por Dom Pedro Jose Conti
Bispo da Diocese Macapá

Macapá, 20 de novembro de 2024

Quando fui nomeado bispo de Conceição do Araguaia, Dom José já era bispo de Marajó. Devido à distância nos encontrávamos somente nas reuniões oficiais dos bispos do Regional ou nas Assembleias que aconteciam ainda em Itaici.

Dom José, porém, era já famoso e, certa vez foi convidado para ser o pregador da Assembleia da RCC em Conceição. Lembro daqueles momentos porque, uma noite, voltando para casa, o vigia já havia solto os cachorros e, infelizmente, D. José foi mordido por um deles. Ganhou logo uma injeção contra a raiva e, no dia seguinte, uma calça nova. Apesar da dor, muito paciente, ele não desanimou e soube animar a turma da Renovação do jeito que só ele sabia fazer.

Lembro também que foi D. José que, no tempo intercorrido depois do falecimento de D. João Risatti, me disse familiarmente: – Se prepare.

Na hora eu não entendi para que devia me preparar. Somente depois da minha transferência para Macapá é que fui perceber o sentido das suas palavras. Foi assim que nos tornamos “vizinhos” e, acredito, amigos.

Criou-se uma certa familiaridade entre nós sobretudo nos momentos nos quais D. José precisava deslocar-se para as comunidades da paróquia de Afuá e das demais paróquias da Prelazia de Marajó que estão mais próximas do Amapá.  D. José chegava, do portão já gritava com o seu vozeirão: – Pedro (só ultimamente usava o celular…), eu abria e ele ficava na casa onde eu moro o tempo necessário, às vezes uma noite ou um dia inteiro até aguardar a maré certa para pendurar a rede no barco que sai para Afuá da rampa de Sta. Inês.

Foi nestes momentos, ao redor da mesa, após uma janta ou um almoço, com um bom copo de vinho, que conheci melhor D. José. Eu aproveitava para desabafar e partilhar um pouco os desafios da vida pastoral. Procurava escutar os conselhos dele após tantos anos de experiência como bispo. Nem sempre concordávamos em tudo, mas não ficávamos discutindo quem tinha razão. A sabedoria pode ter pontos de vista diferentes, contanto que tenham o mesmo objetivo: no nosso caso, era a evangelização e, sem dúvida alguma, a dignidade dos mais fracos e desprotegidos.

Ele sabia escutar porque sempre se mostrava interessado e curioso quando eu contava as iniciativas que estávamos levando para frente na Diocese de Macapá. De maneira especial me incentivava a nunca desanimar, a perseverar e a confiar acima de tudo na força do Espírito Santo e na misericórdia do Senhor.

Certas vezes chegava preocupado, dizia que as coisas deviam ser diferentes, mas nunca o vi triste ou abatido. Também não falava das ameaças que recebia. Se tinha medo, nunca saberemos. Homem vigoroso, parecia nunca cansar; até nas últimas viagens, já como emérito e já mancando um pouco, mas sempre firme e decidido.

Acredito que D. José nos deixa um legato precioso seja como pessoa pela sua amabilidade, seja, sobretudo, como “pastor” apaixonado pelo seu rebanho, pronto a dar a vida por causa do Evangelho.

Devo reconhecer que sobre certos assuntos, D. José era irredutível, dizia mesmo que não podia calar. Sempre eram questões de vida, respeito, dignidade dos pequenos, das crianças, dos ribeirinhos esquecidos e excluídos. Reclamava que às vezes nos nossos discursos e nos documentos da CNBB não era dado o valor que merecia ao caminho da cruz necessário para chegar à ressurreição, que não haveria vitória sem sofrimento e entrega total. Sempre cobrava a conversão. Era radicalismo? Se foi assim, ele era o primeiro a dar o exemplo de vida simples e pobre. Os outros, os sofredores, os afastados antes dele. Assim pregava, assim viveu.

Muito obrigado Dom José!