
por Dom Alberto Taveira Corrêa
Arcebispo Metropolitano de Belém
Muitos conhecem ou já ouviram falar do Caminho de Santiago. Outros já percorreram tal caminho, pelos vários roteiros propostos. Certamente o interesse religioso, místico ou turístico conduz muitos passos nesta estrada. Entretanto, sabemos que a origem é estritamente religiosa, cristã e católica. E os resultados espirituais e de conversão são manifestos na vida de tantas pessoas. São muitos os símbolos usados pelos peregrinos, como São João Paulo II, que percorreu alguns passos com o bastão, a concha e a cabaça, recordando o sentido espiritual da peregrinação, também para convidar as pessoas de nosso tempo a expressar, nas muitas peregrinações possíveis, o caminho da santidade, que o Senhor nos propõe. Nós mesmos, ao viver a magnífica experiência do Círio de Nazaré, tornamo-nos peregrinos e romeiros, fazendo de nossas avenidas e ruas sinais do caminho de fé a que somos chamados. Com toda certeza, os passos dados nas tantas procissões, ou o caminho sofrido e repleto de frutos, percorrido pelos promesseiros, os pedaços da corda do Círio levados para casa, a água benta do final da caminhada, tudo isso pode, se nos deixarmos envolver, ser sinais de nossa abertura para Deus e sua Palavra de Vida e Salvação, conduzidos por Nossa Senhora de Nazaré e envolvidos por seu manto, na certeza de que Maria passa na frente.
É assim que desejamos viver com a Igreja a Solenidade de todos os Santos, envolvidos pela imensa nuvem de testemunhas fiéis, homens e mulheres de todas as idades e categorias sociais ou estados de vida, cujo exemplo e intercessão nos acompanham na estrada da santidade. Peregrinos são os que caminham em Deus e para Deus. Nosso roteiro de peregrinos tem como referência os ensinamentos de São João Paulo II sobre a santidade, de quem recolhemos verdadeiras pérolas (Cf. Novo millenio ineunte 30-40).
São João Paulo II introduz o assunto dizendo que o horizonte da santidade deve iluminar toda a ação da Igreja. Isso significa exprimir a convicção de que, se o Batismo é um verdadeiro ingresso na santidade de Deus através da inserção em Cristo e da habitação do seu Espírito, seria um contrassenso contentar-se com uma vida medíocre, pautada por uma religiosidade superficial. Perguntar a um catecúmeno: “Queres receber o Batismo?” significa pedir-lhe: “Queres fazer-te santo?”. Nossa primeira proposta é assumir como próprio o ideal da santidade e da perfeição, sem nivelar nossa vida pelo rodapé da existência. Tenhamos força para repetir que desejamos caminhar para frente e para o alto! Acolhamos a palavra de um santo de nosso tempo: “É hora de propor de novo a todos, com convicção, esta medida alta da vida cristã ordinária”.
Para tanto, é essencial assumir uma expressão forte e provocante, o ódio ao pecado! É nosso dever reconhecer-nos pecadores, ser misericordiosos uns com os outros, mas rejeitar o acomodamento ao pecado. Alguém pode até usar uma expressão popular: “Não criar cobra dentro de casa”, no sentido de ser radicais, buscando ser melhores a cada dia, vencendo inclusive as pequenas falhas. E para ajudar-nos, vejamos o que propõe São João Paulo II: “Fazer todo o esforço para superar a crise do sentido do pecado, que se verifica na cultura contemporânea e, mais ainda, voltar descobrir Cristo como Mistério de piedade, no qual Deus nos mostra o seu coração compassivo e nos reconcilia plenamente consigo. Tal é o rosto de Cristo que importa fazer redescobrir também através do sacramento da Penitência, que constitui, para um cristão, a via ordinária para obter o perdão e a remissão dos seus pecados graves cometidos depois do Batismo” (Cf. Novo millenio ineunte 37).
Depois, para percorrer o caminho da santidade, aprender a arte da oração. Na oração desenrola-se um diálogo com Jesus, que faz de nós seus amigos íntimos. “Obra do Espírito Santo em nós, a oração abre-nos, por Cristo e em Cristo, à contemplação do rosto do Pai. Aprender esta lógica trinitária da oração cristã, vivendo-a plenamente sobretudo na liturgia, meta e fonte da vida eclesial, mas também na experiência pessoal, é o segredo dum cristianismo verdadeiramente vital, sem motivos para temer o futuro porque volta continuamente às fontes e aí se regenera. Uma oração intensa, mas sem afastar do compromisso na história: ao abrir o coração ao amor de Deus, aquela o abre também ao amor dos irmãos, tornando-nos capazes de construir a história segundo o desígnio de Deus”. (Novo Millenio ineunte 32-33).
E a principal e mais completa oração da Igreja é a Eucaristia, celebrada do nascer ao pôr-do-sol, até a vinda do Senhor. João Paulo II insistiu que “celebrando precisamente a sua Páscoa não só uma vez por ano, mas todos os domingos, a Igreja continuará a indicar a cada geração o eixo fundamental da história, ao qual fazem referência o mistério das origens e o do destino do mundo. A participação na Eucaristia seja verdadeiramente, para cada batizado, o coração do domingo, um compromisso irrenunciável, abraçado como necessidade para uma vida cristã verdadeiramente consciente e coerente. Ao congregar-nos como família de Deus à volta da mesa da Palavra e do Pão de vida, a Eucaristia dominical é o antídoto mais natural contra o isolamento, o lugar privilegiado, onde a comunhão é constantemente anunciada e fomentada. Através da participação eucarística, o dia do Senhor torna-se também o dia da Igreja, a qual poderá assim desempenhar de modo eficaz a sua missão de sacramento de unidade (Cf. Novo Millenio ineunte 36).
A busca da perfeição da vida cristã, vencendo o pecado, exercitando intensa vida de oração, adequada a cada estado de vida dos cristãos, com o ideal da santidade presente no horizonte e a prática das virtudes, poderá acontecer se houver um vigoroso anúncio e uma renovada escuta da Palavra de Deus (Cf. Novo Millenio ineunte 39-40). É necessário que a escuta da Palavra se torne um encontro vital, segundo a antiga e sempre válida tradição da leitura orante da Palavra de Deus (“Lectio divina”), que permite ler o texto bíblico como palavra viva que interpela, orienta, plasma a existência.
Enfim, reportando-nos ainda a São João Paulo II, nosso tempo é rico de testemunhas, que sabem, ora dum modo ora de outro, viver o Evangelho em situações de hostilidade e perseguição até darem muitas vezes a prova suprema do sangue. Neles, a palavra de Deus, semeada em terra boa, produz o cêntuplo. Com o seu exemplo, indicam-nos e de certo modo aplainam para nós a estrada do futuro. A nós, resta-nos apenas seguir, com a graça de Deus, as suas pegadas (Cf. Novo Millenio Ineunte 40). No dia de todos os Santos, abra-se diante de nós o magnífico leque de exemplos e sinais, para que sigamos seus passos!
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