Dom Vital Corbellini
Bispo de Marabá – PA

O mês de maio iniciou com uma festa importante, São José Operário. Ela foi instituída pelo Papa Pio XII para dar à festa do trabalho, celebrada pelas nações, um protetor, um modelo de artesão que foi São José, pai adotivo, e esposo de Maria Santíssima. A palavra trabalho vem do latim lavorare, trabalhar, cujo significado é uma explicação de energia voltada a um fim determinado, atividade humana em vista de um bem comum para obter um produto de utilidade individual ou geral[1]. O trabalho é fundamental na existência social, pois lhe dá condições de realização pessoal, comunitária. Nós estamos unidos com todos os desempregados e as desempregadas no nosso País e no mundo, bem como também com as pessoas que fornecem o trabalho a milhares de pessoas para assim ganharem o pão de cada dia. A seguir ver-se-á o trabalho a partir do Senhor Jesus, na patrística e nos documentos atuais.

            A unidade de Jesus com o Pai.

Jesus afirmou a importância do trabalho, porque assim como o Pai trabalha sempre, ele também trabalha (Jo 5,17). Ele manifestou com estas palavras a sua unidade com o Pai, em vista da salvação do ser humano. Como Verbo de Deus encarnado, Jesus aprendeu em casa, a trabalhar percebendo a importância do trabalho na vida humana, junto com José e Maria, os seus pais adotivos. Ele como enviado do Pai, revelador de sua imagem viu o trabalho como colaboração do ser humano à obra criadora de Deus. O Senhor criou todas as coisas numa forma bonita, correta que servisse para a humanidade, ao homem e à mulher, e também possibilitasse vida digna pelo trabalho. Jesus ensinou a todos os seus discípulos, discípulas o trabalho para a gloria de Deus e a dignidade humana.

            A comunidade primitiva.

São Lucas colocou a vida da comunidade primitiva no sentido do trabalho como fator fundamental da vida, através da unidade, da perseverança em ouvir o ensinamento dos apóstolos, na comunhão fraterna, na fração do pão e nas orações (At 2,42). Todas essas funções e missões especificaram o trabalho realizado pelos apóstolos e também pela comunidade primitiva. O anúncio do Kerigma, de Jesus morto e ressuscitado, pela presença do Espírito Santo animava a comunidade para viver a Palavra de Deus, a eucaristia e o anuncio do Senhor para outras pessoas.

            O testemunho do trabalho nas comunidades cristãs.

As comunidades cristãs estavam se constituindo no Império romano com o passar dos anos e dos séculos. Elas viviam o mandamento da lei de Deus, do amor e do trabalho, de modo que é fundamental ver como o trabalho foi visto na concepção da vida humana e no plano da redenção trazida por Jesus Cristo.

Santo Ireneu de Lião, bispo nos séculos II e III disse que o ser humano recebeu de Deus, na sua profunda sabedoria, dons para serem cultivados para o bem comum, como o olho para ver, o ouvido para escutar e mão para tocar e trabalhar no sentido de transformar a criação de Deus para uma vida digna[2].

A Carta a Diogneto, século II, reforçou a importância do engajamento comunitário e social dos cristãos em vista da eternidade, feito pelo trabalho pessoal e comunitário. Os cristãos não se distinguiam dos outros seres humanos, nem por sua terra, nem por língua ou costumes. Eles não moravam em cidades próprias, nem falavam língua estranha nem levavam um modo especial de viver. Eles viviam em cidades gregas e bárbaras testemunhando um modo de vida social admirável pelas pessoas e pelos povos. Eles viviam na sua pátria como forasteiros, e participavam de tudo como cristãos e suportavam de uma forma geral como estrangeiros[3]. O trabalho era fundamental na unidade da vida comunitária e social.

Santo Aristides de Atenas, filósofo convertido ao cristianismo no século II, foi na mesma direção que a Carta a Diogneto sobre o testemunho dos cristãos e das cristãs, no sentido de um trabalho familiar, comunitário e social, feito com alegria e com amor. As pessoas cristãs não adulteravam, não fornicavam, não levantavam falso testemunho, não cobiçavam as coisas alheias, honravam o pai e mãe, amavam o seu próximo e julgavam com justiça. Não desprezavam a viúva e nem o órfão; Aquele que possuía, fornecia de uma forma abundante para aquele que nada tinha de modo que se eles vissem um forasteiro, acolhiam-no sob o seu teto e mantinham uma alegria com ele como verdadeiro irmão, porque se chamavam desta forma não segundo a carne, mas segundo a alma. Eles estavam dispostos a dar a vida por Cristo, pois guardavam os seus mandamentos dando graças pelos alimentos que recebiam e doavam aos outros[4]. O trabalho era vista como fator fundamental de unidade na diversidade da vida cristã.

            Pessoas que passavam por frio e sem trabalho.

São João Crisóstomo, Bispo de Constantinopla, séculos IV e V, afirmou que ao passar pelas praças, encontrava pessoas de um lado, pobres, passando por necessidades e de outro lado, outras tinham a possibilidade de algum trabalho. Alguns construíam casas, outros cavavam a terra, outros navegavam pelo mar, de modo que por esses trabalhos obtinham o que mais precisavam, o pão cotidiano. São João reconhecia que a situação no inverno, a luta das pessoas necessitadas era mais dura por todos os lados. Quando mais precisavam do necessário, não trabalhavam porque ninguém os empregava e nem eram chamados os miseráveis para os serviços. O bispo continuou no seu discurso que a comunidade ajudava estas pessoas sem trabalho, sem comida. Seguindo os passos de São Paulo, o bispo afirmou que era preciso fazer a coleta para os pobres, os trabalhadores e trabalhadoras assim como o apóstolo fez, determinando às Igrejas da Galácia, de fazê-la no primeiro dia da semana, que certamente era o domingo (1 Cor 16,1.2 )[5].

            O trabalho e a atividade humana.

A Constituição Gaudium et Spes (GS), do Concílio Vaticano II, realizado na década de 1960 teve presentes o trabalho e a atividade humana em vista de melhores condições de vida, correspondendo ao plano de Deus, pois o homem e a mulher foram criados à imagem e semelhança de Deus. Eles receberam a ordem do Criador de submeter a terra com tudo o que nela existe, de governar o mundo com justiça e santidade (Gn 1, 26-27; Sb, 9,2-3), no reconhecimento a Deus como Criador de tudo, de modo que as coisas sendo sujeitas ao ser humano o nome de Deus seja glorificado em toda a terra (Sl 8,7.10)[6].

Esta Constituição também ressaltou a importância dos trabalhos cotidianos, pois estes ervem para o sustento para as pessoas e suas famílias. Os homens e as mulheres exercem suas atividades de tal forma que servem de uma forma conveniente à sociedade e com razão, consideram com o seu trabalho, o desenvolvimento pela obra do Criador, ocupando-se com as necessidades de seus irmãos e irmãs, e com a sua ação pessoal, contribuem para a realização do plano divino da história[7].

            A dignidade humana pelo trabalho.

Em 2020, por ocasião do dia internacional do trabalho, o Papa Francisco afirmou a importância da festa de São José e o dia dos trabalhadores, sendo também um  dia de oração pelos trabalhadores e trabalhadoras. O trabalho seja para todas as pessoas, tendo também a justa retribuição, gozando da dignidade do trabalho e da beleza do repouso. O Papa também afirmou que o trabalho humano é a vocação recebida por Deus, tornando o ser humano semelhante a Deus, porque com o trabalho ele lhe dá a capacidade de criar e lhe dá a dignidade de vida[8].

O trabalho foi criado por Deus como um bem para todas as pessoas de modo que rezemos para que os empregos sejam priorizados e assim as pessoas vivam o amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. O trabalho humano completa a obra do Deus Criador e Redentor.

[1] Cfr. Lavòro. In: Il Vocabolario Treccani. Il Conciso. Milano, Trento, 1998, pg. 836.

[2] Cfr. Ireneu de Lião V,3,2. SP. Paulus, 1995, pg. pgs. 525-526.

[3] Cfr. Carta a Diogneto, 5,1-6. In: Padres Apologistas. SP, Paulus, 1995, pgs. 22-23.

[4] Cfr. Aristides de Atenas, Apologia, 15, 4-8. In: Idem, pg. 52.

[5] Cfr. São João Crisóstomo. Sermão pronunciado por ter visto, ao passar pela praça, em tempos de inverno, os indigentes e pobres abandonados e caídos por terra. In: Os Padres da Igreja e a Questão Social. Petrópolis, RJ, Vozes, 1986, pgs. 65-66.

[6] Cfr. PT, AAS 55 (1963), pg. 297. GS, 34. In: Concílio Ecumênico Vaticano II, Documentos. Santa Sé. Brasília, Edições CNBB, 2018, pgs. 238-239.

[7] Cfr. Idem, pg. 238-239.

[8] Cfr. https://www.vaticannews.va/pt/papa-francisco/O Papa: a ninguém falte o trabalho, a dignidade do trabalho e a justa retribuição – Leia o conteúdo da missa celebrada pelo Papa Francisco em Santa Marta, ou releia mais tarde as palavras que lhe entrarão no coração. (vaticannews.va).