Introdução
No próximo domingo celebraremos o dia das Mães. É uma data muito significativa para toda a nossa sociedade. No forte carinho e admiração que temos para com as nossas mães, está implícito a saudade do útero materno que nos gerou e um vivo sentimento de gratidão.
Mas essa data constitui também uma ocasião para o aprofundamento do sentido da maternidade, suas virtudes e a beleza das suas expressões. Gostaria de lhe oferecer neste texto uma breve reflexão sobre a maternidade na Sagrada Escritura.
- A maternidade e a paternidade na Bíblia
Em toda a Sagrada Escritura, apesar do patriarcalismo e do machismo presente em alguns contextos, a figura da paternidade e da maternidade caminham juntas. Por exemplo, no livro do Eclesiástico temos um capítulo inteiro, o terceiro, sobre esse binômio inseparável. Paternidade e maternidade se enriquecem reciprocamente pelas mesmas virtudes e devem ser reconhecidas e honradas com igual teor e dignidade pelos filhos.
Nos livros sapienciais (Jó, Salmos, Provérbios, Eclesiastes, Cântico dos Cânticos, Sabedoria e Eclesiástico) é admirável a abundância de lições de vida no que diz respeito aos deveres da paternidade e da maternidade e a honrosa relação dos filhos para com seus pais. Muito além dos livros sapienciais, que reforçam a prática das virtudes, a maternidade na bíblia, em especial, é apresentada como Dom de Deus da qual decorre uma séria responsabilidade.
O ponto alto da exaltação da maternidade acontece com a encarnação do Filho de Deus. Foi num útero materno que o Filho de Deus assumiu a forma humana. Assim o útero da Mãe de Jesus tornou-se o sacrário vivo do Senhor da Vida.
- A maternidade Dom de Deus
Na Bíblia é insistentemente afirmada a maternidade como dom de Deus! Sem a fecundidade que vem de Deus, a mulher permanece vergonhosamente estéril causando-lhe grande sofrimento (cf. Gn 16,2; 17,15; 30,2; 1Sam 1,8). Dessa forma a maternidade é uma vocação: dom de Deus e responsabilidade da mulher.
Sendo a maternidade fruto da Providência Divina, é universalmente dada às mulheres em todas as condições e status, pois para Deus nada é impossível (cf. Gn 18,14; Jr 32,27; Lc 1,37). Por ser a maternidade, dom de Deus, ficam grávidas idosas, estéreis, escravas e até uma virgem. Ficam grávidas: Sara esposa de Abraão e Isabel, esposa de Zacarias (mãe de João Batista), ambas idosas e estéreis (cf. Gn 18,1-15; Lc 1,7.24); Ana, também estéril, mãe do profeta e sacerdote Samuel (cf. Sam 1,1-23); Agar (escrava egípcia que servia a Sara, esposa de Abrão (cf. Gn 16,15); Tamar que era prostituta (cf. Gn 38,24); e a Virgem Maria, a Mãe de Jesus (cf. Mt 1,22-25). Esse é o único caso de maternidade totalmente excepcional por se tratar de uma virgem que engravida sem ter relações sexuais.
Chama-nos muito a atenção as palavras de uma santa mãe judia que, sofrendo dura perseguição por não negar sua religião, luta pela fidelidade religiosa de seus filhos. Para eles declara com firmeza e fé o mistério da sua maternidade dizendo-lhes:
“Não sei como vocês apareceram no meu ventre. Não fui eu que dei a vocês o espírito e a vida, nem fui eu que dei forma aos membros de cada um de vocês. Foi o Criador do mundo, que modela a humanidade e determina a origem de tudo” (2Mac 7,22-23 – Leia todo o capítulo, é lindo!).
- A maternidade gera
Destaque especial e simbólico é dado ao ventre materno (útero); é o nosso primeiro ambiente de vida, nele fomos formados, sustentados, dele todos saímos e para lá não voltamos mais (cf. Jó 1,21; Jo 3,11; Jó 31,15; cf. Sl 138,13; Ecl 5,14; Sb 7,1; Sl 71,6; Jr 1,5).
Por vontade divina, o útero é o núcleo mais íntimo da maternidade, casa que nos acolheu e formou por nove meses e do qual jamais conseguimos psicologicamente nos afastar. É daí que vem a sacralidade da maternidade biológica!
Do ventre materno, ambiente de guarda e de aconchego, brota na mãe o instinto do cuidado, do amparo, da proteção. O ventre materno é sagrado porque a vida é dom de Deus. Eis o que o anjo Gabriel disse a Maria: “bendito é o fruto de teu ventre” (Lc 1,42).
Todo fruto do ventre é bendito, sacro, digno de ser amado, protegido, amparado! A vida é sagrada, dom de Deus! O ventre materno é o lugar da primeira consagração começando nossa existência, onde já somos amados e queridos (cf. Eclo 49,7; Jr 1,5).
- A maternidade alimenta
O útero que gera, compromete os seios que devem amamentar aquele que foi gerado. Geração e cuidado são inseparáveis e, dessa forma, se amplia a vocação e missão da maternidade. A maternidade é fonte de abundância, generosidade e saciedade através do ato de amamentar dando manutenção à vida gerada (cf. Jó 38,8; Ct 8,1). Amamentar é um dom de Deus e responsabilidade do ser mãe (cf. Sl 22,10-11). O peito materno é fonte de vida (cf. Jó 24,9)… O regaço materno é sempre ambiente protetor!
Amamentar é dar-se, entregar-se, nutrir o novo ser gerado em si mesmo! Dessa forma, o leite materno não tem somente um significado material, mas um íntimo sentido comunicativo de afeto e intimidade entre mãe e filho! É por isso que crianças bem amamentadas crescem sadiamente, com mais robustez física e vigor psicológico!
A maternidade também se estende para quem alimenta e cuida, mesmo sem ter gerado biologicamente. É assim o caso das mães adotivas (são muitas!), mães de coração! Foi assim que aconteceu com Moisés! Uma, foi aquela que o gerou, e outra quem dele cuidou, amamentou, protegeu, educou! (cf. Ex 2,1-10; Nm 26,59).
- A maternidade educa!
Os horizontes da experiência da maternidade, na perspectiva bíblica, são vastos! A mãe que gera é a mesma que deve alimentar e educar! Não basta o leite material! A sábia mãe deve também proporcionar a seus filhos o leite da sabedoria, o leite do ensino, o leite da educação, o leite do treinamento à prática das virtudes (educação moral), caso contrário, terá maldição (cf. Pr 1,8; 6,20;30,17;31,1; Eclo 3,16).
Mais uma vez recorramos a outros versículos do discurso daquela mãe perseguida. Veja sua consciência de maternidade que educa, anima e promove a fé do seu filho com impressionante firmeza e lucidez: «Meu filho, tenha dó de mim! Eu carreguei você no meu ventre durante nove meses. Eu amamentei você por três anos. Eduquei, criei e tratei você até esta idade! Meu filho, eu lhe imploro: olhe o céu e a terra, e observe tudo o que neles existe. Deus criou tudo isso do nada, e a humanidade teve a mesma origem» (2Mac 7,27-29). Ela é Mãe, Educadora, testemunha de Fé e Catequista!
Tendo sido gerado, alimentado, educado, o filho por sua vez, deve reconhecer a autoridade de sua mãe e honrá-la generosamente (cf. Eclo 3,1-17). É insensato, desonrado e infame o filho que não honra (ama, respeita) sua mãe (cf. Pr 15,20; Pr 19,26), causando-lhe, com sua rebeldia e dureza, sofrimento e amargura (cf. Pr 17,25).
Ao contrário, reconhecendo a grandeza de sua mãe, simplesmente por estar nas origens de sua vida, sempre a honra, jamais a despreza e cuida dela na velhice (cf. Pr 23,22; Eclo 3,12-13). É gratidão, fé, reconhecimento, sabedoria, justiça!
Não poderíamos deixar de mencionar alguns gestos da maternidade de Maria, a mãe de Jesus, a mais extraordinária de todas as mães. Ela acolheu a maternidade como dom de Deus (cf. Lc 1,38), deu à luz a seu filho num ambiente de pobreza extrema, mas o confortou com seu terno cuidado (cf. Lc 2,6-7); acompanhou-o em suas peripécias de adolescente respeitando sua paixão por Deus-Pai (cf. Lc 2,41-50), seguiu-o como adulto providenciando-lhe o que esteve ao seu alcance (cf. Lc 8,1-5) e testemunhou sua fidelidade materna até os últimos e dramáticos momentos de vida (cf. Jo 19,25-26).
A humanidade será salva pela sua maternidade (cf. 1Tm 2,15): metáfora do cuidado, do zelo, da generosidade… Feliz de quem tem ou teve mãe! Feliz da mãe que faz e fez a experiência da Maternidade! Parabéns, a todas as MÃES!
PARA REFLEXÃO PESSOAL:
- Quais as principais virtudes da sua mãe?
- Por que a maternidade e paternidade são inseparáveis?
- Quais atitudes lhe parecem mais significativas da maternidade de Maria, a mãe de Jesus?
POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB
Bispo Auxiliar de Belém - PA
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Todos os artigos de Dom Antônio sobre a pandemia do novo coronavírus (COVID-19):
1- EM TEMPOS DE CRISE, GRANDES LIÇÕES: a dimensão socioafetiva e moral (Parte 1)
2- EM TEMPOS DE CRISE, GRANDES LIÇÕES: A Pastoral Juvenil em tempos de Quarentena (Parte 2)
3- O sofrimento na pandemia da COVID-19 e a questão religiosa (parte 3)
4- A pandemia da COVID-19: A saúde, dom e responsabilidade (Parte 4)