
por Dom Vital Corbellini
Bispo da Diocese de Marabá
Os padres da Igreja aprofundaram o valor da amizade, na qual nortearam as suas vidas e comunidades, sendo também este o tema norteador da Campanha da Fraternidade 2024 da CNBB. O tema da amizade está presente nas Sagradas Escrituras, sobretudo nos evangelhos onde Jesus disse que nós somos irmãos e irmãs uns dos outros (cf. Mt 23,8). Jesus quer que façamos obras de caridade, de amor para com os pobres, os necessitados e assim nós sejamos pessoas que se queiram bem e se amem de verdade. O amor social se traduz em atos de caridade, que criam instituições mais sólidas e estruturas mais solidárias. A amizade social esteve presente nos santos padres, nos primeiros escritores do cristianismo, pelo seguimento a Jesus Cristo e à Igreja.
Deus, o verdadeiro amigo das pessoas humanas. Santo Ireneu, bispo de Lião séculos II e III afirmou que Deus é o verdadeiro amigo dos seres humanos, ao enviar o seu Filho ao mundo em vista da salvação dos mesmos. Jesus veio para libertar as pessoas das escravidões dos pecados e da morte. Por isso ele disse: Já não vos chamo de servos, porque o servo não sabe o que faz o seu Senhor, mas de amigos(cf. Jo 15,15). O Senhor tornou os seus discípulos e discípulas em amigos, amigas de Deus. Pela amizade, Deus concede às pessoas a imortalidade[1].
A amizade social ocorreu também entre dois grandes bispos São Basílio de Cesareia e São Gregório de Nazianzo, no século IV. Eles foram de fato grandes amigos, de uma amizade assim tão forte que eles eram uma só alma em dois corpos. Os dois nasceram na Capadócia, hoje, Turquia, antes da metade do IV século. Antes de se tornarem bispos os dois estudaram em Atenas a retórica, espécie de curso superior para poder bem pensar, e se expressar diante do público, sempre no sentido do bem, não de dominação do outro. Eles foram para lá para buscar a sabedoria, a graça de aprofundar às coisas de Deus, e, as suas criaturas. São Gregório de Nazianzo falou que foi da Vontade de Deus esta unidade, esta busca de pensar e de agir. Ele admirava o seu amigo Basílio pela seriedade de costumes, a maturidade, a prudência de suas palavras. A sua reputação foi conhecida por outras pessoas. Ele disse que Basílio foi o prelúdio da amizade que foi formada entre ele e Gregório de Nazianzo, a centelha que fez surgir a intimidade entre eles, tocados pelo amor mútuo.
Como a amizade é um dom de Deus e com o passar do tempo, eles confessaram um ao outro o desejo pela filosofia que almejavam na realidade, Assim eles eram tudo um para com o outro, pela moradia onde moravam juntos, faziam juntos as refeições na mesma mesa, aspirando aos mesmos ideais e cultivando a cada dia mais estreita e firme a amizade. Os dois buscavam a superação da inveja de um para com outro, e vivendo o amor mútuo, lutavam não para ver quem tirava o primeiro lugar, mas para cedê-lo ao outro. O fato era que cada um considerava como própria a glória do outro.
Ainda na amizade de São Basílio e São Gregório de Nazianzo foi a célebre afirmação que eles tinham uma só alma em dois corpos. Cada pessoa se encontrava na outra e com a outra pessoa. A única tarefa de ambos era dada em vista de alcançar a virtude e viver as esperanças futuras para assim imigrar aos poucos na vida eterna, ainda neste mundo pela amizade formada entre os dois. Eles se deixavam conduzir pelos mandamentos divinos. estimulando de uma forma mútua a prática da virtude. Eles chegaram ao ponto de ser um para com o outro a regra e modelo para discernir o certo e o errado[2]. Eles queriam viver o seguimento a Jesus pela amizade, o seu amor dado até o fim (cf. Jo 13,1).
Outro exemplo de amizade entre os santos padres existiu entre São Bento e Santa Escolástica, que eram irmãos de sangue. São Bento visitava a sua irmã Escolástica uma vez por ano. Certa vez, ele chegou com alguns discípulos e passaram o dia inteiro a louvar a Deus em colóquios santos. Ao escurecer, tomaram juntos a refeição. Naquela noite choveu muito de modo que São Bento não voltou para sua cela. Dessa forma eles passaram a noite toda acordados e se saciaram de santas conversas sobre a vida espiritual. São Gregório Magno ao escrever sobre esses dois irmãos de sangue afirmou que a monja o teria vencido, porque ao seguir a palavra de João, Deus é caridade (cf. 1 Jo 4,8), foi mais poderosa aquela que mais amou[3].
A amizade entre São João Crisóstomo e a Diaconisa Olímpia. São João Crisóstomo foi presbítero de Antioquia, na Síria e teve que ir para Constantinopla, na Turquia, para ser bispo daquela grande cidade, no final do século IV. Ele enfrentou muitas barreiras na busca sempre de uma vida conforme o Evangelho do Senhor Jesus. Sendo contestado e perseguido, Ele foi enviado ao exílio pelas autoridades imperiais, morrendo no Ponto, no início do século V. Ele manteve contatos com uma Diaconisa chamada Olímpia que o auxiliou na vida do exílio, dando-lhes forças na caminhada. Ele dizia que era caríssima a Deus e não se entregaria à tirania da tristeza e que deveria ser forte diante das tempestades[4]. Sem dúvida ele falava das tempestades que ele sofreu ao ser mandado no exílio, mas ele suportava por causa de Jesus Cristo. A Diaconisa Olímpia foi amiga de São João Crisóstomo e colaboradora em Constantinopla[5].
A amizade social determina uma vida conforme o evangelho do Senhor e ajuda na convivência social, na superação do ódio, da indiferença para dar lugar ao amor a Deus, ao próximo como a si mesmo. Jesus nos quer a todos como irmãos e irmãs, amigos e amigas como ocorreu no tempo dos santos padres e também na atualidade.
[1] Cfr. Ireneu de LIão. IV, 13,4. São Paulo, Paulus, pgs. 403-404.
[2] Cfr. Dos Sermões de São Gregório de Nazianzo, bispo. (Oratio 43, in laudem Basilii Magni, 15,16-17.19-21: PG 36, 514-523). In: Liturgia das Horas, I, Aparecida-SP, Editora Vozes, Paulinas, Paulus, Editora Ave-Maria, 1999, pgs. 1111-1113.
[3] Cfr. Do Livro dos Diálogos de São Gregório Magno, papa. (Lib. 2, 33: PL 66, 194-196). In: Liturgia das Horas. Ofício das Leituras. São Paulo, Edições Paulinas, 1987. pg. 1317.
[4][4] Cfr. Cartas a Olímpia, 3. São João Crisóstomo. São Paulo, Paulus, pgs. 200-201.
[5] Cfr. Introdução. Idem, pg. 13.
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