Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá

Um rico senhor ofereceu mil rúpias a um pobre religioso indiano. Este perguntou ao homem rico: – Você está me dando mil rúpias. Quanto é que você tem para si mesmo? – Muitos, muitos milhares de rúpias. – foi a resposta. – Você ainda deseja mais? – Sim, certamente – respondeu o rico. – Então eu não posso receber a sua oferta – disse o religioso – porque um homem rico não deve receber de alguém mais pobre do que ele! – Não estou entendendo – disse o homem rico. Então o pobre explicou: – Muito embora eu não tenha nada, nada desejo. Você tem fartura e mesmo assim deseja ainda mais. Seguramente, o homem que ainda deseja é mais pobre do que o homem que está satisfeito com aquilo que tem!

Com o evangelho deste 23º Domingo do Tempo Comum iniciamos a leitura de alguns trecho do capítulo 18 do evangelho de Mateus, conhecido como “o sermão da comunidade”. É evidente que o autor deste evangelho foi lembrar o ensinamento de Jesus sobre a “correção fraterna” justamente porque preocupado com a situação da própria comunidade. Poderíamos nos perguntar: porque interessar-se pelos erros dos outros? Por que buscar sanar as divisões entre os irmãos? A resposta está nos último versículo do trecho que será proclamado. Lá está a promessa de Jesus: ele disse que bastariam duas ou três pessoas reunidas por sua causa para ele mesmo estar presente, junto com elas.

Para juntar multidões, pequenas ou grandes, serve somente uma motivação que as atraia, que suscite entusiasmo, a vontade de torcer por alguma causa. Pode ser um show de algum artista famoso, um jogo decisivo de algum campeonato, o comício de um candidato que promete mudar mundos e fundos. Depois, porém, ao apagar das luzes, todos voltam para as suas casas e ninguém mais, ou bem poucos, se interessam pela vida particular dos demais. De fato, não estavam reunidos para se ajudarem em alguma coisa e menos ainda para “caminhar juntos” rumo alguma meta comum. O espetáculo acabou. As vaias que gritaram, os cantos que acompanharam e as palmas que bateram juntos não criaram nenhum laço duradouro entre eles. Bem diferente devia ser a comunidade reunida em nome do Senhor Jesus. Como os de fora podiam saber se o que acontecia lá, dentro da comunidade, era algo novo e capaz de transformar a vida das pessoas, se a fé, a esperança e o amor entre eles os unia cada vez mais? A correção fraterna não tinha como objetivo envergonhar alguém ou chegar a “desligar” quem estava errado. A finalidade era – e sempre deve ser – a “comunhão fraterna”. Sem esta “comunhão” nem Jesus mais está presente, nem o Pai e nem o Espírito Santo. Somente a comunidade unida pode ser um sinal da perfeita comunhão da Santíssima Trindade. Divisões, brigas, invejas e indiferenças tornam inúteis palavras bonitas, cerimônias sofisticadas, enfeites caprichados. Não é por acaso que chamamos a santa Eucaristia que repartimos na missas de “comunhão”. Jesus não se doa a cada um de nós sozinho, isolado ou, talvez, separado. Ele quis ser dom para todos. Rezou ao Pai para que os seus amigos fossem “um” a fim de que o mundo cresse que ele era o enviado (Jo 17,21). “A comunidade dos fiéis era um só coração e uma só alma” lemos nos Atos dos Apóstolos 4,32.

A “correção fraterna” feita por amor continua sendo um grande desafio para todos nós. O nosso orgulho nos impede de aceitar as observações caridosas dos irmãos e irmãs. Se for o responsável a repreender é acusado de autoritarismo. Se for alguém que não tem cargo algum a nos corrigir logo pensamos que não sabe de nada e exigimos respeito. Quantos acabam se “desligando” por própria conta da comunidade por causa de uma palavra dita por alguém numa hora inoportuna. Ou per causa de uma palavra não dita quando era aguardada para um conforto ou simplesmente por amizade. Somos todos demais sensíveis neste sentido. Bem fez o religioso indiano a não aceitar a oferta do rico. Lhe ensinou, a partir da sua pobreza, a não desejar cada vez mais e mais. Lhe apontou o caminho da humildade e assim, se acreditamos, também da felicidade.