por Dom Pedro José Conti
Bispo da Diocese de Macapá
“Um homem possuído pelo demônio chegou certo dia em Scete onde moravam alguns santos eremitas. Por muito tempo não ficou bom. Um dia, porém, um dos anciãos, movido de compaixão, fez um sinal da cruz nele e o curou. O demônio, enfurecido, disse ao ancião: – Tu me expulsas dele, e eu vou morar contigo. – Venha – respondeu o ancião. Este passou doze anos vigiando o demônio e humilhando-o. Todo dia comia somente doze caroços de tâmara. Depois disso o demônio o abandonou e fugiu. O ancião, vendo o demônio ir embora, lhe disse: – Por que foge? Fica ainda. O demônio respondeu: – Só Deus tem poder sobre ti.”
Neste 4º Domingo do Tempo Comum continuamos a leitura do evangelho de Marcos. Jesus, estando em Cafarnaum, entrou na sinagoga e começou a ensinar. O evangelista nada relata das palavras do Mestre. Simplesmente nos diz, duas vezes, que algo diferente dos ensinamentos dos mestres da Lei estava acontecendo: Jesus “ensinava como quem tem autoridade” (Mc 1,22 e 27). Com efeito, a palavra de Jesus tinha força e ao intimar ao espírito mau de deixar o homem por ele possuído este sarou de vez. Os presentes ficaram espantados e começaram a se perguntar uns aos outros o que era aquilo.
Fica claro que a mensagem central do evangelho deste domingo não é a expulsão do espírito mau daquele homem, como poderíamos pensar, mas o ensinamento de Jesus, a sua palavra que cura e liberta. De onde vem a autoridade de Jesus? Eis alguma justificativa. A primeira é que Jesus não fica só ensinando para os outros fazer o que ele explica, mas ele por primeiro confirma as suas palavras com a seu modo de agir. Ele tem autoridade porque pratica o que ensina. Também, diferentemente dos mestres da Lei, ele fala em nome próprio, consciente da originalidade da própria missão. Para simplificar podemos dizer que o evangelho de Marcos é o evangelho dos “catecúmenos” ou seja daqueles adultos que, no início e até nos primeiros séculos da Igreja, chegavam aos poucos ao conhecimento de Jesus e pediam o batismo como mudança radical da própria vida. Para conseguir fazer isso, os catecúmenos deviam confiar plenamente na palavra de Jesus. Eles deviam seguir alguém que aceitavam como luz iluminadora para as escolhas mais importantes para o resto de suas vidas. Quem queria e quer ser cristão, ainda hoje, só pode ser discípulo do único Mestre Jesus, como ele mesmo disse: “Quanto a vós, não vos fazeis chamar de ‘rabi’, pois um só é vosso Mestre e todos vós sois irmãos”(Mt 23,8).
Desde sempre a humanidade busca responder a algumas perguntas fundamentais: qual é o sentido da vida? quem somos? de onde viemos? para onde vamos? por que amar? por que o sofrimento e a morte? Quando consegue fazer isso com humildade, reconhece que não possui a solução; somente alguém que está acima de nós, pode nos ajudar. No entanto, hoje, de maneira especial, muitos se consideram “mestres” de se mesmos. Alguns desistem de buscar as respostas por achar isso perda de tempo, fora de moda, por não dar nenhum lucro. Outros, em nome da própria autonomia – ou individualismo que seja – , fascinados pelas novidades, jogam no esquecimento antigas sabedorias ou as práticas religiosas recebidas dos seus pais. Nem nós, fiéis da Igreja, estamos livres disso. Parece mais fácil e atual ter por “mestre” um líder carismático famoso, um frade ungido, um teólogo ferrenho defensor da doutrina que buscar na Palavra do Senhor a luz necessária nos caminhos da vida. Paramos de nos confrontar com os irmãos da comunidade, de escutar o que os pastores das nossas paróquias procuram nos transmitir todo domingo e acabamos confiando na autoridade de quem tem milhares de seguidores que nunca chegaremos a conhecer. Engano fácil do espírito mau da fama. Ilusão de uma fé que imaginamos ser possível praticar, com orações e bençãos, na frente de um monitor ou pelo celular. Os irmãos na fé, em carne e ossos desaparecem. Trabalhar e lutar juntos pelo bem de todos, pela justiça e a paz se torna supérfluo. Precisamos ser curados disso.
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