por Dom Antônio de Assis Ribeiro
Bispo Auxiliar na Arquidiocese de Belém do Pará
Introdução
Quais são os grandes campos de preocupações da Doutrina Social da Igreja? Quais são os temas fortes que tocam profundamente a sua sensibilidade? Eles constituem critérios fundamentais orientadores do agir da Igreja diante das questões sociais.
Como já comentamos anteriormente, a base de tudo está na fé e, ao mesmo tempo, na acolhida incondicional à dignidade da pessoa humana com seus naturais direitos e exigências. A atitude de acolhida e respeito para com o ser humano não depende de uma opção religiosa, mas da razão. É importante ressaltar que, quando a Igreja se manifesta diante de uma questão social, não está defendendo um direito dos católicos, mas reconhecendo uma exigência que brota da dignidade humana. A opção religiosa amplia a visão dos horizontes da grandeza da natureza humana.
Se de um lado a sensibilidade do olhar da Igreja sobre as realidades sociais depende da acolhida da Palavra de Deus, fonte transcendente da Doutrina Social, do outro lado, temos a Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH), como convenção humana, da qual emerge o reconhecimento da dignidade da pessoa humana a partir da razão. A Doutrina Social da Igreja tem também o seu sustento na racionalidade. Na DUDH temos a base do reconhecimento universal do valor da pessoa humana e seus direitos naturais independente da sua origem, cor, etnia, religião, sexo, cultura, condição socioeconômica, opção política etc. Vejamos os grandes princípios e temas fundamentais da Doutrina Social da Igreja:
- A dignidade humana: a vida humana é o dom de Deus mais precioso, por isso, ela é sagrada; o ser humano, criado à imagem e semelhança de Deus (cf. Gn 1,27), é naturalmente sujeito de direitos, inteligente, autônomo, livre, responsável e, por isso, existe com fim em si mesmo, e jamais deve ser usado. Por ser sagrada, ou seja, intocável, a vida humana deve ser incondicionalmente acolhida, respeitada, tutelada, promovida, desde a sua concepção até o seu fim natural. O ser humano jamais perde a sua dignidade, mas esta pode ser desfigurada por muitos fatores como pela violência, vícios, fome, doenças etc. A Doutrina Social da Igreja rejeita tudo aquilo que se opõe e agride a vida humana e sua dignidade em todas as situações; por isso, é contra o aborto, a fome, a miséria, a violência, a guerra, a pena de morte, a eutanásia, a distanásia, o suicídio, a corrupção, a negligência política, a ditatura de governo, a tortura, a guerra, o consumo de entorpecentes, o tráfico de pessoas, a exploração e abuso sexual, a intolerância religiosa, o armamentismo, o racismo etc. Tudo o que fere a dignidade da pessoa humana, em qualquer aspecto, provoca eco no coração da Igreja (cf. GS,1). O reducionismo pode ser uma das mais graves formas de atentar contra a integridade do ser humano.
- A visão integral da pessoa humana: para a Doutrina Social da Igreja não basta defender a vida; a Igreja a reconhece como uma realidade pluridimensional; por isso deve ser acolhida, defendida e promovida na sua integralidade reconhecendo todas as suas naturais dimensões: biofísica, social, afetiva, intelectual, volitiva, libertária, moral, sexual, econômica, política, cultural, espiritual, lúdica etc. Dessa complexa realidade vem o compromisso da promoção do desenvolvimento humano integral. A DUDH reconhece o ser humano portador de direitos naturais, inalienáveis, que não dependem da sua condição existencial. Em todas as circunstâncias, o direito à vida e suas exigências naturais com suas dimensões, deve ser promovido e assegurado através das garantias legais e políticas adequadas. Uma vez que os direitos humanos são interdependentes, nenhuma ofensa contra a dignidade humana, provocada por pessoa, grupo ou instituição, em qualquer contexto, é aceitável. Do reconhecimento da natural estrutura do ser humano brotam valores e parâmetros éticos com validade permanente.
- Os valores éticos universais: a partir do reconhecimento da dignidade humana universal, presente em todas as pessoas de todos os povos, culturas, nações, condições socioeconômicas, crenças, sexo etc. emergem os valores éticos universais. Isso significa o reconhecimento de necessidades, sentimentos e aspirações comuns a todos os seres humanos. De fato, constatamos que todo ser humano quer viver, ser acolhido, respeitado, amado, protegido, livre… Todo ser humano tem sede de paz, justiça, liberdade, verdade, segurança, proteção, moradia, repouso, saúde… Isso significa que é necessário na sociedade, o investimento na educação moral capaz de promover a consciência do cuidado dessa demanda natural. Para isso a sociedade, em vista de preservar a justa convivência, estabelece parâmetros de comportamento (leis) e instituições de controle social em vista da proteção e promoção do Bem Comum.
- O bem comum: do exercício dos valores éticos universais decorre a estabilidade do bem comum, que consiste no conjunto de todas as condições de vida social que contribuem e favorecem o desenvolvimento integral da personalidade humana (cf. Mater et Magistra, 65; Pacem in Terris, 58). O Bem comum são todas as condições sociais das quais, todos se beneficiam na sociedade. Os bens naturais (aqueles não criados pelo homem) são imprescindíveis e devem, a todo custo, ser protegidos porque asseguram as condições básicas de vida para todos como, por exemplo, a terra, o ar, a água, os alimentos, a saúde, a família… e tudo está em estreita interdependência. Por outro lado, há outras categorias do Bem Comum que são consequências das conquistas humanas como a educação, a economia, a estrutura de governo, as instituições sociais, a cultura, os serviços públicos, as ciências etc. Todas essas realidades reconhecidas e respeitadas, contribuem para a justiça e a paz na sociedade. A Igreja não pode se furtar de se interessar por tudo isso, uma vez que sem essas condições não haverá condições de vida e harmonia na sociedade. A promoção do Reino de Deus abraça todas essas realidades e requer o envolvimento e a participação de todos. Jesus Cristo sempre promoveu o Bem Comum multiplicando alimentos, promovendo a saúde, defendendo a vida, rejeitando a violência, colocando a pessoa humana ao centro de tudo etc.
- A participação social: reconhecido naturalmente como ser social, sujeito livre e responsável, o ser humano é chamado a dar a sua contribuição para a promoção do bem comum respeitando a justa ordem em vista da paz social em seu contexto de vida. A participação social pode acontecer de muitas formas e diversos níveis, sendo uma delas através da gestão, acompanhamento e avaliação da implementação de políticas públicas em vista da consolidação do Bem comum. Outra forma muito concreta de participação social é o envolvimento das lideranças sociais nos conselhos paritários municipais como direta colaboração com o governo e autoridades.
- A subsidiariedade: é a justa relação entre o cidadão, sujeito livre e responsável e as instituições da sociedade a serviço do bem comum. As instituições contribuem com a promoção dos direitos individuais inalienáveis sem negar os deveres de cada cidadão. O Estado ajuda! O indivíduo deve fazer a sua parte! Alicerçado na realidade da alta dignidade da pessoa humana este princípio foi reforçado, com toda clareza, na encíclica «Mater et Magistra» (cf. MM, 219 s.). O princípio capital desta doutrina afirma que o homem é, necessariamente, o fundamento, causa e fim de todas as instituições sociais. Esse princípio defende a dignidade da pessoa humana em todas as situações e estruturas criadas. O ser humano deve sempre ser respeitado como sujeito capaz de interagir porque tudo o que se cria na sociedade tem como finalidade o bem-estar do próprio ser humano.
PARA A REFLEXÃO PESSOAL:
- O que significa a acolhida incondicional da dignidade humana?
- Como se manifesta a dignidade da pessoa humana?
- Por que não há justo usufruto do Bem Comum, sem a consciência ética e participação dos cidadãos?
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