Introdução

Continuemos o aprofundamento do sentido da Campanha da Fraternidade deste ano que tem como tema, Fraternidade e Diálogo: compromisso de amor; e o Lema: “Cristo é nossa Paz: do que era dividido fez uma unidade” (Ef 2,14ª).

Há uma íntima relação entre fraternidade e diálogo; podemos dizer, com segurança, que não há verdadeira fraternidade onde não há o exercício do diálogo. Sim, o diálogo é um exercício e um daqueles mais exigentes da convivência entre as pessoas.

O diálogo é uma das mais profundas habilidades do ser humano. Mas o tema da Campanha da Fraternidade deste ano nos pede que façamos o exercício do diálogo como compromisso de amor. Isso significa que não bastam as habilidades técnicas, é preciso abertura afetiva para poder dialogar com dignidade. Dessa forma, podemos afirmar que a experiência do diálogo vai muito além de uma questão estratégica de relacionamento.

Como pessoas de fé, somos chamados a fazer o exercício do diálogo como virtude, compromisso de amor, de serviço, de manifestação de bem-querer e de reconhecimento da importância da diversidade que nos enriquece.

Quem, em nome da fé ou de suas convicções pessoais, se fecha o diálogo, está contrariando o comportamento do próprio Deus, ou no mínimo, está sendo míope na percepção dos dados da Revelação divina. Uma vez que a fé nos convida à experiência da transcendência, a abertura ao diálogo é uma atitude que imita o agir de Deus que se abre para humanidade e com ela dialoga e interage.

 

  1. Deus dialoga com a humanidade

Ao longo de toda a Sagrada Escritura encontramos Deus em contínuo diálogo com a humanidade. Deus não é somente o criador, mas é também se revela como comunicador porque ama. Quem ama se comunica.

As primeiras páginas da Bíblia nos apresentam diversos aspectos sobre o diálogo. O primeiro diálogo que aparece é aquele entre a serpente e Eva (cf. Gn 3,1-7). Com sua habilidade capaz de deturpar a realidade e os critérios de comunhão com Deus (a verdade), a serpente enganou Eva. Há quem com esperteza, use o pretexto do falso diálogo para mentir, gerar fantasia e enganar. O diálogo quando não é pautado pela verdade gera falsidade, ilusão e desvio. Isso sempre acontece quando aquele que é mais astuto, se impõe sobre aquele que é ingênuo e o seduz. O diálogo entre Eva e a serpente é uma advertência para todos nós! O charlatanismo de muitas formas continua ainda hoje.

O segundo diálogo que aparece é aquele entre Deus, Adão e Eva (cf. Gn 3,9-12). A narração nos apresenta o diálogo como busca de encontro sincero com a verdade. A experiência do diálogo honesto, muitas vezes, é carregada de tensão, subterfúgios e tentativas de fuga da questão essencial. Essa experiência aparece com clareza tanto nessa narração do livro do Gênesis, como também no diálogo de Jesus com a mulher Samaritana (cf. Jo 4).

O terceiro diálogo que encontramos no livro do Gênesis é aquele entre Deus e Caim (cf. Gn 4,1-16). Deus, antes de tudo, se apresenta como aquele que nos questiona e alimenta a possibilidade do diálogo. É interessante notar no texto que para todas as perguntas que Deus lança a Caim, ele já tem as respostas e Caim tem consciência de tudo, mas nega! Através do diálogo Deus nos convida a tomar mais consciência da nossa realidade existencial, dos nossos erros, dos nossos males, dos perigos pelos quais passamos e mesmo quando tudo negamos, a verdade se impõe a nós.

 

  1. A escuta e o silêncio

Outros dois textos significativos em relação à comunicação de Deus com a humanidade, podemos encontrar na narração sobre Noé (cf. Gn 6-8) ) e a outra sobre Abraão (cf. Gn 12). Na verdade não vamos encontrar nessas narrações a experiência do diálogo, porque só Deus fala. E os homens (Noé e Abrãao) escutam, entendem, silenciam, obedecem e entram em comunhão com Deus.

Para que possa haver a verdadeira comunicação, antes de tudo, é necessário que haja um encontro. Deus encontra os seus interlocutores no contexto de vida deles, fala-lhes diretamente; eles o escutam, entendem a mensagem, obedecem e seguem suas ordens. Essas narrações, na perspectiva do diálogo, nos convidam a pensar que, nem sempre, o diálogo é feito de palavras, mas de silêncio, gestos, atitudes e a sua finalidade é a comunhão entre as pessoas.

Recordemos as palavras do Papa Bento XVI sobre a importância do silêncio na comunicação, presente na mensagem para o 46º dia mundial das comunicações sociais do ano 2012. “O silêncio é parte integrante da comunicação e, sem ele, não há palavras densas de conteúdo. No silêncio, escutamo-nos e conhecemo-nos melhor a nós mesmos, nasce e aprofunda-se o pensamento, compreendemos com maior clareza o que queremos dizer ou aquilo que ouvimos do outro, discernimos como exprimir-nos. (…) No silêncio, falam a alegria, as preocupações, o sofrimento, que encontram, precisamente nele, uma forma particularmente intensa de expressão. Por isso, do silêncio, deriva uma comunicação ainda mais exigente, que faz apelo à sensibilidade e àquela capacidade de escuta que frequentemente revela a medida e a natureza dos laços”.

Muitas vezes não conseguimos dialogar com os outros porque não estamos abertos para experiência do silêncio. A obsessão pelo falar nos enche de palavras para sempre rebater o que outro diz! Na experiência do diálogo e da comunicação, Noé e Abraão nos convidam a fazer a experiência do silêncio e da escuta.

 

  1. Jesus o mestre do diálogo

O Filho de Deus se encarnando, entrou em profundo diálogo com a humanidade. Jesus não só testemunhou a capacidade de escuta e diálogo com todas as categorias de pessoas, mas também se predispôs para ir ao encontro delas nos mais variados contextos e situações existenciais. Para Jesus a experiência da salvação passava através do diálogo.

No ministério de Jesus o diálogo fez parte da experiência da promoção do Reino de Deus. Antes de tudo, o diálogo era sinal claro da sua atenção para com as pessoas. Jesus dialogava porque percebe as pessoas, as acolhia, as valorizava sua dignidade, suas potencialidades e desejava transmitir-lhes a verdade que salva e libertava de todos os males.

O que percebemos nas atitudes de Jesus? Abertura e serenidade no encontro com todas as pessoas; não se deixava levar pelos preconceitos sociais, culturais e nem religiosas; rompeu com todas as barreiras e muros que separavam as pessoas; manteve sempre uma postura proativa diante das necessidades alheias; não teve medo de ser taxado de transgressor da lei e nem promotor da impureza pelos legalistas e fundamentalistas do seu tempo; com firmeza denunciou e reprovou todos aqueles que assumiam uma postura rígida, legalista, fundamentalista, fria e intransigente priorizando a tradição, os ritos e preceitos religiosos, mas deixando as pessoas para segundo lugar; em tudo, priorizou a pessoa, sobretudo, os mais desprezados do seu tempo. Na casa de Mateus declarou: “Eu não vim para chamar justos, e sim pecadores para o arrependimento.»” (Lc 5,32).

 

PARA A REFLEXÃO PESSOAL:

  1. Que lições tiramos dos três primeiros diálogos do livro do gênesis?
  2. Qual é a importância do silêncio no diálogo?
  3. Por que Jesus é o mestre do diálogo?

POR Dom ANTÔNIO DE ASSIS RIBEIRO, SDB

Bispo Auxiliar de Belém - PA e Secretário Regional da CNBB Norte 2