religiões não se faz apenas por diplomacia, amabilidade ou tolerância. Como ensinaram os bispos da Índia, «o objetivo do diálogo é estabelecer amizade, paz, harmonia e partilhar valores e experiências morais e espirituais num espírito de verdade e amor» (FT, 271).
O fundamento último do diálogo e da Amizade é a tomada de consciência de que Deus é pai de todos; a partir daí temos razões sólidas, estáveis e um apelo à fraternidade (cf. FT, 172). “Estamos convencidos de que «só com esta consciência de filhos que não são órfãos, podemos viver em paz entre nós» (FT, 172). A experiência da fé, fecunda as relações humanas, por isso, «a razão, por si só, é capaz de ver a igualdade entre os homens e estabelecer uma convivência cívica entre eles, mas não consegue fundar a fraternidade» (FT, 172).
O percurso para a paz não implica homogeneizar a sociedade, contudo permite-nos trabalhar juntos. A carta se conclui com uma série de apelos como estes: não usar o nome de Deus para aterrorizar as pessoas; juntos trabalhemos pela paz, justiça e fraternidade; Deus que nos criou todos iguais, nos chama a conviver como irmãos; vivendo como irmãos, Deus nos chama a socorrer os miseráveis, órfãos, viúvas, refugiados, exilados, vítimas das guerras, das perseguições… A “fraternidade humana” abraça todos os homens, une-os e torna-os iguais; em nome da justiça e misericórdia, fundamentos da prosperidade e pilares da fé… (cf. FT 287).
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- Como você entendeu a relação entre amizade social, diálogo e a abertura Universal?
- Por que a amizade social contribui para a promoção da política do Bem Comum?
- Qual é o fundamento da necessária experiência de amizade social para as religiões?
Artigos Anteriores
DOM ANTÔNIO ASSIS – Educação católica: princípios de fidelidade da educação católica (parte 4).
EDUCAÇÃO CATÓLICA: PRINCÍPIOS DE FIDELIDADE DA EDUCAÇÃO CATÓLICA (Parte 4) Introdução A Igreja Católica se interessa pela educação porque ela faz parte do processo de evangelização. Como já refletimos no primeiro artigo desta série, não existe profunda evangelização...
Dom Antônio Assis- Educação Católica: a identidade do educador (Parte 3)
Educação Católica: a identidade do educador (Parte 3) Introdução Refletindo sobre o binômio inseparável “evangelização e educação” nos deparamos com sérias consequências que devem caracterizar a educação católica. Sem esse cuidado não seremos capazes de...
Dom Antônio Assis: “Evangelizar educando e educar evangelizando – um binômio inseparável” (Parte 2).
"Evangelizar educando e educar evangelizando": um binômio inseparável (Parte 2) Introdução Continuemos a nossa reflexão sobre a relação entre Evangelização e Educação. Na primeira reflexão apresentamos a justificativa pela qual a Igreja se interessa pela...
Dom Antônio Assis: EVANGELIZAÇÃO E EDUCAÇÃO Parte 1
EVANGELIZAÇÃO E EDUCAÇÃO - Parte 1 Introdução Neste ano a Igreja do Brasil é chamada a renovar a sua atenção para com a educação. Temos dois fortes motivos que nos convidam a essa atitude. De um lado, temos a Campanha da Fraternidade deste ano que terá como...
Dom Antônio Assis: A importância da Cultura Projetual
A importância da Cultura Projetual Introdução Chegando ao final de mais um ano e ao nos aproximarmos de outro, reflitamos juntos sobre o tempo. Corremos o risco de pensar que o "tempo" é uma realidade concreta, objetiva, material da qual podemos dispor e...
Dom Antônio Assis: O NATAL E A FAMÍLIA
O NATAL E A FAMÍLIA Introdução Há uma íntima relação entre a celebração do Natal do Senhor e a família. Não devemos nos deixar cair na tentação de celebrar o Natal sem pensar no contexto em que nasceu o Salvador da humanidade. Não devemos centrar o nosso olhar na...
Dom Antônio Assis: MUITO ALÉM DO NATAL: A PARÓQUIA E SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL
MUITO ALÉM DO NATAL: A PARÓQUIA E SUA RESPONSABILIDADE SOCIAL Introdução No artigo anterior refletimos sobre a realidade da pobreza em nossa sociedade e as diversas manifestações da sensibilidade típica do tempo do Natal. Elas são positivas, boas, ajudam, mas...
O Natal, os Pobres e a missão da Igreja
Introdução A cada ano, na proximidade da festa do Natal do Senhor, muitas pessoas e instituições despertam do sono da indiferença e, em poucos dias, querem forçosamente, sanar suas dívidas para com os mais pobres e sofredores. Também o mesmo pode acontecer com...
Pistas para a vivência do Tempo do Advento
Introdução A liturgia Católica é muito rica e dinâmica! Cada tempo litúrgico apresenta aos fieis uma oportunidade para o crescimento espiritual e moral. O crescimento na profundidade da fé em Jesus Cristo, por seu dinamismo próprio, estimula o fiel a qualificar...
A importância do Dízimo
Introdução No mês de novembro a Igreja no Brasil estimula os seus féis a uma especial reflexão sobre o dízimo. A palavra dízimo quer dizer a décima parte de alguma coisa, ou dez por cento. Na Bíblia o dízimo é a décima parte dos bens que cada família produzia e que...
Dom Antônio: ASSEMBLEIA ECLESIAL DA AMÉRICA LATINA E DO CARIBE
Introdução De 22 a 28 de novembro deste ano, no Santuário de Nossa Senhora de Guadalupe, no México, vai acontecer a Assembleia Eclesial da América Latina e do Caribe. Esse evento foi convocado pelo Papa Francisco e vai procurar responder uma questão fundamental: quais...
Dom Antônio: SEMPRE TEREIS POBRES ENTRE VÓS (Mc 14,7)
RESUMO DA MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O V DIA MUNDIAL DOS POBRES Por Dom Antônio de Assis Ribeiro - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução A Igreja Católica celebrará no próximo dia 14, terceiro Domingo de novembro, o V dia mundial dos pobres. Como...
DEFUNTOS NA TERRA, MAS CIDADÃOS DO CÉU
Por Dom Antônio de Assis Ribeiro - Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Introdução Todos os anos a Igreja Católica, movida pela fé na Ressurreição dos mortos, nos convida a aprofundar o sentido da morte, bem como, a fazer memória daqueles que nos deixaram. O...
O CÍRIO COMO EXPERIÊNCIA DE EVANGELIZAÇÃO
Introdução Aproveitando o calor do Círio 2021, que pela segunda vez não aconteceu com todo o seu dinamismo e atividades como de tradição, gostaria de compartilhar com você, caro leitor católico e devoto de Nossa Senhora, algumas questões relativas à maior festa...
O SIGNIFICADO DO MANTO DE NOSSA SENHORA
(Dom Antônio de Assis Ribeiro, SDB) Introdução A imagem de Nossa Senhora de Nazaré é revestida com um manto! A imagem demanda o manto e, o manto por sua vez, perderia o sentido sem a imagem. Mas a imagem não existiria por si mesma se não representasse a...
“O EVANGELHO DA FAMÍLIA NA CASA DE MARIA”
Introdução "O Evangelho da Família na casa de Maria" é o tema do Círio de Nossa Senhora de Nazaré deste ano (2021). Com o objetivo de ajudar os fiéis a melhor entendê-lo e a vivenciá-lo com mais profundidade, apresento neste artigo um breve comentário. O tema do Círio...
A PEDAGOGIA DE DEUS E OS DESTINATÁRIOS DA CATEQUESE NO DIRETÓRIO CATEQUÉTICO (VII Parte)
Introdução Continuemos a nossa sintética apresentação do Diretório Geral da Catequese, desta vez levando em consideração a terceira (a pedagogia da fé), a quarta (os destinatários da catequese) e a quinta parte (a Catequese na Igreja Particular) desse documento. O...
A IDENTIDADE DA CATEQUESE NO DIRETÓRIO GERAL PARA A CATEQUESE (VI Parte)
Introdução O Concílio Ecumênico Vaticano II (de 1962-1965), muito sensível às questões derivadas da evangelização, pediu a elaboração de um Diretório para a orientação da catequese em todo o mundo com o objetivo de estar a serviço do Povo de Deus contribuindo para o...
A Catequese no Catecismo da Igreja Católica (V Parte)
Introdução O Catecismo da Igreja Católica (CIC) que é uma exposição sistemática da doutrina Católica publicado no ano de 1992. A apresentação do seu conteúdo está organizado em quatro partes, a saber, a fé professada (a explicação do Credo), a fé celebrada (a...
A CATEQUESE NA COMUNIDADE CATEQUIZADORA (Parte IV)
Introdução A quarta parte do documento Catequese Renovada (N. 281-319) nos apresenta a catequese como itinerário de educação à fé, profundamente inserida na vida da Comunidade. A Catequese não é uma atividade fragmentada e nem deve ser considerada um compromisso à...