DOUTRINA SOCIAL E CATEQUESE: TEMAS SOCIAIS NAS CARTAS CATÓLICAS (Parte 8)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro

Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do Pará

Introdução

As cartas de Tiago, Pedro, João e Judas são chamadas “cartas católicas”. Receberam esse título por causa da universalidade dos seus destinatários. Não são textos dirigidos a uma comunidade específica nem a uma pessoa em particular, mas foram endereçadas a toda a Igreja. A 3a Carta de São João, porém, é diferente. Seu destinatário se chama Gaio, líder de uma comunidade.

Mas o que nos interessa aqui, é continuar aquele processo de identificação de temas sociais nesses escritos. Há alguns temas comuns nesses escritos como por exemplo a condenação dos falsos mestres, o estímulo à vivência da integridade da fé, exortação à perseverança em tempos de perseguição, a firmeza na manutenção da Esperança até o fim dos tempos.

  1. Carta de São Tiago
  • Abertura à universalidade: merece atenção o primeiro versículo da carta de São Tiago apresentando a universalidade do seu escrito, endereçada “às doze tribos espalhadas pelo mundo” (Tg 1,1). Essa saudação estimula a Igreja a cultivar um olhar sempre aberto a todos. Ela não deve se fechar numa categoria de pessoas, muito menos privilegiar um espaço sociocultural. A sensibilidade social da Igreja depende desse olhar amplo para sua missão considerando todas as suas dimensões, ambientes e sujeitos nas suas variadas situações existenciais.
  • Pobres e ricos: um dos mais expressivos textos sobre riqueza e pobreza no Novo Testamento, encontramos na carta de São Tiago. O apóstolo afirma a dignidade do pobre: “Que o irmão pobre se orgulhe de sua alta dignidade” (Tg 2,9). A pobreza e a riqueza são situações passageiras e não constitui aquilo que é essencial para ser pessoa e por isso ela não pode ser tratada conforme sua condição socioeconômica (cf. Tg 2,10-11). É necessário evitar o favoritismo entre as pessoas, que nos leva a tratá-las de modo diferente baseado no status socioeconômico (cf. Tg 2,1-6). O conceito de “rico” é moralmente negativo; sendo quase que sinônimo de opressor, injusto (cf. Tg 2,6-7), violento e que acumulou bens materiais em detrimento dos pobres (cf. Tg 5,1-5).
  • A fé gera Obras: outro tema muito significativo para Tiago é a relação entre fé e obras. A fé deve se expressar através das obras, tanto em sua dimensão pessoal quanto social. “Do mesmo modo que o corpo sem o espírito é cadáver, assim também a fé: sem as obras ela é cadáver” (cf. Tg 2,24).
  • A ambivalência da comunicação (cf. Tg 3,1-12). A comunicação pode produzir efeitos tanto positivos, quanto negativos. Para estar a serviço da verdade, ela precisa ser guiada pela Sabedoria que vem de Deus. A autenticidade da comunicação necessita da virtude da sabedoria para ser pautada pela verdade. A “sabedoria que vem do alto é, antes de tudo, pura, pacífica, humilde, compreensiva, cheia de misericórdia e bons frutos, sem discriminações e sem hipocrisia” (Tg 2,17).
  • Ética e religião. “Se alguém pensa que é religioso e não sabe controlar a língua, está enganando a si mesmo, e sua religião não vale nada. “Religião pura e sem mancha diante de Deus, nosso Pai, é esta: socorrer os órfãos e as viúvas em aflição, e manter-se livre da corrupção do mundo” (Tg 2,26-27).

 

  1. Primeira e segunda carta de São Pedro
  • A rejeição da maldade: os fiéis são exortados a rejeitar qualquer maldade, toda mentira, formas de hipocrisia, inveja e maledicência (cf. 1Pd 2,1), “porque os olhos do Senhor estão sobre os justos e seus ouvidos estão atentos à prece deles. Mas o rosto do Senhor se volta contra os que praticam o mal” (1Pd 3,12).
  • A família: a vida conjugal deve ser marcada pela compreensão, cuidado, respeito e delicadeza (cf. 1Pd 3,1-7).
  • O impacto social da fé: o batismo marca o início de uma vida nova, de busca da vontade de Deus e libertação das paixões humanas. Por isso afirma São Pedro: “vocês passaram muito tempo vivendo conforme o estilo pagão, entregues a uma vida de dissolução, cobiça, embriaguez, comilanças, bebedeiras e idolatrias abomináveis. Agora, os outros estranham que vocês não se entreguem à mesma torrente de perdição e por isso os cobrem de insultos” (1Pd 4,3-4).
  • O serviço de liderança: trata-se de um ministério delicado e de caráter comunitário. Quem lidera deve cuidar do rebanho, convicto de que não é dono de ninguém; por isso não deve se impor, nem buscar o lucro sujo, mas servir com liberdade e generosamente (cf. 1Pd 5,2-3). Esse trecho destinado a animar os líderes de comunidades, presbíteros, pode também ser aplicado no campo da política do governo civil e líderes de qualquer instituições na sociedade.
  • A denúncia dos falsos profetas: Pedro reconhece que houve falsos profetas na história de Israel e profetizou o surgimento de tantos outros no futuro que iriam disseminar heresias perniciosas. Eles com suas doutrinas dissolutas, amor ao dinheiro, palavras enganadoras, provocariam o descrédito do caminho da verdade (cf. 2Pd 2,1-3). E ainda alerta dizendo: “nos últimos dias aparecerão pessoas que zombarão de tudo e se comportarão ao sabor de seus próprios desejos” (2Pd 3,3). Um dos temas sociais mais desafiadores para a Doutrina Social da Igreja, atualmente, que exige diálogo e profundo senso crítico, é aquele das ideologias.

 

  1. Cartas de São João
  • Amor a Deus e aos irmãos: o amor a Deus deve ser concretizado através das obras. Um dos modos de manifestação do amor a Deus, é através da solidariedade para com os irmãos necessitados. Por isso o Apóstolo questiona: “Se alguém possui os bens deste mundo e, vendo o seu irmão em necessidade, fecha-lhe o coração, como pode o amor de Deus permanecer nele? Filhinhos, não amemos com palavras nem com a língua, mas com obras e de verdade” (1Jo 3,17-18). “Se alguém diz: «Eu amo a Deus», e, no entanto, odeia o seu irmão, esse tal é mentiroso; pois quem não ama o seu irmão, a quem vê, não poderá amar a Deus, a quem não vê… quem ama a Deus, ame também o seu irmão” (1Jo 4,20-21).
  • Discernimento: a Doutrina Social da Igreja é sempre convidada a discernir os sinais dos tempos. Esse também é o convite que o apóstolo João faz à toda a Igreja. “Amados, não dêem crédito a todos os que se dizem inspirados; antes, examinem os espíritos, para saber se vêm de Deus, pois no mundo já apareceram muitos falsos profetas” (1Jo 4,1). O critério que o apóstolo João oferece para esse discernimento é o confronto com a pessoa de Jesus Cristo (cf. 1Jo 4,2).
  • O mau líder: na terceira carta de São João temos a denúncia do mau líder. A carta é endereçada a um bom líder chamado Gaio, mas recebe advertências contra Diótrefes que tem um perfil de liderança autocrático, dominador, arrogante, mal-intencionado, incapaz de acolhida dos dons dos outros e difamador (cf. 3Jo 9-10). O fundamento do ministério da liderança comunitária não deve ser as ideias e sentimentos pessoais do líder, mas é o Amor e a Verdade.

 

  1. Carta de São Judas

O apóstolo São Judas exorta os seus leitores para que não sejam vítimas do charlatãs enganadores.  Para São Judas, eles “são como as ondas bravias do mar, espumando a própria indecência…. astros errantes” (Judas 13); são “murmuradores que renegam a própria sorte e agem de acordo com suas próprias paixões; sua boca profere palavras orgulhosas e bajulam as pessoas por motivos interesseiros” (Jd 16); conclui a sua carta com esta advertência: «No fim dos tempos aparecerão impostores que se comportarão conforme as suas paixões.» São esses indivíduos! Eles causam divisões, são materiais e não possuem o Espírito” (Jd 18-19).

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Qual é a relação entre Doutrina social da Igreja e a Universalidade?
  2. Por que a questão cultural é um importante tema de Doutrina Social da Igreja?
  3. Quais são as denúncias sobre os maus líderes e onde podem ser aplicadas?

Artigos Anteriores

AS LIÇÕES DA EXPERIÊNCIA DE UM ACAMPAMENTO

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém De modo geral, a experiência dos acampamentos juvenis, de caráter pastoral, gera uma profunda atração nos jovens; para que possamos compreender esse fenômeno é necessário considerarmos a...

A TRANSVERSALIDADE DA PASTORAL JUVENIL

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Na Exortação Apostólica Christus Vivit afirma-se que, às vezes, “perante um mundo cheio de tanta violência e egoísmo, os jovens podem correr o risco de se fechar em pequenos grupos,...

A VISÃO DA PESSOA HUMANA E A PASTORAL JUVENIL

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Numa sociedade profundamente marcada por múltiplas formas de reducionismos e polarização, é necessário que a ação pastoral nunca perca a visão da totalidade da identidade da Igreja. Na era...

PASTORAL JUVENIL: EDUCAR E EVANGELIZAR ATRAVÉS DA DIMENSÃO LÚDICA

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém Na Exortação Apostólica, Pós-sinodal, Christus Vivit, o Papa Francisco provocou a Igreja a promover uma profunda renovação da Pastoral Juvenil. Ela não deve estar fechada na dimensão...

INVESTIR TEMPO, ENERGIA E RECURSOS NA PASTORAL JUVENIL

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém O parágrafo 119, do documento final do Sínodo dos bispos sobre os jovens, nos diz que a prioridade da pastoral juvenil é uma escolha que exige investimento de "tempo, energias e recursos"....

AMIZADE E ESPERANÇA (Final)

por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém A experiência da Amizade nos proporciona dois níveis de esperança: o primeiro é aquele mundano, da nossa história, deste mundo no relacionamento com os outros; o outro é a Esperança da vida...

A AMIZADE ENTRE AS INSTITUIÇÕES (Parte 16)

  por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém A reflexão sobre amizade social entre as pessoas físicas e grupos, nos estimula a estendê-la ao nível das instituições. Quando o Papa Francisco lançou o Pacto Educativo Global foi...

AMIZADE E SEXUALIDADE (Parte 15)

  por Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém A Campanha da Fraternidade deste ano que tem como tema a amizade social, nos estimula a refleti-la em muitas direções e a aprofundá-la em várias dimensões. Uma delas é a relação entre...

AMIZADE E ESPIRITUALIDADE (Parte 14)

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáQual é a contribuição da fé para a experiência da amizade? Como a espiritualidade contribui para a promoção da sustentabilidade da amizade? Encontramos na Sagrada Escritura muitas pistas...

EDUCAR PARA A AMIZADE (Parte 13)

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do ParáA educação como desenvolvimento humano integral, abraça a promoção da totalidade das dimensões da pessoa humana. Visto que tudo depende da inteligência, o processo de educação integral deve...

ARQUIDIOCESE DE BELÉM REALIZA ‘I CONGRESSO MARIANO DA JUVENTUDE’

por Pe Demisson Batista /  Assessor do Setor Juventude da Arquidiocese de BelémO Setor Juventude da Arquidiocese de Belém realizou, no sábado, dia 4, no Centro de Cultura e Formação Cristã, o ‘I Congresso Mariano da Juventude’, que reuniu cerca de 450 jovens da...

AMIZADE, CONFLITO E RESILIÊNCIA RELACIONAL (Parte 12)

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáNinguém pode afirmar com segurança e despreocupação que tem um amigo garantido e ficar tranquilo. Um amigo não é um objeto e a amizade não é um contrato assinado, mas é uma relação viva,...

A DIMENSÃO ÉTICA DA AMIZADE (Parte 11)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará Na visão popular a amizade está sempre conectada à alegria, à festa, ao prazer, ao lazer, à diversão, à aventura, ao companheirismo, ao apoio nas horas imprevistas. Contudo, na era do...

AMIZADE NOS ATOS DOS APÓSTOLOS E EPÍSTOLAS (Parte 10)

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáA chave de leitura para entendermos a importância da questão da amizade nos Atos dos Apóstolos e nas diversas cartas é a amplitude e o dinamismo do mandamento do Amor deixado por Jesus...

A AMIZADE EM JESUS CRISTO (Parte 9)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáJesus Cristo é o mestre das relações humanas. Por ser verdadeiro Deus e verdadeiro homem, Nele a experiência da Amizade é uma realidade profundamente complexa se manifestando em diversos...

A PRIMAZIA DA MISERICÓRDIA

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáTodos os anos a Igreja nos convida a meditar solenemente sobre o Mistério da Misericórdia divina, no assim chamado, Domingo da Misericórdia, a ser celebrado no segundo Domingo da Páscoa;...

AMIZADE NOS LIVROS SAPIENCIAIS (Parte 8)

por Dom Antônio de Assis RibeiroBispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáNos livros sapienciais encontramos a maioria das citações bíblicas sobre a amizade e a identidade do verdadeiro amigo. À diferença dos livros históricos, nos sapienciais não encontramos a...

AMIZADE NA BÍBLIA: ALGUNS CASOS (Parte 7)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáNa Bíblia encontramos muitas narrações profundamente significativas sobre a experiência da amizade. As relações de afeto entre duas ou mais pessoas nem sempre, porém, são marcadas pela...

A AMIZADE SOCIAL NA ENCÍCLICA FRATELLI TUTTI (Parte 6)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do Pará O Papa Francisco através da Encíclica Fratelli Tutti (ano 2020) nos convida a contemplar novos horizontes para as relações humanas e descortinar a beleza da dimensão social da amizade com...

A AMIZADE NA EXORTAÇÃO APOSTÓLICA CHRISTUS VIVIT (Parte 5)

por Dom Antônio de Assis Ribeiro Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém do ParáA pastoral juvenil abraça a totalidade das dimensões da pessoa do jovem, dentre elas, estão as dimensões socioafetiva, vocacional, lúdica, sexual. Uma pastoral juvenil que não dá a devida...