Dom Antonio de Assis Ribeiro, SDB
Bispo Auxiliar da Arquidiocese de Belém

Introdução

Em muitas ocasiões tenho encontrado, em diversos contextos pastorais, líderes messiânicos, aqueles que manifestam através de suas atitudes que chegaram ilusoriamente para resolver todos os problemas, mas lamentavelmente, sem o devido respeito para com o passado. Os “messias vaidosos” tem dificuldade de abraçar a realidade com seu passado, presente e pretendem tudo renovar. Mas sem o retrovisor da história nenhum líder tem condições de olhar para o futuro. Essa tentação pode envolver todas as categorias de pessoas na sociedade e na Igreja.

Líderes messiânicos são presentistas e desonestos porque não são capazes de reconhecer a natureza da história. Mas somos todos sujeitos participantes de um caminho onde, cada um, na sua condição, dá sua contribuição para o bem comum. Quem chega deve olhar para o passado dos liderados, valorizar a história, reconhecer conquistas, apreciar as virtudes dos que o precederam, continuar bons projetos já consolidados.  Quem não valoriza o passado, já começa mal o seu serviço. Por isso, nenhum sábio líder deve começar seu serviço promovendo radicais mudanças. Tudo a seu tempo!

Por isso é importante a atenção para com a história. Os líderes, em todos os níveis, são chamados a cultivar essa sensibilidade. É uma atitude de respeito. Mas sem documentos de alguma forma, não há história. Eis mais uma questão que deve ser objeto de atenção de quem assumiu um serviço de liderança na Igreja.

  1. Por que documentar?

Para a Igreja Católica a questão da documentação é uma exigência muito importante. A história tem uma dimensão teológica e canônica. Sem a consideração da história não haveria a Tradição, tão apreciada pela Igreja. O Direito Canônico é muito claro quando apresenta critérios e exigências concretas sobre o devido cuidado que se deve dar aos documentos relativos à vida da Igreja (cf. Cân. 486-491, 535). Toda comunidade eclesial tem uma história porque é constituída por pessoas com seus ideais, sonhos, lutas, virtudes, serviços e também são portadoras de fragilidades.

A documentação da história é reconhecimento da importância da contribuição dos sujeitos para o crescimento de um povo, comunidade, instituição, projeto. Um líder despido da importância da visão da história pode incorrer em graves erros, como  observamos em muitas instituições e serviços, como por exemplo: postura vaidosa e criminosa capaz de destruir documentos institucionais, redução da história da instituição ao presente, repetição de erros por não levar em conta o passado, negação da mutação do contexto sociocultural, promoção de conflitos com os testemunhos oculares dos fatos do passado, desvalorização do legado recebido, falta de reconhecimento de que o dinamismo de cada período de uma instituição contribui para o seu amadurecimento etc.

  1. A Bíblia valoriza a história

Na Bíblia Sagrada encontramos uma grande valorização da história. A história deve ser documentada, recordada, refletida porque nela Deus se manifesta, sobretudo, através das pessoas, mas também por meio de fatos extraordinários. Recordemos o convite do Eclesiástico a valorizar história com seus personagens ilustres, suas virtudes e feitos (cf. Eclo 44,1-8). Quantas pessoas profundamente virtuosas nos precederam em nossas comunidades, pastorais, movimentos, paróquias, dioceses, congregações etc, mas estão completamente esquecidas, apesar da grande contribuição para que chegássemos, hoje, na situação em que nós estamos! Sem dúvida, temos para com esses ilustres personagens uma grande dívida moral e gratidão permanente. Sem pessoas não há história!

Documentar os fatos importantes de uma instituição, serve para tomarmos consciência da história dos problemas, do perfil dos seus governantes, da história do povo, conquistas (cf. Esd 4,11-16); os documentos podem elucidar versões de narrativas, desmascarar mentiras históricas, evidenciar fraudes, desmascarar planos perversos (cf. Est 6,1-14).

Na história de Esdras e Neemias colhemos uma forte sensibilidade para com a importância da história. Dar atenção aos documentos serve para resgatar o passado, fortalecer o presente e projetar o futuro evitando novos dramas (cf. 2Mac 2,1-32); os registros documentam os sinais da manifestação de Deus na história, tornam-se fonte de memória para não serem esquecidas (cf. Ex 17,13-15; 34,1-27). Nos livros dos Reis e das Crônicas, muitas vezes, encontramos a expressão “tudo está escrito nos Anais dos Reis de Israel”. É sinal da forte atenção que o povo judeus tinha para com a história.

Segundo o profeta Isaías, fazer registros serve como advertência para o futuro, de modo que sirva de lição para os outros, contribuindo para o discernimento de tomadas de decisões e ajudar a prevenir erros (cf. Is 30,8-14). Para o profeta Jeremias a história serve para despertar a esperança, alimentar a coragem, reforçar o ânimo nos momentos difíceis, e educar para a certeza de que Deus mantém as suas promessas (cf. Jr 30,1-24). Documentar a história é importante para planejar o futuro, nos levando a ter referências sobre conduta, possibilitando rever metas, oferecendo lições e contribuindo para darmos sentido para as denúncias do passado (cf. Jr 36,1-32).

No Novo Testamento encontramos muitas referências sobre a importância da documentação dos fatos. No prólogo do Evangelho de Mateus, o autor convida seus leitores a valorizar a história que precedeu a vinda do Messias (cf. Mt 1,1-17). A genealogia de Jesus nos ensina que a encarnação do Filho de Deus não foi um projeto repentino, decidido às pressas, não foi improvisado, mas gestado pela paciência divina por séculos, até chegar à sua plenitude (cf. Gl 4,4; Hb 1,1-2).

O evangelista Lucas apresenta suas importantes motivações para escrever o seu evangelho, procurando fundamentá-lo a partir de fatos testemunhados, com o objetivo de alimentar a fé de novos fiéis (cf. Lc 1,1-4). O mesmo autor situa a vida de Jesus de Nazaré dentro de um preciso contexto histórico (cf. Lc 2,1-3). Jesus acena para a importância da documentação quando fala da esperteza do administrador desonesto: “conta, sente-se depressa, e escreva cinquenta. E disse: “Pegue a sua conta, e escreva oitenta” (Lc 16,6-7). Isso significa que alguém pode ser desonesto na documentação de uma história. Lamentavelmente tal situação não é edificante para o perfil de uma Instituição eclesial. Isso nos adverte dizendo que a história deve ser testemunhada pela comunidade e não simplesmente pelo indivíduo que faz a sua narração movida por seus interesses.

Encontramos ainda a sensibilidade para com a história no livro do Apocalipse. Disse-lhe o Espírito numa visão: “O que vais ver, escreve-o num livro e envia-o às sete Igrejas, a Éfeso, Esmirna, Pérgamo, Tiatira, Sardes, Filadélfia e Laodicéia” (Ap 1,11). “Escreve, pois, o que viste, aquilo que está acontecendo e o que vai acontecer depois” (Ap 1,19).

  1. Preocupações concretas

É muito importante que um líder se questione sobre como está a documentação a história da sua comunidade ou instituição. Há uma espécie de livro tombo onde se documenta a sua história? Há um reconhecimento de sujeitos que contribuíram com o seu crescimento? Como a história da comunidade é narrada para seus novos integrantes?

Diversas podem ser as formas de documentação da história de uma instituição ou comunidade, por exemplo, através de crônicas, livro tombo, arquivo fotográfico, documentos de terrenos, relatórios, atas de reuniões e assembleias, documentos de decisões institucionais, planos pastorais, documentários audiovisuais, recortes de jornais (com datas e veículo de comunicação), programa das festividades etc. Outra atividade significativa que pode contribuir para a construção da história de uma instituição é a análise de conjuntura, dentro da qual ela se encontra com sua propositividade pastoral.

Enfim, vivendo numa cultura cada vez mais marcada pela velocidade, vulnerabilidade das informações e divergências sobre aquilo que acontece, torna-se cada vez mais necessário a preservação da objetividade da documentação dos fatos. Diante de documentos históricos, as opiniões fragmentadas e versões, perdem todo o valor e consistência. Por isso os líderes devem zelar pela documentação da história onde servem.

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Por que os documentos são importantes para a história?
  2. O que lhe chamou atenção sobre a sensibilidade para com a história na Bíblia?
  3. O que você entendeu sobre formas de documentação?