por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Introdução

Uma das mais importantes exigências que recai sobre um líder é aquela que diz respeito a sua dimensão ética. Quando Jesus disse aos seus apóstolos: “entre vocês, não deve ser assim. Quem quiser ser o maior, seja o servidor de todos” (Mt 20,26), estava colocando às claras a necessidade do cuidado com a dimensão ética do serviço dos apóstolos, marcado pela humildade, justiça, generosidade, simplicidade etc. Todos os níveis de liderança na Igreja estão a serviço do Reino de Deus, porque essa é a sua missão. Logo, não há espaço para nenhuma forma de violência, injustiça, desonestidade, interesses pessoais entre seus líderes no exercício da liderança. A figura de Judas Iscariotes é um permanente alerta para toda a Igreja. Ele é o homem da contradição, oposto daquilo que representa o cuidado caridoso para com as pessoas e o serviço generoso.

Nos Evangelhos Judas Iscariotes é sempre descrito negativamente: é um homem cínico que fazia perguntas para disfarçar suas más intenções e decisões pessoais (cf. Mt 26,25); sua aproximação e expressões de afetos para com Jesus eram falsas, mal-intencionadas (cf. Mt 26,49; Lc 22,48). Judas Iscariotes era ávido por dinheiro, desonesto e tinha um falso discurso filantrópico (cf. Jo 13,6.29); era fechado, não pedia opiniões e recusou a chance de comunhão com Jesus rejeitando comer o pedaço de pão que o mestre lhe ofertara rompendo a comunhão com os discípulos e abandonando o grupo (cf. Jo 13,26.30).

 

  1. Ética e liderança na atualidade

Atualmente na sociedade de modo geral, há um grande clamor pela ética na liderança em todas as áreas: na política, economia, esportes, artes, ciências, na vida profissional, na religião etc. A negação do espírito ético no serviço de liderança tem causado, em todas as citadas áreas, graves escândalos. Mas as consequências dos escândalos não atingem somente a dimensão moral dos envolvidos (pessoas e instituições), mas também acarreta graves prejuízos financeiros, perda da credibilidade, sofrimento, conflitos internos etc.

Em geral onde não há preocupação para com a dimensão ética do serviço, há margem para os mais variados tipos de desvios de condutas, opressão de pessoas, maus tratos, abuso de autoridade, assédio moral e sexual, exploração, negligência, vingança. Em geral, quando o relacionamento entre líderes e liderados não é pautado pela ética, torna-se violento, negligente, aliciante, seletivo… O líder é chamado a cuidar da sua “inteligência moral” que é a capacidade de zelar pela boa qualidade da sua relação para com os liderados primando pelos princípios da verdade, equidade, justiça, prudência, beneficência, delicadeza, respeito, discernimento justo.

A ausência da assimilação de parâmetros éticos orientadores da conduta do líder pode levá-lo a viver à deriva das suas carências, instintos, interesses pessoais, narcisismo, vícios, vaidade, indisciplina, prazeres pessoais, ideias próprias.  A ética na liderança não é um dom, mas é conquista consequente de um longo e gradual processo de formação pessoal e consciência do sentido das suas responsabilidades de serviço aos outros.

 

  1. Ética e liderança na Bíblia

A questão ética em relação à liderança e responsabilidades na Sagrada Escritura é muito presente. Antes de tudo, todo aquele que é chamado a servir em qualquer área, como fiel é chamado a deixar-se orientar pela fé em Deus, que é Verdade, Amor, Santidade. Por isso há o preceito de cada fiel, independente das suas responsabilidades, de ser santo porque Deus é santo (cf. Lv 11,44-45;19,2).

No livro do profeta Isaías encontra-se diversos acenos sobre a questão da ética na liderança; logo no ínicio do seu livro o profeta denuncia os líderes do povo por causa da sujeira, maldade, injustiças que praticavam em vez de promoverem o bem e respeitarem o direito dos outros (cf. Is 1,10-17; Is 28,7-13). Outro caso bem ilustrativo sobre a sensibilidade ética na liderança diz respeito à história de Sobna, ministro do rei Ezequias. Ele desviava recursos do tesouro da casa real e estava fazendo para si um túmulo escavado numa rocha; por isso foi demitido (cf. Is 28,15-19). Através do profeta Isaías Deus lhe diz: “Vou remover você do seu cargo, vou afastá-lo da sua função” (Is 28,19). A Deus não agrada pessoas desonestas na liderança. Como bem afirma São Paulo o que se deseja dos administradores é que sejam honestos (cf.1Cor 4,2).

Em geral os profetas sempre estiveram atentos à ética na liderança seja em relação a governadores e reis, como também a sacerdotes e falsos profetas. O profeta Jeremias e Ezequiel profetizaram duramente contra os falsos profetas da época em que viveram. Ezequiel afirmava que os falsos profetas seguiam seus próprios interesses, eram estúpidos, inventavam profecias, tinham visões inúteis, previsões enganosas (cf. Ez 13,1-10; Jr 23,9-32); com suas mentiras perturbavam a consciência do justo (cf. Ez 13,22). Muito dura é a crítica que o profeta Ezequiel dirige aos líderes do seu tempo (pastores de Israel); eles são acusados de serem egoístas, negligentes, interesseiros, violentos etc (cf. Ez 34,1-17). Malaquias denuncia a negligência dos sacerdotes, sendo acusados de perverter o justo ensino (cf. Ml 2,1-7): “Vocês, porém, se desviaram do caminho e fizeram muita gente fugir do ensinamento… vocês não seguiram os meus caminhos e foram parciais ao ensinar” (Ml 2,8-9).

Apesar de inicialmente ser apresentado como líder inteligente e sábio, também o Rei Salomão não foi poupado de críticas quando, em idade avançada, promoveu a idolatria, a corrupção, caiu em desvios afetivos, perdeu o discernimento. Os liderados ficaram à deriva, o reinado se enfraqueceu, emergiram os descontentes e o reino foi dividido (cf. 1Re 11,1-39; 12,1-22).

Jesus Cristo, o Bom Pastor, é o nosso modelo de líder: “ele andou por toda parte, fazendo o bem e curando todos os que estavam dominados pelo diabo” (At 10,38-39). Jesus nos alerta dizendo: “brilhe a luz de vocês diante dos homens, para que eles vejam as boas obras que vocês fazem, e louvem o Pai de vocês que está no céu» (Mt 5,16). Quem é estimulado pela fé em Jesus Cristo servindo a sua Igreja, deve se sentir chamado a servir em santidade e justiça todos os dias (cf. Lc 1,75-76).

Quando Jesus questionou a Pedro, por três vezes, se ele o amava (cf. Jo 21,15-19), antes de dizer-lhe “apascenta as minhas ovelhas” estava lhe colocando o Amor como fundamento da sadia liderança. Só quem ama pode verdadeiramente servir com justiça, verdade, espírito ético. Quando alguém assume a responsabilidade de liderança sem amor, facilmente corre o risco de graves desvios e violência. Só o amor pode qualificar positivamente o serviço através da generosidade, compaixão, respeito, criatividade, honestidade, transparência, entusiasmo, dedicação, sacrifício…

  1. A importância do cultivo de virtudes

A sustentabilidade da excelência ética do serviço de liderança pastoral não é fácil, tem um custo, é preciso esforço contínuo de crescimento nas virtudes e cuidado com a vida espiritual. Por isso São Pedro recomenda: “façam esforço para pôr mais virtude na fé, mais conhecimento na virtude, mais autodomínio no conhecimento, mais perseverança no autodomínio, mais piedade na perseverança, mais fraternidade na piedade e mais amor na fraternidade” (2Pd 1,5-7); “aquele que não tem essas virtudes é cego e míope” (2Pd 1,9).

No livro do Apocalipse apresenta-se tanto as virtudes quanto as fragilidades dos líderes das comunidades mencionadas (Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodiceia – Ap 2-3). Dentre as virtudes são citadas esforço, perseverança, firmeza de ânimo, discernimento, amor, fé, dedicação, testemunho… e das fragilidades o desânimo, medo, negligência, tibieza, vaidade, ilusão….

Para concluir lhe sugiro a leitura atenta do capítulo três da primeira carta de São Paulo a Timoteo. Encontramos nesse texto um longo elenco de virtudes recomendadas por São Paulo ao seu discípulo Timóteo. Não se trata de um idealismo moralista, mas de uma preocupação que todo bom líder deve cultivar em seu serviço à Igreja. O serviço de liderança é muito exigente, pois o líder está sempre exposto, sendo visado, controlado, avaliado, provado… Por isso Paulo recomenda a Timóteo de estar ciente das suas fragilidades e em contínuo esforço para que possa contribuir para o bem da Igreja.

Acima de tudo, nesse rico capítulo, Paulo elenca algumas importantes virtudes que tornam o líder uma pessoa capaz de deixar profundas marcas positivas na vida dos seus liderados onde quer que possa servir. As virtudes mencionadas são: o equilíbrio, a acolhida, hospitalidade, serenidade, sobriedade, tolerância, firmeza de ânimo, capacidade de educar, discernimento… O aspecto humano do líder é muito importante. Todo bom líder está continuamente cuidando do próprio perfil moral, lhe exigindo avaliação cotidiana. Esse é um trabalho interior que nos compromete a vida toda, nunca estaremos totalmente prontos. Por isso, o líder deve se esforçar para ser melhor a cada dia como pessoa para melhor servir.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Você acha importante a dimensão ética da liderança?
  2. Quais são as consequência da falta de ética na liderança?
  3. O que mais lhe chamou a atenção do texto 1Timóteo 3?