Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Introdução

Na Bíblia há uma abundância de referências ao líder como pastor do seu rebanho. Eram considerados pastores todos aqueles que tinham responsabilidades sobre os outros, de modo particular as autoridades civis e religiosas (cf. Ez 34,1-16; 1Pd 5,1-3). Deus é o bom pastor por excelência (cf. Sl 23; Sl 80,2). “Como um pastor, ele cuida do rebanho, e com seu braço o reúne; leva os cordeirinhos no colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam» (Is 40,11). “A misericórdia do Senhor é para todos os seres vivos. Ele repreende, corrige, ensina e dirige, como o pastor conduz o seu rebanho” (Eclo 18,12-13).

Os bons pastores eram a referência de segurança do rebanho, por isso os inimigos de um rebanho tinham como estratégia o ataque aos pastores, para dominarem o rebanho: “Ferirei o pastor, e as ovelhas do rebanho se dispersarão” (Mc 26,31). No seu tempo, Jesus lamentou a situação do povo disperso vagando como ovelha sem pastor (cf. Mc 6,34). Os líderes eram indicados como chefe para as comunidades afim de que elas não ficassem como rebanho sem pastor (cf. Nm 27,16-17; 1Rs 22,17).

Líderes agressivos e negligentes foram denunciados ao longo da história do povo de Israel: “os videntes só enxergam mentiras, contam sonhos fantásticos e dão consolo sem valor: por isso, o povo anda vagando, perdido, como ovelhas sem pastor” (Zc 10,2); “Ai do pastor de coisa nenhuma, que abandona o rebanho!” (Zc 11,16).

  1. O comportamento dos maus pastores

A categoria “pastor” é uma metáfora que hoje se aplica a todos os líderes na Igreja e na sociedade: aos pais, agentes de pastorais, coordenadores de comunidades, líderes políticos, presbíteros, párocos, pastores, bispos, educadores, gerentes, profissionais em geral. Todos somos considerados pastores porque temos a responsabilidade do cuidado de outros. No capítulo 34 do profeta Ezequiel temos uma lista de atitudes condenadas dos maus pastores: a omissão, fuga da responsabilidade pessoal, violência, vaidade, insensibilidade, negligência, egoísmo etc. O texto é uma provocação para todos nós e, também muito inspirador.

Os grandes males acusados nos pastores desse contexto bíblico, parece que ainda perduram em muitos maus pastores nos dias de hoje; a maldade acusada, se manifesta na negligência diante da própria responsabilidade (omissão, descaso, cegueira…); no egoísmo que colabora para o desvio de bens para si mesmo;  a violência no tratamento das “ovelhas” que se manifesta em atitudes de dura agressividade para com as mesmas favorecendo a dispersão do rebanho; a vaidade que se identifica com o egoísmo (“ficam cuidando de si mesmos, em vez de cuidarem do meu rebanho” (Ez 34,9), em vez de se desgastarem em prol das ovelhas, servem a si mesmos.

  1. Boas atitudes: Deus é o Bom Pastor do povo

O texto ainda evidencia a decisão divina de agir de modo totalmente contrário à atitude mercenária e mesquinha dos maus pastores que põem o rebanho a perder-se por suas deploráveis atitudes (cf. Ez 34,1-8.11.15). O texto começa com esta declaração: “Assim diz o Senhor Javé: Eu mesmo vou procurar as minhas ovelhas”. Daí segue um grande elenco de atitudes concretas que revelam o perfil desse Pastor maravilhoso. Ele é Bom porque:

  • Conta o rebanho em vista de certificar-se de que nenhuma se perdeu: o Bom Pastor não quer perder e nem esquecer nenhuma de suas ovelhas. Se ao contá-las percebe que alguma faltou, vai atrás dela, até encontrá-la e com ela se alegra (cf. Mt 18,12.16). O próprio Jesus disse: “que Eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas que Eu os ressuscite no último dia” (Jo 6,39);
  • Está sempre no meio das ovelhas revelando sua sensibilidade, atenção às necessidades; assume atitudes preventivas de acompanhamento em todas as circunstâncias. Isso é ser presença animadora e educativa;
  • Compreende que, muitas vezes, a dispersão das ovelhas, acontece em “dias nebulosos e escuros”, ou seja, mais que maldade das ovelhas, o desencaminhamento é, às vezes, consequência da falta de visão do caminho do bem, da pressão dos condicionamentos externos, da ignorância, do aliciamento, da não assimilação de valores por parte dos liderados (cf. Ez 34,12.15);
  • Cura a ovelha que se machucou. Não a culpa nem a despreza porque tem consciência da sua missão salvadora, paterna, mas age com firmeza, pois educa (cura). A cura tem uma dimensão preventiva, educativa, pedagógica;
  • Fortalece a ovelha que está fraca. Volta-se com especial carinho para aquelas mais necessitadas de atenção pela situação existencial em que se encontram, por isso, “leva os cordeirinhos no colo e guia mansamente as ovelhas que amamentam” (Is 40,11);
  • Abate a que estiver gorda e forte conforme o direito. O abatimento da ovelha gorda e forte significa a conclusão plena da sua missão. O abatimento prematuro ou qualquer outra forma de exploração, atenta contra o direito natural da ovelha. Todo bom pastor serve conforme o direito, não se torna personalista e nem se faz lei;
  • “Julga entre ovelha e ovelha, entre carneiros e bodes”: o Bom Pastor é um promotor do discernimento e da justiça. O fato de ser “bom pastor” o faz ser sensível à justiça, à verdade, à honestidade. Por isso ele tem também a função de dirimir confusões, de resolver problemas, de definir disputas, de tomar decisões! Quando o pastor toma essa postura, as ovelhas se acolhem, se respeitam, e colaboram com o pastor.

Muitas outras atitudes do Bom Pastor são denunciadas pela ovelha bem cuidada, como percebemos no Salmo 23. A alegria das ovelhas bem cuidadas acusa a bondade do pastor, ou seja, do líder. Deus é seu Pastor que tudo lhe assegura, que nada lhe deixa faltar (cf. Sl 23,1); conduz suas ovelhas por bons caminhos, para fontes seguras, repousantes, restaurando as forças do rebanho (cf. Sl 23,2-3); a confiança na firmeza do bom pastor leva a ovelha a não sentir medo diante dos perigos, inimigos e nem das circunstâncias adversas (cf. Sl 23,4-5). O Salmo termina fazendo referência aos sentimentos de alegria da ovelha bem cuidada: “felicidade e amor me acompanham todos os dias da minha vida” (Sl 23,6).

  1. O Bom Pastor por excelência

Jesus Cristo declarou: «Eu sou o Bom Pastor!» (Jo 10,11). De fato, durante toda a sua vida encontramos fantásticas atitudes marcadas pela perfeição do cuidado para com os seus liderados mais próximos e para com todas as pessoas. Vejamos algumas de suas atitudes presentes na parábola do Bom Pastor:

  • A defesa da dignidade das ovelhas: «Eu vim para que todos tenham vida e a tenham em abundância» (Jo 10,10). A liderança não deve ser desvinculada de exigências éticas, seria uma contradição: Verdade e Amor se identificam (cf. Sl 85,11); Por outro lado, o cuidado deve ser de todas as ovelhas e não apenas de um grupo;
  • A capacidade de doação (fazer-se oferta): «Eu dou a minha vida pelas minhas ovelhas» (Jo 10,15). Todo bom pastor é capaz de doação generosa, de entrega de si mesmo. Trata-se do dinamismo de contínua dedicação que permeia a totalidade da sua vida. Nas atitudes do Bom Pastor observamos uma incondicional oblatividade: capacidade de sacrifício, percepção das necessidades, solicitude, operosidade incansável, entrega criativa e afetuosa. É na capacidade de doação que o líder demonstra a sua generosidade pastoral, não caindo no funcionalismo;
  • A capacidade de relação: «Conheço as minhas ovelhas e as ovelhas me conhecem” (Jo 10,14). Na boa relação com as ovelhas está a fidelidade e o zelo do Pastor. O bom pastor segue seu rebanho acompanhando-o com carinho em todas as situações (cf. Sl 23); a relação de boa liderança pressupõe convivência, proximidade, escuta, diálogo, orientação, discernimento conjunto, senso de corresponsabilidade;
  • A transcendência: «Tenho ainda outras ovelhas, devo conduzi-las também» (Jo 10,16). Trata-se de visão aberta, capaz de ir além das costumeiras fronteiras, padrões, esquemas, métodos… Visto que o Bom Pastor é «sinal (sacramento) e instrumento de Salvação» seu serviço não deve ser «confinado». A experiência da transcendência é típica de pessoas maduras, generosas, apaixonadas, otimistas, esperançosas, abertas ao novo… Bem lidera quem estimula seus liderados a “olhar” para o além. As palavras desenvolvimento, progresso, crescimento, transformação, processo, transfiguração, prosperidade… devem fazer parte dos ideais e da sensibilidade dos bons líderes.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. O que mais lhe chama a atenção nas atitudes dos maus pastores?
  2. Quais outras características do Bom Pastor você ressaltaria?
  3. Quais são os principais desafios que devemos enfrentar para sermos bons pastores?