O TREM SILENCIOSO

por Dom Pedro José Conti

Bispo da Diocese de Macapá

Voltando de uma viagem, um casal contou que no trem que da estação Central de Oslo vai para o aeroporto em vinte minutos, tem um vagão reservado como “Área de silêncio”. Ninguém pode falar. O trem oferece aos seus passageiros alguns minutos de silêncio “obrigatório” e, como está escrito num painel, os convida a aproveitar da viagem. Com a língua parada, se ativa o ouvido: também o trem é realmente silencioso. No silêncio começa a funcionar a cabeça. Os pensamentos chegam. Rapidamente, aquele silêncio parece importante como se revelasse algo mais profundo que as palavras interrompidas. Ao chegar, o casal se perguntou: – De que estávamos discutindo tão animadamente? Aquele silêncio lembrou algo mais essencial, menos banal e superficial. Saudade de refletir mais, de escutar mais. Talvez silêncio, poesia e fé andem juntos.

Na Liturgia do Segundo Domingo de Advento encontramos o início do Evangelho de Marcos que nos acompanhará ao longo deste novo ano litúrgico. Logo se diz qual é o assunto: é a “Boa Notícia” de Jesus Cristo, Filho de Deus. Um anúncio importante precisa de um mensageiro que prepare o povo à escuta e à acolhida. Esta foi a missão de João Batista que no deserto convidava todos a um batismo de conversão e de perdão dos pecados. Era um ritual de purificação, um batismo de penitência, nas águas do Rio Jordão. A pregação do Batista é clara: “Depois de mim virá alguém mais forte do que eu…ele vos batizará com o Espírito Santo” (Mc 1,7-8).

Todos já sabemos que o Tempo de Advento são aquelas semanas que nos preparam para o Natal. Com tanta movimentação nas ruas e no comércio, com a chegada das festas de final de ano, será que ainda conseguimos viver um pouco daquele clima de espera que nos ajuda a acolher aquele Jesus que se faz criança para entrar pequeno e humilde em nossas vidas? Talvez precisemos fazer novamente a experiência de um pouco de silêncio, um espaço de “deserto” para dar atenção à voz do Batista: “Preparai o caminho do Senhor, endireitai suas estradas!” Tudo, ou muito, depende daquilo que esperamos para nós, para as nossas famílias, para a humanidade inteira. Todos vivemos a grande tentação de buscar logo o que é mais fácil, mais perto, o que parece nos dar alguma imediata satisfação. Perdemos o gosto de percorrer um caminho, de aprender aos poucos, de esperar para ser surpreendidos por algo novo e cada vez melhor. Não estou falando de algum produto que possa ser comprado depois de lançamentos badalados, de longas filas ou de alguma inacreditável promoção. Estou falando da nossa própria fé. Sem a paciência de interiorizar, de refletir e avaliar por onde anda a nossa vida, dificilmente descobriremos que, afinal, mais do que nós, era o próprio Senhor que vinha ao nosso encontro. É isso que celebraremos no Natal: a sua vinda na carne humana, irmão de todos para nos dizer com a sua vida e as suas palavras que Deus está mais perto do que pensamos e nos ama mais do que consigamos imaginar. Mas para que nos seja possível saborear a sua presença viva, precisamos preparar o caminho, arrumar um pouco de espaço no nosso coração apressado, confuso e distraído. Fazer um pouco de silêncio dentro e fora de nós, não é perder tempo, ao contrário, é um grande presente. Somente quando olhamos honestamente para dentro de nós, podemos perceber o que nos interessa realmente: os nossos afetos, as nossas escolhas, as pedras de tropeço que poderíamos tirar do caminho. Sem dúvidas existem palavras “mágicas” que nos aproximam mais das pessoas que amamos: obrigado, desculpa, te quero bem… Existem, porém, silêncios que falam por si mesmos, quando, infelizmente, nos fechamos e nos tornamos indiferentes uns aos outros, mas também existem silêncios que surpreendem porque se transformam em gestos de amor e amizade, em abraços e sorrisos. Será que precisamos ser “obrigados” ao silêncio, como no trem de Oslo, para aprender a olhar mais e a escutar mais antes de falar o que nos passa na cabeça em discussões sem fim? Lemos no profeta Oseias (2,16) o que Deus queria fazer com o seu povo/noiva: “… a conduzirei ao deserto e lhe falarei ao coração”.

Artigos Anteriores

OS DOIS ESCRAVOS

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um rei tinha dois escravos muito capacitados, obedientes e prestativos. Um dia, por causa da fidelidade deles, quis premiá-los. Chamou o primeiro e lhe disse: - Como recompensa do seu trabalho lhe dou a liberdade e...

ASSUNÇÃO DA BEM-AVENTURADA VIRGEM MARIA: A COLHEITA

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Dois camponeses trabalhavam em duas roças vizinhas. Passavam os dias a semear e a colher, sempre curvos sobre a terra. Nunca falavam entre si, ocupados demais para perder tempo. Um dos dois, porém, vez por outra, se...

A PROMESSA

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Uma senhora estava com o marido gravemente doente. Fez uma promessa: todo dia, por um ano inteiro, acenderia uma vela na frente da imagem de Nossa Senhora. De manhã, cedo, corria na Igreja paroquial, rezava e acendia...

ESQUECER O ESSENCIAL

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Num dia de sábado, Josué descobriu seu genro fumando. – O que está fazendo, Abraão, não tem vergonha? – O que foi querido sogro? – perguntou espantado o jovem. – Como pode um hebreu esquecer que hoje é sábado? – Mas...

OS RATINHOS E A PEDRA TURQUESA

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um homem se cansou da convivência com os seus semelhantes e se retirou num ermo bem afastado. Buscava paz, mas não a encontrou. A lembrança das pessoas que havia deixado o atormentava. Seus sonhos estavam povoados de...

UMA DIFICIL MISSÃO

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá São Gregório, o Taumaturgo (213?-270?), depois de uma juventude serena e reflexiva, transcorrida no estudo das ciências humanas e divinas, decidiu retirar-se no deserto e viver em solidão. Conhecendo as capacidades...

O HOMEM INQUIETO

por Dom Pedro Jose Conti Bispo da Diocese de Macapá Certa vez um homem foi procurar o Profeta. Antes que ele abrisse a boca, o Profeta lhe disse: - Vieste para me perguntar o que é virtude? Respondeu o homem: - Como o senhor sabe? – Continuou o Profeta: - Porque ti...

SÃO PEDRO E SÃO PAULO – CHEFES OU SERVIDORES?

  por Dom Pedro Jose Conti Bispo da Diocese de Macapá “O chefe se impõe: “Aqui mando eu”. O servidor: “Contem comigo”. O chefe existe pela sua autoridade; o servidor pelas suas atitudes. O chefe exige impor-se com extensos argumentos; o servidor com exemplos e...

MEDO E CORAGEM

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá A Coragem estava sendo perseguida pelo Medo. Procurou abrigo para passar a noite. Bateu à porta da Covardia, mas ela não lhe abriu dizendo que não a conhecia. Bateu à porta da Mentira, mas ela não lhe abriu dizendo...

CINCO MIL ANOS

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá “No túmulo de um dos antigos faraós do Egito encontraram um punhado de grãos de trigo. Eram velhos de cinco mil anos. Alguém pegou um daqueles grãos, o plantou e o regou. Com grande surpresa de todos, a semente...

A FLAUTA MÁGICA

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Falar de caça hoje é antiecológico, mas houve um tempo que caçar fazia parte da vida e da sobrevivência humana. Certo dia, lá na África, um caçador pediu a um feiticeiro que inventasse alguma coisa para facilitar o...

ERA SUCO

  por Dom Pedro Jose Conti Bispo da Diocese de Macapá Talvez lembramos o caso da mosca que caiu no copo de leite e que, de tanto se mexer, conseguiu engrossá-lo e assim sair daquela perigosa situação. Novamente aquela mosca caiu num copo cheio de liquido. Tinha...

TEORIA E POLÍTICA

  por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de Macapá Um famoso palestrante ganhava a vida como especialista em educação. O auditório lotava para ouvir suas orientações. Título da palestra: “Os dez mandamentos para educar os filhos”. Tinha resposta para tudo. Era...

A FONTE

por Dom Pedro José ContiBispo da Diocese de MacapáDurante as férias, uma família, que morava numa grande cidade, foi passear num bosque. Todos admiravam a altura das arvores, o perfume e a variedade das flores. Depois de uma boa caminhada encontraram uma fonte que...

MAS ELES NÃO FALHARÃO

por Dom Pedro José ContiBispo da Diocese de MacapáEis uma estória totalmente imaginária. Quando Jesus ressuscitado chegou ao céu houve uma grande festa marcada por cantos e muita alegria. Finalmente, os anjos tiveram a oportunidade de falar com Jesus. Um deles...

AS MÃOS QUE ORAM

por Dom Pedro José ContiBispo da Diocese de MacapáEsta é a história de um quadro famoso de Albrech Duerer. No fim do século XV dois amigos desejavam ardentemente tornar-se pintores. Precisavam estudar, mas ambos eram muito pobres. Por isso decidiram que um ficaria...

PARA QUE A VIDA SEJA PRECIOSA

por Dom Pedro José ContiBispo da Diocese de Macapá“Eu observava... o modo como meu pai olhava um passarinho deitado de lado à margem da calçada perto da nossa casa. – Está morto, pai? Eu tinha seis anos e não sentia a coragem de olhá-lo. – Por que morreu? – Tudo o que...

OS NOMES DE DEUS

por Dom Pedro José ContiBispo da Diocese de MacapáConta-se que os monges do Tibet, nas montanhas da Ásia, procuravam desde séculos reunir em um grosso código todos os nomes com que os homens, pelo mundo inteiro, tivessem designado Deus. Tratava-se de aproximadamente...

UMA VIAGEM NO ESCURO

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de MacapáUm pequeno avião avançava em meio à noite. De repente, caíram os sistemas de comunicação, a orientação da rota e o painel de controle apagou-se. O avião voava às cegas. Os pilotos tentaram inutilmente concertar o...

NO CORAÇÃO DA IGREJA… EU SEREI O AMOR

por Dom Pedro José Conti Bispo da Diocese de MacapáEstas são palavras de Santa Teresa do Menino Jesus e da Santa Face, mais conhecida como Santa Teresinha. Nos primeiros dias após o Domingo de Páscoa recebemos, em Macapá, as relíquias desta Santa, uma das mais...