Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

É costume no mês de junho na Igreja Católica, se fazer uma especial memória do Sagrado Coração de Jesus e do Imaculado Coração de Maria. Vivendo numa cultura muito marcada pela insensibilidade, violência, avareza, solidão, frieza nas relações humanas, vale a pena refletirmos sobre a beleza da espiritualidade do coração. O cristianismo é a religião do coração, ou seja, a religião do amor, da misericórdia, da paciência, do afeto. O coração nos fala do dinamismo da vida. Não admitimos uma vida sem coração e nem coração sem vida, sem paixão, sem dinamismo, sem amor! Quando queremos representar graficamente o amor, desenhamos um coração.

Para a teologia o termo “coração” não tem nada a ver com o órgão físico, mas é sinônimo de consciência e interioridade; coração se refere à personalidade de alguém caracterizada por suas virtudes, sobressaindo a bondade, a ternura, a compaixão, a misericórdia, a generosidade. O coração, biblicamente falando, é a sede da inteligência, da fé, dos afetos, dos sentimentos, da vontade, da intimidade da relação com Deus. Por isso, só Deus conhece o conteúdo do coração de uma pessoa. Diz o ditado: “O coração dos outros é terra que ninguém pisa.” É terra que ninguém pisa porque é invisível, íntima, faz parte do mistério da alma alheia; sendo terra que ninguém pisa, é sagrada e, por essa razão, deve sempre ser respeitada e preservada.

O uso do ícone coração é abundante na Bíblia. Deus ama os corações sinceros (sem cera, ou seja, sem falsidade) e lhes ensina Sabedoria (cf. Sl 51,8), assim o homem de coração bom é também justo, verdadeiro, pacífico (cf. Sl 85,11). Considerando esse princípio de integração de fé e vida, suplica o salmista: “Cria, em mim, Senhor, um coração que seja puro, dá-me de novo um espírito decidido!” (Sl 51,12).  Porque ama a verdade, o homem de bom coração não é besta, não é ingênuo. Por conseguinte, a Bíblia fala do coração inteligente. Num coração inteligente repousa a sabedoria (cf. Pr 14,33) e busca o conhecimento (cf. Pr 18,15). Quem ama deve ser capaz de discernimento.

Há também pessoas portadoras de um coração maldoso, capaz de maquinar planos perversos! (cf. Pr 6,18); assim sendo, pode haver um coração obstinado no mal (cf. Eclo 3,25). O profeta Ezequiel falou de pessoas que tinham um “coração de pedra” (Ez 3,7), referindo-se à insensibilidade, frieza, maldade, crueldade, fechamento, surdez religiosa, violência, falta de discernimento.

Para o profeta Oseias Deus também tem “coração”, porque Deus é amor, compaixão, misericórdia! Oséias, o profeta da ternura, coloca na boca de Deus esta frase: “Meu coração se contorce dentro de mim, minhas entranhas comovem-se” (Os 11,7-8).  Portanto, o coração que ama se alimenta das atitudes divinas.

Quando falamos do Sagrado Coração de Jesus estamos nos referindo ao modo de ser, sentir, pensar e agir de Jesus, marcado pela bondade, misericórdia, tolerância, paciência, integridade, generosidade! Mas também firmeza, justiça e verdade! O ícone Coração sintetiza a paixão de Deus pela Salvação da humanidade capaz de tudo suportar! Quem é devoto do largo coração de Jesus não pode viver com um coração estreito, mesquinho, maldoso! Por isso, numa das Bem-aventuranças Jesus declarou: “Felizes os puros de coração, porque verão a Deus” (Mt 5,8). Aquele que tem um coração puro não se deixa levar pelas próprias tentações maldosas e nem contribui com as injustiças alheias. Não há, portanto, santidade cristã sem a prática da vontade de Deus que é o mandamento do Amor. Sem coração não há autêntica fé! Deus nos livre de uma experiência religiosa sem coração.