Introdução

O Sínodo é um evento eclesial, por isso ao centro das preocupações e processos de reflexão está a evangelização. A missão da igreja é Evangelizar! Isso significa apresentar ao mundo a pessoa de Jesus Cristo, o Salvador da humanidade, para que “todos tenham vida e a tenham em abundância” (Jo 10,10). Todas as demais preocupações são consequências!

“Ele (Jesus) anuncia a boa nova do Reino aos pobres e aos pecadores. Por isso, nós, como discípulos e missionários de Jesus, queremos e devemos proclamar o Evangelho, que é manifestação do próprio Cristo. Anunciamos a nossos povos que Deus nos ama, que sua existência não é ameaça para o homem, que Ele está perto com o poder salvador e libertador de seu Reino” (D. Aparecida, N. 30).

O ofuscamento desse compromisso vocacional levaria a Igreja a perder o sentido da sua existência e assim, correria o perigo de confundir-se. A fidelidade da Igreja à sua missão em todos os contextos depende dos seus olhos fixos em Jesus, na reinterpretação das suas palavras, ressignificação dos seus gestos, retomada de suas atitudes, relançamento da sua pedagogia na promoção do Reino de Deus.

  1. Encarnar-se para salvar

Para salvar Deus se faz humano sem renunciar a sua identidade divina (cf. Jo 1,14). Encarnando-se, a divindade assumiu a totalidade das realidades humanas, todas as dimensões da vida da pessoa e da sociedade. Por que isso? Para salvar! A encarnação é o princípio e a condição fundamental da salvação da humanidade que vive nos mais variados contextos e situações. Da mesma forma faz a Igreja para cumprir a sua missão.

A encarnação do Verbo divino possibilitou-lhe a experiência do aproximar-se, acolher, dialogar, ouvir, escutar, sentir, aprender, propor, agir! Jesus é dinâmico, inquieto, aberto, presente, proativo, reflexivo… O que mais lhe atraía não eram os males, mas a beleza, a dignidade das pessoas e suas carências. Estava sempre em saída: fora do templo, no meio do povo, nas cidades, nas periferias, no deserto, no campo, na praia, nas vilas, nos barcos, nas casas, nas famílias! Sem a visão da realidade e sem presença nela, não há evangelização!

A Igreja Católica na Amazônia seguindo o princípio da encarnação é chamada a renovar esse desejo de ser presença significativa e encarnada em todos os contextos. Por outro lado, mais que focar sobre os males a serem denunciados, é necessário sermos mais presença afetiva no meio do povo, anunciadores da esperança, proclamadores da ternura divina; sobretudo no meio dos mais pobres, nas periferias urbanas, no interior, nas etnias e nas grandes instituições.

  1. Acolher e dialogar para transformar

O princípio da encarnação nos proporciona a possibilidade do encontro com o outro, e este por sua vez, nos oportuniza a possibilidade do diálogo. Somos chamados a olhar para Jesus que teve muitos interlocutores desde o seu nascimento até o alto da cruz, antes e depois da ressurreição.

Porque veio para salvar, Jesus nunca desprezou a ninguém, mas chamou todos à conversão, judeus e pagãos de todas as classes e proveniência. Em seu universo de relações e predisposição para o diálogo esteve aberto a todos: pobres e ricos, doentes e sadios, cultos e iletrados, crentes e pagãos, mulheres e crianças, serenos e endemoninhados, samaritanos e judeus, romanos e galileus, sumo sacerdotes e pobres agricultores, cobradores de impostos e pescadores. Ele viveu a experiência do diálogo integral!

O desejo de salvar a todos levou Jesus a orar dizendo: “Que eu não perca nenhum daqueles que Ele me deu, mas os ressuscite no último dia” (Jo 6,39). Também a Igreja na Amazônia tem muitos interlocutores: há aqueles bem próximos, amados e queridos, alguns vizinhos, outros um tanto distantes e uma parte ainda, para com a qual há muita distância e forte antipatia, e que constantemente é alvo de denúncias por causa dos seus males como a corrupção, a injustiça, o egoísmo, a degradação ao meio ambiente; são os assim chamados “os poderosos” presentes em diversas dimensões da vida da sociedade. Mas também eles são chamados a conhecer a Verdade para serem libertados da violência e do egoísmo e serem salvos (cf. Jo 8,32).

  1. Promover a “cultura do encontro”

O mundo está profundamente dilacerado por discórdias, guetos, polarizações, divisões, abismos; é preciso promovermos a cultura do encontro e da comunhão, da sinergia e da conversão de intenções e atitudes (cf. Rm 12,1-3). A ecologia integral aponta para esse rumo!

Num mundo marcado pela pluralidade e dramáticos conflitos de interesses, o Papa Francisco nos desafia à promoção de uma nova e profunda atitude profética: a “cultura do encontro”.

O diálogo com os “poderosos” promotores de opressões e violências dos nossos dias é um dos mais profundos e árduos desafios a serem abraçados pela evangelização. Dialogar com os pobres é fácil, assim como é fácil só jogarmos pedras nos ricos e poderosos opressores. Desafio é evangelizá-los, educá-los para a partilha, para a acolhida aos pobres e o respeito incondicional pela dignidade humana. Atitude verdadeiramente profética e sinal de caridade, é irmos desarmados e com esperança ao encontro daqueles que nos ofendem e oprimem (cf. Lc 6,27-36). Essa é a força transformadora do amor! A lógica do desprezo não é cristã!

Com a profecia do diálogo a Igreja estimula a conversão, imitando o agir de Deus que não quer a morte do pecador, mas que ele se converta e viva (cf. Ez 18,23). Essa foi a experiência que Jesus proporcionou ao rico e desonesto Zaqueu (cf. Lc 19,1-10); enquanto rico egoísta e homem corrupto, estava perdido, mas ao encontrar-se com Jesus tudo mudou em sua vida, por isso Jesus declarou: “o Filho do Homem veio procurar e salvar o que estava perdido» (Lc 19,10).

Ao contar a parábola do Rico insensível e Lázaro (cf. Lc 16,19-31), Jesus ressalta o quanto é devastador na vida de uma pessoa a riqueza material sem a sensibilidade humana. Os bens materiais constituem uma oportunidade para fazermos o bem aos outros. Mas só desperta para isso quem foi eticamente educado e evangelizado. Ao final da referida parábola, no desespero do inferno, o rico egoísta suplica a Abraão para que seus parentes sejam alertados para que também eles não se destinem para o mesmo lugar de tormento. A resposta é significativa: “eles têm Moisés e os profetas: que os escutem!” (Lc 16,29). Eis a nossa missão! É duro, mas não podemos nos deixar arrastar pela indignação desprezível.

  1. A pedagogia do anúncio e da denúncia

Em alguns lugares da Amazônia já contemplei situações profundamente hostis entre ricos e pobres; também sangue derramado, clima de ameaças, feridas abertas, aversão a padres, bispos e religiosos, comunidades divididas… Já vi e acolhi pessoas boas e ricas feridas e magoadas por discursos agressivos e generalizantes. Talvez precisemos repensar o dinamismo pedagógico das nossas “atitudes proféticas”. A defesa da justiça e dos valores do Reino de Deus devem nos levar necessariamente a aprofundar a pedagogia de Jesus; uma pedagogia que não prima pela condenação, nem julgamento, mas de acolhida da fragilidade humana e luta pela salvação do pecador (cf. Mt 18,15-17).

A verdadeira atitude profética é aquela que estimula a esperança, que semeia no coração do opressor (ímpio) a possibilidade da conversão. Sim, “é preciso ser firme, mas sem perder a ternura”, pois somos embaixadores da reconciliação (cf. 2Cor 5,20).

É certo que jamais devemos renunciar o nosso ministério profético, mas também nunca reduzi-lo à simples atitudes de denúncia dos males do mundo. O foco central e propulsor do dinamismo profético não é a seca denúncia dos males, mas é a paixão pelo projeto de Deus; quem o fere, merece compaixão em vista da sua conversão, mudança de vida e salvação. Mas sem diálogo não há evangelização e, sem ela não se abre espaço para o perdão e consequentemente para a reconciliação… Jesus nos educa do alto da cruz!

A Igreja, “perita em humanidade”, será sempre chamada em todas as circunstâncias a estimular a convergência do maior número possível de sujeitos em vista da promoção da “civilização do amor”. Diante desse desafio o diálogo paciente e respeitoso com as diversas esferas de governos (municipal, estadual e federal), instituições de controle social, empresários… é de fundamental importância.

Nesse sentido o Documento de Aparecida já nos deu importantes pistas em vista da promoção da consciência ética, espiritualidade e responsabilidade social das empresas através da promoção da evangelização dos empresários e sujeitos capazes de influenciar a opinião pública (cf. D.Ap, 285, 404,492).

  1. Estímulos da Sagrada Escritura

Os autênticos profetas sempre harmonizaram no exercício do seu ministério o anúncio do projeto de Deus com a denúncia dos males humanos; portanto, sempre conjugando ternura, esperança e denúncia. Foram homens e mulheres de discernimento, diálogo, equilíbrio e abertura.

Moisés foi chamado a dialogar com o Faraó em vista da libertação do povo escravizado (cf. Ex 3,10; Ex 5,22-23). Também aprendemos do profeta Natã a coragem e a ousadia do encontro com a autoridade pecadora falando-lhe diretamente (cf. 2Sm 12,1). Isaías foi capaz de se manifestar sinceramente próximo ao Rei Ezequias em sua enfermidade mortal (cf. 2Re 20,1-3).

Com razão o Papa Francisco nos estimula a seguir a sensibilidade do profeta Oséias: “Sejam testemunhas da misericórdia e ternura do Senhor”! Mais que gritar contra os males, é preciso falar ao coração das pessoas! (cf. Os 2,21). Relacionamento! O profeta Habacuc aprendeu que não bastava gritar contra os males do mundo, era preciso também a experiência mística (Hab 1-3).

A pedagogia de Jesus nos fala de encontros, de acolhida, de escuta, de diálogo, de discernimento, de confronto firme, de perdão, de compaixão, de rodas de conversas, de misericórdia com todos! Um discurso desmedido, fora dos parâmetros evangélicos, causa sempre mais prejuízo humano do que ganho pastoral.

Não consigo me esquecer certa vez quando um senhor, já idoso, piedoso e reflexivo, me disse: “Nesta Igreja há muito tempo não escuto a proclamação da Palavra de Deus, por isso muitos já se afastaram. Aqui é lugar de denúncia”. A declaração desse senhor me tocou profundamente! Um ambiente pastoral que perdeu a ternura e a leveza do Evangelho, também esvazia da esperança e do contato humano.

Enfim, somos chamados a imitar a atitude de São Paulo promovendo com delicadeza, a abertura do coração de “Filêmon” (cf. Fm 9-17). A denúncia dos males sociais se torna ácida demais quando a fazemos sem a perspectiva do anúncio do Amor e nem visando a educação do denunciado. São Francisco de Sales nos adverte: “pega-se mais moscas com uma gota de mel, do que com um barril de vinagre”. O rosto profético amazônico, do caboclo e do indígena, tem esse perfil!

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  • Você concorda com a inseparabilidade entre anúncio e denúncia, ternura e firmeza?
  • O que dificulta o diálogo com os “poderosos” presentes na Amazônia?
  • Jesus acolhia e dialogava com todos: que podemos aprender com a sua pedagogia?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA