por Vívian Marler / Assessora de Comunicação do Regional Norte 2
Na manhã do dia 20 de novembro de 2024 morria, aos 84 anos, Dom José Azcona Hermoso, bispo emérito da Prelazia do Marajó, considerado, internacionalmente, símbolo da luta contra o tráfico humano e contra o abuso sexual de crianças e adolescentes no Marajó (PA).
Nascido em Pamplona na Espanha, em 28 de março de 1940, o religioso da Ordem dos Agostinianos Recoletos, descobriu sua vocação ainda muito cedo, aos 10 anos de idade, quando ingressou no Seminário menor, sendo ordenado sacerdote em 1964, por Dom Giovanni Canestri, na Basílica de São João Latrão, em Roma, durante o Concílio Vaticano II.
Antes de chegar ao Brasil, em 1985, Dom Azcona trabalhou como capelão de imigrantes espanhóis entre os anos de 1966 e 1970. Sempre envolvido na luta pelas causas sociais, foi nomeado bispo em 25 de fevereiro de 1987 pelo Papa, hoje santo, São João Paulo II. Sua sagração episcopal ocorreu em 5 de abril de 1987 em Belém do Pará, por Dom Alberto Gaudêncio Ramos. A partir de 12 de abril, do mesmo ano, quando conheceu de perto a realidade miserável da população do arquipélago, sua luta pelos direitos humanos, naquela região, iniciou.
Devido a sua luta contra o tráfico humano e o abuso sexual de crianças e adolescentes da Prelazia para a Guiana Francesa e para a Europa, foi ameaçado de morte inúmeras vezes. Durante a ‘49ª Assembleia Geral dos Bispos do Brasil’, em uma coletiva de imprensa, realizada em 12 de maio de 2011, afirmou que “Se um dia tiver que morrer por Cristo, que morreu por mim na cruz, esse dia será maravilhoso. A morte é um pensamento que me acompanha em todo momento”, este desabafo foi registrado pela Canção Nova em seu portal de notícias (https://noticias.cancaonova.com/brasil/dom-azcona-diz-nao-temer-ameacas-de-morte/).
“Dom Luís Azcona, antes de tudo, foi uma espécie de captador romano que percebeu necessidades, urgências, clamores do povo no ambiente onde ele trabalhava [a Prelazia do Marajó] envolvendo diversos municípios e municípios muito carentes e pobres. Com sua sensibilidade social, chamou a atenção para a urgência do desenvolvimento humano integral sobretudo para com aquela parte da população que vivia numa situação mais delicada, explorada e esquecida”, lembrou Dom Antônio de Assis Ribeiro, bispo auxiliar da Arquidiocese de Belém e secretário da CNBB no Pará e Amapá.
No dia 16 de junho deste ano, Dom Azcona iniciou seu martírio ao ser internado no Hospital Porto Dias, em Belém, devido a um distúrbio metabólico do sódio e exames para investigação clínica, pois apresentava uma lesão no pâncreas vindo a ser confirmada, semanas depois, uma neoplasia maligna, motivo que o levou a óbito.
Em nota oficial, a Prelazia do Marajó e o Regional Norte 2 da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, no Pará e Amapá, informaram na manhã do dia 20, que Dom Azcona havia retornado a sua Eterna Morada.
“…Recordando o seu lema episcopal “In Nomine Domini – Em nome do Senhor”, elevamos aos céus as súplicas pelo descanso eterno deste irmão ao retorno a Casa do Pai. Com uma vida dedicada a missão em cuidar do povo do Marajó ao longo de 37 anos no episcopado, Dom Azcona não mediu esforços, e colocou sua vida em risco, ao denunciar a situação miserável em que vive a população do arquipélago, a devastação ambiental e a pesca predatória na região, assim como também denunciou a exploração sexual infantil e o tráfico de mulheres. Na certeza, Dom José Luís Azcona parte deixando em seu legado episcopal a força de lutar pelo povo e para o povo do Arquipélago do Marajó”, dizia a nota assinada pelo presidente do Regional Norte 2 e Arcebispo de Santarém, Dom Irineu Roman.
Desde então, inúmeras mensagens e homenagens a Dom Azcona começaram a chegar, vindas de conhecidos e desconhecidos que admiravam sua luta, de seus irmãos clérigos, dos bispos do regional norte 2 e de outras regionais, de instituições governamentais ou não, e em especial do povo marajoara, que ficava órfão de seu maior protetor.
Durante a missa de corpo presente, na Igreja São José de Queluz, em Belém do Pará, celebrada pelo Arcebispo Metropolitano de Belém, Dom Alberto Taveira Corrêa, na manhã do dia 21, e concelebrada por bispos e padres do regional, foi lembrado o trabalho tão importante que Dom Azcona realizou. Sua vida, sua luta e o cuidado que tinha com os moradores do Arquipélago, assim como o legado que ele deixou, em especial aos religiosos.
“A sensibilidade de Dom José Azcona também possibilitou a reflexão sobre a necessidade de um mutirão social para dar resposta aos problemas sociais. Ele nos [clérigos] estimulou a pensar sobre a importância de a Igreja ser sal e luz do mundo onde ela está inserida e dessa forma, nos convida também a evitar toda e qualquer forma de intimismo religioso, alienação, fechamento e insensibilidade com seus gritos de denúncia e sensibilidade. Dom Azcona também nos estimulou a crescer na experiência da compaixão, lá onde há vida religiosa e não há compaixão, há uma profunda contradição e a Igreja deve ser portadora e promotora da compaixão, que significa uma sensibilidade proativa capaz de dar respostas para os problemas sociais” disse Dom Antônio de Assis, ao final da missa, antes do corpo ser transladado para Soure, no Marajó (PA).
O corpo de Dom José Azcona foi transladado de avião e ao chegar no aeroporto, em Marajó, foi recebido por centenas de pessoas que emocionadas o aguardavam para o último adeus e acompanharam o cortejo do seu corpo até a Matriz da cidade em carros, motos, bicicletas, à pé ou correndo “Nosso Dom Azcona deixou para nós testemunho de amor e humildade, simplicidade, e sorriso de homem santo e grande pastor. Lutou pelo Marajó, deu sua vida por amor aos Marajoara, agora intercederá por nós”, disse Igor Nascimento.
Seu corpo foi velado na Catedral Nossa Senhora da Consolação, a Igreja Matriz, em Soure. O velório, aberto ao público, recebeu centenas de pessoas que em fila prestavam sua última homenagem. “Morreu o bispo emérito que deu sua vida em prol do Marajó, defendendo famílias, jovens e crianças. Só queria o bem para o Marajó. Que descanse em paz a sua alma e conforto aos marajoara”, disse a moradora Rosa Silva.
Para Elvia Albim, o Marajó ganhou um santo “perdemos um grande líder e sacerdote, mas temos mais um santo, no céu”.
Antes do sepultamento, que ocorreu durante a noite do dia 22, na própria Catedral, amigos de Dom Azcona, religiosos e moradores do Marajó participaram da Missa com Exéquias celebrada pelo bispo da Prelazia do Marajó, Dom José Ionilton Lisboa, e concelebrada pelos bispos Dom Teodoro Mendes Tavares – Bispo da Diocese de Ponta de Pedras no Marajó (PA), Dom Jesús María López Mauléon – Bispo da Prelazia do Alto Xingu – Tucumã (PA), Dom Jesus Maria Cizaurre Berdonces – Bispo Emérito da Diocese de Bragança (PA), padres e diáconos.
Durante sua homilia, Dom José Ionilton falou que acreditava que a vida de Dom Azcona não havia sido tirada, mas transformada e que ele começava a experimentara sua plenitude em Deus, e leu uma passagem da primeira leitura “A criação espera sempre estar na escravidão da corrupção para participar da liberdade e da glória dos filhos de Deus” (Romanos 8, 21-23) e prosseguiu “Podemos dizer que Dom José Luiz Azcona fez esse caminho. Agora participa da liberdade e da glória dos filhos de Deus, plenamente. Como nos garante Jesus ‘Eu sou a ressurreição e a vida. Quem crê em mim, ainda que morra, viverá’. Nós cremos em Jesus e por isto sabemos que Dom José Azcona, assim como todos nós, vamos morrer e ressuscitar”.
E fez um pedido a todos os presentes na celebração eucarística e aos que acompanhavam a transmissão pelas redes sociais “eu quero pedir não deixemos este serviço feito por Dom José Luiz Azcona, assim como aos pobres e excluídos, ser sepultado com ele hoje. Que nos esforcemos para fortalecer a Comissão Justiça e Paz de Breves e Melgaço, e retomar onde já existiu, nesta Prelazia. E vamos trabalhar em memória de Dom José Luiz Azcona, para que, em breve, em todas as dez paróquias da nossa Prelazia, exista esta Comissão, em homenagem a esse homem que a gente tanto ama e que vamos sepultar o seu corpo”, e antes de finalizar convocou a todos
“Vamos denunciar os exploradores do nosso povo e ‘levantar a nossa voz’, como a gente canta no hino da Prelazia. Que esta celebração diante do povo que nós defendemos Dom Luiz Azcona, seja numa celebração, um marco de um novo tempo para a Prelazia do Marajó. Que nós sejamos outros Josés Luizes Asconas, espalhados por todos os cantos da Bacia do Marajó”, disse, pedindo um minuto de silêncio pelo bispo emérito.
A Prelazia do Marajó recebeu dezenas de mensagens de solidariedade pelo falecimento de seu bispo emérito, e durante a celebração leu quatro delas. Na mensagem da Nunciatura Apostólica, o Secretário de Estado Cardeal Pietro Parolin enviou um telegrama, em nome de sua Santidade o Papa Francisco, que recordou com gratidão o incansável empenho do saudoso prelado, às vezes colocando a risco da própria vida, na defesa da dignidade humana na região marajoara, e citou na mensagem “neste sentido, o Romano Pontífice assegura-lhe dos sufrágios que oferece pelo eterno descanso do saudoso pastor e, como penhor de conforto e esperança na ressurreição, concede a bênção apostólica a todos quantos choram e lamentam a morte de Dom Azcona” citou o cardeal.
Na nota de condolências enviada pelo presidente da CNBB e Arcebispo de Porto Alegre (RS), Dom Jaime Spengler relembrou a dedicação de Dom Azcona “Reconhecendo as chagas de Cristo na humanidade, o irmão no episcopado dedicou sua vida de forma incansável na luta contra o tráfico de pessoas. Também se tornou para nós um farol e uma referência na luta contra a exploração de crianças e adolescentes, a ponto de ter a própria vida ameaçada em decorrência de seu firme testemunho”, escreveu.
Para Mary Cohen, do Instituto Dom Azcona de Direitos Humanos (IDA), que representou a missionária Henriqueta Cavalcante, o trabalho não vai parar “seguimos com a coragem e determinação que ele nos ensinou. Carregar o nome de Dom Azcona não é apenas uma homenagem, mas um compromisso com a continuidade de seu legado. Ele nos inspira a transformar vidas e a sermos incansáveis na luta por justiça e dignidade”. O texto desta mensagem e a nota fúnebre enviada pelo presidente do Regional Norte 2, Dom Irineu Roman, podem ser lidas na integra, ao final da matéria.
Durante a transmissão da Missa com as Exéquias e o Sepultamento, pelas mídias sociais, muitos seguidores da Prelazia do Marajó enviaram suas mensagens. “Dom Azcona foi sinal, rosto e memoria de Pentecostes por onde passou, espalhando as vivas chamas do Espírito Santo, foi um apóstolo dos tempos modernos. Um grande profeta que não chegou de mãos vazias ao céu”, escreveu Reinaldo Laredo.
“Um grande líder religioso, e com certeza irá deixar um legado de bondade, coragem e determinação ao nosso povo. Desejamos que o nosso Senhor o coloque em lugar bem especial no céu. Muito Obrigado Dom José por tudo, principalmente pelos seus ensinamentos” (Paulo Rodrigues)
“Será eternamente o Profeta do Marajó, o nosso querido Pastor” (Linnda Liz)
“Um grande profeta” (José Francisco)
“Descanse em Paz D. José e obrigada pelos ensinamentos ao longo de pouco mais de 16 anos, em que trabalhei na secretaria da Paroquia de Portel” (Ediana Magalhães Barbosa)
“A Igreja perde um grande pastor, mas ganha um intercessor” (Rodrigo Silva)
“Dom José agregava a todos sem distinção. Viva Dom Jose! Viva Dom Jose!” (Leia Araujo Moraes Nunes)
“Marajó Chora” (Rute Vaz)
“Dom Azcona, vamos guardar tudo o que o senhor nos ensinou, ajudar quem precisa, ser a voz de quem não é ouvido. Descanse em Paz” (Rita Pereira Trindade)
Abaixo, mensagens de bispos do Regional Norte 2 que relatam seu convívio com Dom Luiz Azcona e, ou, contam um pouco do perfil deste lutador incansável pelas causas sociais na Prelazia do Marajó. Para ler, basta clicar nos links.
‘DOM AZCONA FOI UM GRANDE SERVO DO SENHOR’ DISSE DOM TEODORO MENDES – https://cnbbn2.com.br/dom-azcona-foi-um-grande-servo-do-senhor-disse-dom-teodoro-mendes/
DOM PEDRO CONTI CONTA SOBRE SUA AMIZADE COM DOM AZCONA – https://cnbbn2.com.br/dom-pedro-conti-conta-sobre-sua-amizade-com-dom-azcona/
DOM JOÃO MUNIZ FICAVA IMPRESSIONADO COM OS FUNDAMENTOS QUE DOM AZCONA POSSUIA PARA TODO E QUALQUER ASSUNTO – https://cnbbn2.com.br/dom-joao-muniz-ficava-impressionado-com-os-fundamentos-que-dom-azcona-possuia-para-todo-e-qualquer-assunto/
‘ELE FOI UMA PESSOA IMBUÍDA DO ESPÍRITO SANTO’ COMENTOU DOM VITAL CORBELLINI –
https://cnbbn2.com.br/ele-foi-uma-pessoa-imbuida-do-espirito-santo-comentou-dom-vital-corbellini/
LEIA OS ARQUIVOS EM *.PDF COM AS MENSAGENS LIDAS NA CELEBRAÇÃO EUCARISTICA COM AS EXEQUIAS
Mensagem da Nunciatura Apostólica
Dom Azcona_NUNCIATURA APOSTÓLICAMensagem da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB
Dom Azcona por CNBB NacionalMensagem da CNBB do Regional Norte 2
Nota de Falecimento_Dom Luis Azcona Hermoso_Bispo Emérito Prelazia do Marajó (2)Mensagem da Diocese de Roraima
Nota da Diocese de Roraima sobre o Falecimento de Dom AzconaMensagem do Instituto Dom Azcona de Direitos Humanos (IDA)
Dom Azcona por Instituto Dom AzconaHomilia de Dom José Ionilton Lisboa, bispo da Prelazia do Marajó, durante a Missa e Exequias de Dom José Azcona
Homilia Missa Exequias Dom Ionilton Lisboa